segunda-feira, 7 de setembro de 2009

Da audácia de Obama ao pós-americanismo - Por José de Souza Castro



Da audácia de Obama ao pós-americanismo

José de Souza Castro

Ganhei de presente e estou lendo The Audacity of Hope, de Barack Obama. Na semana passada, concluí a leitura de The Post-American World, de Fareed Zakaria. Os dois livros, de certa forma, se completam. Pena que no segundo o Brasil tenha sido citado apenas 16 vezes e o único brasileiro presente ali seja Fernando Henrique Cardoso, a dizer que o mundo realmente só quer dos Estados Unidos uma coisa, que afirme seus próprios ideais. Acho que Lula teria mais coisas a dizer, se ele tivesse sido considerado relevante pelo autor, um indiano que imigrou adolescente para os Estados Unidos e hoje é editor da Newsweek International. No livro de Obama, até a página 60, o presidente brasileiro não aparece – e nem seu grande e bobo país –, mas faltam ainda mais de 300 páginas...

Obama deveria prestar atenção a Lula e ao Brasil, e não poderia ter desprezado um conselho de Zakaria, sobre o qual falarei mais à frente, pois assim não estaria vendo seu governo envolto em mais um episódio constrangedor – o acordo com Álvaro Uribe, para que os Estados Unidos utilizem sete bases militares colombianas a pretexto de combater o narcotráfico. Com isso, Obama não ficou bem entre os associados da União de Nações Sul-Americanas (Unasul), criada há um ano e meio por inspiração do governo brasileiro. A Unasul, ameaçada já de divisão, discutiu na semana passada, na Argentina, a crise entre dois de seus membros, Colômbia e Venezuela, provocada pelo acordo, considerado uma declaração de guerra pelo presidente Hugo Chávez.

Lula tentou pôr panos quentes na disputa e recomendou a Uribe que reflita sobre a eficácia da via militar para combater o narcotráfico na Colômbia, onde os Estados Unidos mantêm presença militar desde 1952, como alegou o presidente colombiano. Lula acha que Obama e os demais dirigentes dos países ricos deveriam se preocupar em combater o problema dentro de suas próprias fronteiras, pois os maiores consumidores de substâncias ilícitas “não estão aqui”.

É um bom conselho vindo do presidente de um país que saiu da turbulência global maior do que entrou, conforme Jim O’Neill, do Goldman Sachs, criador da expressão BRIC, para denominar o grupo de grandes países emergentes – Brasil, Rússia, Índia e China – que não poderá mais ser ignorado pelo resto do mundo. "O Brasil passou por essa crise extremamente bem, e pode crescer a um ritmo de 5% nos próximos anos", avalia O’Neill.

E qual o conselho de Zakaria? Que os Estados Unidos deixem de lado a arrogância histórica e procurem ter melhores relações com todos os poderes emergentes. Ninguém discute a supremacia americana nas armas. Alguns números citados pelo autor ilustram bem a situação atual. Enquanto a China constrói seu primeiro porta-aviões, os Estados Unidos têm 25 operando em todos os mares. Enquanto o governo americano diz a outros países que construir uma única arma nuclear é uma abominação moral, política e estratégica, ele mantém um arsenal de milhares de mísseis – e testa novos! E o Departamento de Defesa se vangloria de ser um dos maiores proprietários de terra do mundo, com mais de 12 milhões de hectares, 571 mil edificações e outras facilidades, espalhadas por 3.700 lugares e por 766 bases em 40 países estrangeiros. Essas bases eram avaliadas em 127 bilhões de dólares em 2005 e abrigavam 197 mil militares americanos.

E agora brigam por mais sete, em seu quintal!

Fernando Henrique Cardoso se expressou mal, pois os Estados Unidos nunca deixaram de afirmar e reafirmar seus ideais. Ele poderia ter aconselhado Obama a fazer o que prega, pois dizer uma coisa e praticar outra é hipocrisia. E isso, segundo Zakaria, é ineficiente, tanto quanto destrutivo da credibilidade americana.

Obama escreveu o livro, lançado em 2006, quando era ainda senador pelo Partido Democrata, mas já de olho na presidência dos Estados Unidos. Na página 8, ele diz que seus encontros com os eleitores, durante a campanha, confirmaram a decência fundamental do povo americano. E também lhe recordaram que no coração da experiência americana estão aqueles ideais que continuam a animar a consciência coletiva, e que unem os americanos apesar de suas diferenças. Na verdade, até onde pude ler, o livro é uma tentativa de provar que é possível lidar com problemas concretos, desde que se ultrapasse as divisões.

Enquanto isso, os estrategistas do governo americano tratam de testar as boas intenções de Obama e, mais uma vez, manter divididos os países de seu quintal, jogando Uribe contra Chávez e desmoralizando os que, como Lula, se esforçam por apartar a briga. Acabar com a Unasul será um bônus para os vitoriosos de sempre.

A diferença, segundo Zakaria, é que agora o mundo está mudando da raiva para a indiferença, do antiamericanismo para o pós-americanismo. Os Estados Unidos não mais ostentam o único grande mercado no mundo, o dólar perde força e, em certas áreas, como no mar ao sul da China, sua força militar pode se tornar menos relevante que a chinesa. Nas negociações internacionais, a América terá que barganhar e assumir compromissos com outros países. A supremacia militar não vai resolver todos os problemas.

O maior deles, talvez, seja o diagnóstico errado feito pelos militares americanos. Como disse Mark Twain, “para o homem que tem um martelo, cada problema se parece com um prego”. É bom que outros mostrem aos falcões de Washington que também eles têm seus martelos...

Fonte: www.novae.inf.br/

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