terça-feira, 15 de setembro de 2009
Caso Battisti: o Supremo na berlinda - Por José de Souza Castro
Caso Battisti: o Supremo na berlinda
José de Souza Castro
Qualquer que seja o desfecho do caso Battisti, a imagem do Supremo Tribunal Federal ficará arranhada mais uma vez. Será muito difícil demonstrar que nossos juízes não agiram como simples procuradores do governo italiano, se decidirem pela extradição do homem condenado em seu país à prisão perpétua, sem amplo direito de defesa. Uma condenação ocorrida há mais de 20 anos e que, portanto, pelas leis brasileiras, estaria prescrita.
Recentemente, em artigo, o professor Carlos Luzardo, da Unicamp, e membro da Anistia Internacional dos Estados Unidos, criticou o Supremo por não levar em conta a prescrição e por desrespeitar as garantias judiciais estabelecidas na Convenção Americana sobre Direitos Humanos. O ministro Celso de Mello, que não está participando do julgamento, é um dos que desconsideraram a presunção de inocência de Battisti – e talvez seja essa a causa de ter-se declarado impedido “por motivo de foro íntimo”.
Talvez nem tão íntimos assim, tão públicas foram as críticas que recebeu ao declarar à imprensa, em fevereiro passado, que a Corte pode mudar sua jurisprudência e conceder a extradição pedida pelo governo italiano. Segundo Celso de Mello, não haveria nenhuma incoerência se isso ocorrer.
O ministro da Justiça, Tarso Genro, no dia 11 de março, advertiu que, para que o STF possa decidir pela extradição de Battisti, ele teria que mudar de posição, pois, pelo menos em quatro casos anteriores semelhantes, o Supremo não concedeu a extradição, por até 9 votos a 1.
Nessa questão de opinar na imprensa sobre um caso que teria ainda que julgar, a situação mais grave parece ser a do presidente do Supremo, Gilmar Mendes, que ainda não deu seu voto – mas, pelo que deu a transparecer durante o julgamento, será favorável à extradição. Ao ser sabatinado há alguns meses pelo jornal Folha de S. Paulo, ele disse que a decisão do Supremo extinguiria a possibilidade de apelo à clemência do presidente Lula. Segundo o jornalista Celso Lungaretti, em artigo publicado pelo Observatório da Imprensa dia 7 deste mês, “uma derrapada tão desastrosa, que Mendes nunca mais a repetiu, pois implicitava prejulgamento do caso, concordância prévia da maioria dos ministros com uma pretensão aberrante e a usurpação de uma prerrogativa do Executivo pelo Judiciário”.
Essa usurpação, se houver, será terrível, quando se sabe que nessa questão o judiciário brasileiro se omitiu até no dever mais simples de verificar sobre a legalidade da prisão de Battisti. De fato, afirma Lungaretti, que vem acompanhando o caso, “ele estava detido sem acusação concreta nenhuma, no melhor estilo das detenções da época da ditadura. Obviamente, não pode aduzir-se à periculosidade do réu, já que em 28 anos de exílio, todas as testemunhas de sua vida, e não apenas os amigos, coincidiram em sua total adaptação as leis dos lugares que habitava”.
Segundo Lungaretti, caso insólito é que o relator, ministro Cezar Peluso, consultou o governo da Itália sobre todos os pedidos da defesa de Battisti, especialmente os relativos à sua liberdade. “Curiosamente, o relator acatou servilmente as ‘decisões’ da Itália, salvo uma”. Em 13 de março, os advogados de Battisti apresentaram o seu quinto pedido de liberdade, agora com base no fato de que o processo está prescrito.
Governo vingativo
No dia 3 de março passado, Augusto Illuminati, professor de sociologia e filosofia política da Universidade de Urbino (Itália), escreveu artigo em que analisa o caso Battisti. Ele afirma que o escarcéu que o governo italiano e a imprensa de seu país faziam em torno do caso seria um ataque preventivo contra o insistente apelo por uma anistia para os envolvidos nas lutas dos anos 70.
Na sua opinião, a lei de anistia é uma exigência ao mesmo tempo política e jurídica. Política, porque pretende fechar um ciclo de represálias reacionárias contra a última grande tentativa de “assalto ao céu” marcado pela passagem do fordismo ao pós-fordismo. E jurídica, porque as represálias “legais” foram realizadas segundo parâmetros e meios emergenciais, em grande parte já abandonadas ou fora de uso. “Foi o caso do recurso à prisão preventiva (de até 10 anos!), usada mais que as próprias sentenças judiciais, para manter na prisão o quadro dirigente dos movimentos (...), os agravantes de penas em caso de terrorismo, o estabelecimento de normas de caráter moral com que multiplicar as penas para os réus mais insignificantes, o uso ocasional da tortura, as confissões arbitrárias de ‘arrependidos’, figuras ínfidas e terroristas sanguinários, excessivamente interessados na condenação de qualquer um com quem tivessem contato em troca da anulação, por parte do Estado, da pena a que foram condenados e outras benesses. Não menos importante foi a pesada influência do clima da época sobre a condução dos processos e a aplicação das penas, uma vez que a opinião pública e os júris populares eram pressionados pela campanha da imprensa sobre os perigos do terrorismo”, advertiu Illuminati.
Na mesma época, o ministro Tarso Genro afirmou: “Hoje, qualquer juiz que examinasse o processo, sem preconceito político, sem a menor dúvida absolveria Battisti por falta de prova ou insuficiência de provas. Todas as supostas provas que têm contra ele vêm da palavra de um co-réu, que negociou a delação premiada, acusando aqueles que estavam fora do país”.
O ministro da Justiça, certamente, não sabia ainda que seis meses depois, o relator Peluso, que teoricamente teria examinado bem o processo, longe de concluir que a condenação à revelia de Battisti fora incorreta, julgou por bem declarar que o refúgio concedido pelo governo brasileiro foi ilegal e recomendar que o Supremo conceda a extradição pedida pelo governo italiano.
Parece que a opinião do ministro Peluso sobre o governo da Itália – ou pelo menos, sobre a justiça italiana, pois alegou que conceder o refúgio a Battisti seria “uma política gratuita e pesada de afronta à independência da justiça italiana” – não é a mesma do professor Illuminati. Em seu artigo, ele afirmou que as grandes ondas de luta dos anos 60 e 70 foram embalsamadas ou engessadas, na Itália, “por um regime vingativo, governado por uma ‘nomenclatura’ rígida e corrupta que resistiu a todo tipo de mudança, até precipitar-se, finalmente, no populismo de Berlusconi. Este último, por sua vez, reciclou homens e métodos, enquanto a esquerda – em grande medida participante das repressões daqueles anos – está se dissolvendo”.
Os votos até agora
Se Gilmar Mendes conseguir tirar do presidente Lula o direito à última palavra neste caso, concedendo clemência a Battisti e suspendendo a extradição, de acordo com as tradições brasileiras – o próprio Lula governa hoje com muitos anistiados pelo Regime Militar –, dificilmente ele escapa de passar o resto de seus dias numa prisão italiana. Cesare Battisti, hoje com 54 anos, era militante do grupo de extrema esquerda PAC (Proletários Armados pelo Comunismo) e foi acusado de participação em quatro assassinatos ocorridos em 1978 e 1979, o que ele nega. Battisti fugiu para Paris em 1981 e viajou para o México, onde ficou até 1990, quando voltou à França. Em 2004, fugiu para o Brasil e foi preso em 2007.
O julgamento iniciado dia 9 de setembro foi suspenso e deve ser retomado nos próximos dias. O ministro Marco Aurélio de Mello pediu vistas do processo, depois que sete ministros já haviam votado. Os ministros Eros Grau, Carmen Lúcia e Joaquim Barbosa votaram a favor de Battisti. Os quatro ministros que votaram contra, considerando ilegal o refúgio político e, com isso, abrindo caminho para a extradição, foram Ricardo Lewandowski, Carlos Ayres Britto, Cezar Peluso e Ellen Gracie. Todos eles nomeados pelo presidente Lula, com exceção de Ellen Gracie, nomeada por Fernando Henrique Cardoso, responsável também pela nomeação de Gilmar Mendes. Marco Aurélio foi nomeado em 1990 pelo presidente Collor.
Ou seja, os ministros de Lula no Supremo estão divididos meio a meio no caso, o que não deixa também de ser interessante, mas não cabe analisar aqui mais essa complicação política num poder sabidamente político.
A defesa de Battisti conta com o voto do ministro Marco Aurélio a favor da permanência do italiano no Brasil. Desse modo, o julgamento ficaria empatado, o que passaria a decisão para Gilmar Mendes. Mas o advogado Luís Roberto Barroso informou à imprensa que vai recorrer ao regimento do STF, para que o presidente do Supremo não vote. O advogado de Battisti alega que o presidente não vota no caso de empate na análise de habeas corpus. “Como no caso do Battisti a extradição vai resultar na prisão perpétua, que é mais grave do que um habeas corpus, o presidente do STF deveria ser impedido de votar e o empate favoreceria Battisti", disse.
Então, corrigindo o que afirmei logo no início deste artigo, ainda há tempo para que o Supremo cuide de sua imagem.
Fonte: http://www.novae.inf.br
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