NOTAS INICIAIS SOBRE AS NOVAS BASES DOS EUA NA COLOMBIA: UMA AMEAÇA CONTRA A PAZ NAS REGIÕES ANDINA E AMAZÔNICA
Por Carlos A. Barão
No último dia 16 de julho, Álvaro Uribe Velez, presidente da Colômbia, declarou publicamente ser favorável à instalação de bases dos EUA no território de seu país, desatando uma enorme crise na região, e abalando os alicerces da recém-fundada Unasur e de seu Conselho de Defesa Sul-Americano. O mandatário colombiano teria declarado na ocasião que “obter acordos com países como os Estados Unidos, para que com todo respeito à constituição colombiana, à autonomia da Colômbia, nos ajude nessa batalha contra o terrorismo e contra o narcotráfico, é da maior conveniência para o país”[1]. A instalação das bases dos EUA na Colômbia ocorre em seguida a uma decisão da Assembléia Constituinte do Equador de não renovar o contrato de aluguel da base de Manta às forças militares estadunidenses, contrato esse que termina em novembro desse ano.
A instalação das bases dos EUA ou, como se diz oficialmente: a cessão de bases colombianas para uso pelas forças estadunidenses, ocorrerá sem consulta à população e nem mesmo ao Congresso.
Na Colômbia um político de centro-direita como o ex-ministro da defesa e senador Rafael Pardo, que não pode ser nem remotamente suspeito de “antiamericanismo” (sic), declarou que com a cessão das bases definida por Uribe a “Colômbia perderá soberania e se converterá em uma base de operações, uma espécie de porta-aviões, contra os países vizinhos”[2]. Já o líder da aliança de esquerda moderada colombiana “Pólo Democrático”, afirmou que “é vergonhoso como se pode chegar a tal acordo, que deveria ser objeto de debate público. Estamos nos convertendo em um país súdito dos EUA”[3].
Até mesmo um governo extremamente moderado, como o presidente brasileiro Luis Inácio Lula da Silva, não pode ignorar essa situação e solicitou explicações aos governos dos EUA e da Colômbia, em ambos os casos com resultados no mínimo decepcionantes, já que nenhum dos dois modificou seus propósitos e nem sequer se comprometeram com qualquer tipo de garantia aos demais países da região.
Trata-se da utilização de sete bases da Colômbia pelas forças militares estadunidenses que, na prática, passarão a comandá-las. São três bases da força aérea, duas bases do exército e duas bases da marinha, todas apresentadas no primeiro mapa abaixo[4]. A base de Palanquero receberá um investimento de US$ 46 milhões para aumentar sua capacidade operacional. O segundo mapa abaixo[5] mostra o raio de ação dos aviões que serão estacionados nessa base. A área cobre desde o sul da Bolívia até as Bahamas, passando por Cuba, incluindo todo o território da Venezuela e boa parte do território brasileiro.
Simbolicamente, no dia 1 de agosto, quando ocorria a visita do general Douglas Fraser, chefe do Comando Sul dos EUA, Uribe declarou que não compareceria à III reunião de chefes de Estado da UNASUL (União de Nações Sul-Americanas), que se realizou em Quito, nos dias 8 a 10 de agosto. Uribe sequer se deu ao trabalho de enviar seu ministro de relações exteriores para lá.
A UNASUL debateu o assunto em sua reunião de Quito, e países como Venezuela, Equador, Bolívia, e até mesmo Argentina se pronunciam de forma clara contra a implantação das bases. A reação do governo brasileiro também foi crítica, mas muito mais moderada do que os demais. Observe-se que caso essas bases venham a ser o instrumento para um amplo conflito na região, o Brasil simplesmente não teria como deixar de se envolver, dadas as extensas fronteiras que possui na região e as características físicas da Amazônia.
A UNASUL condenou em seu comunicado oficial o recente golpe de Estado em Honduras[6], ocorrido no último dia 28 de junho. Claramente os EUA patrocinaram o evento, não importando se o papel de Obama foi mais ou menos relevante. O fato é que os EUA poderiam ter liquidado o golpe com grande facilidade, se realmente fosse seu objetivo, e não o fizeram. Em Honduras funciona uma das principais bases dos EUA na América Central. A mídia conservadora da região tem dado eco aos golpistas, na maior parte do tempo.
Uribe realizou na semana passada uma viagem por vários países da região, inclusive Brasil, mas tudo indica que sua mala estava vazia, ou seja, não iniciaria nenhuma negociação com a UNASUL. Em recente matéria da BBC, datada de 15 desse mês, anuncia-se que as negociações sobre o novo acordo encerraram-se, com a ida de Uribe a Washington[7]. O centro do acordo será o combate ao narcotráfico e ao “terrorismo”.
A Colômbia acaba de entrar em recessão e com isso redobra seus esforços para assinar o Tratado de Livre Comércio com os EUA, tratado que serviria para que a situação econômica do país não piore ainda mais no curto prazo, mas que liquida qualquer possibilidade de desenvolvimento soberano do país. Trata-se do modelo da “finada” ALCA, nesse caso aplicado apenas à Colômbia.
Para lançar uma cortina de fumaça sobre os reais eventos em curso na região, Uribe criou mais uma invenção noticiosa, que prontamente foi aceita e reproduzida acriticamente por toda a grande mídia da região: que Chávez estaria fornecendo armas para as FARC, guerrilha que opera há décadas na Colômbia[8]. Para reforçar o “realismo” da alegação foi divulgada pela mídia da região que o governo sueco teria se pronunciado afirmando que o armamento vendido para a Venezuela não poderia ser repassado a terceiros. Apenas um detalhe: a venda para a Venezuela ocorreu há quase 30 anos, bem antes do início do governo Chávez, e não há qualquer prova sobre a participação do presidente venezuelano nesse hipotético repasse para as FARC.
A cooperação entre EUA e Colômbia já é antiga e atualmente está em vigor o chamado Plano Colômbia, que tem como objetivos oficiais o combate contra a insurgência e o narcotráfico, sendo previsto um gasto pelos EUA aproximadamente US$ 520 milhões em 2009. Os EUA já vêem operando no país com suas empresas privadas de guerra, os mercenários, iguais ou semelhantes àquelas que operam no Iraque[9]. A Colômbia concedeu aos estadunidenses um acordo que garante ampla imunidade jurídica aos seus soldados, ou seja, os crimes que esses venham a cometer em solo colombiano ficarão fora do alcance das autoridades desse país latino-americano. Se um soldado estadunidense cometer um assassinato, por qualquer motivo que seja ele apenas poderá ser julgado pelas autoridades dos EUA. Trata-se de uma verdadeira humilhação à qual tem se submetido os países que contam com bases dos EUA em seu território.
O alinhamento estreito entre os dois países garante à Colômbia o duvidoso status de terceiro maior receptador de ajuda militar dos EUA, perdendo apenas para Israel e Egito. Os gastos militares colombianos são ainda, largamente, os maiores da região andina. Apenas para comparação, e ao contrário do que propaga a grande mídia brasileira, os gastos militares colombianos são largamente superiores aos da Venezuela, o outro país economicamente importante da região andina. De acordo com os dados de uma das maiores instituições de análises no campo militar, o SIPRI – Stockholm International Peace Research Institute, os gastos da Colômbia nos últimos dez anos, ou seja, de 1999 a 2008, foram de US$ 45,6 bilhões, enquanto os da Venezuela foram de US$ 16,9 bilhões[10]. Esse período coincide exatamente com o período em que Hugo Chávez está no governo venezuelano, e ao período em que exerceram a presidência colombiana os senhores Andrés Pastrana (1998-2002) e o atual Álvaro Uribe Vélez (2002 até hoje).
O ponto central a destacar é que o novo acordo entre EUA e Colômbia tem como um de seus objetivos o combate ao “terrorismo”, o que o insere dentro da doutrina Bush, adotada por Obama, de “guerra contra o terrorismo”. Essa doutrina leva a que os “terroristas”, grupos que os EUA e Uribe, no caso, queiram assim denominar, possam ser perseguidos no território de qualquer país do mundo, sem qualquer respeito para com as fronteiras nacionais. A conseqüência lógica aqui seria o emprego de forças militares em ações nos territórios venezuelano e equatoriano “perseguindo” forças das FARC, o que já ocorreu em 2008[11], ou mesmo atacando outros objetivos criados pelos estadunidenses. Assim é que já se começa a falar em uma presença do Hezbollah, grupo libanês, na Venezuela[12], notícia que traz o requinte ainda de afirmar que esse grupo estaria interessado em atacar o Brasil a partir da Venezuela. Está claro que o objetivo dos EUA é simplesmente aumentar a tensão na região e colocar uns contra os outros os países da região. Afinal foi assim que os ingleses dominaram durante muito tempo a Índia com um pequeno punhado de homens: jogando os dirigentes locais uns contra os outros. Os EUA pretendem, dessa forma, e com um mínimo de perdas, aumentarem seu domínio sobre a região.
Foi com base nessa “guerra contra o terrorismo”, do ponto de vista ideológico, que os EUA começaram suas agressões contra a Venezuela de Hugo Chávez, primeiro, e depois, contra o Equador de Rafael Corrêa. Em jogo as ricas reservas de petróleo da Venezuela e do Equador, bem como a tentativa de reafirmação do tradicional amplo domínio dos EUA sobre a região, por eles considerada como seu “pátio traseiro” (backyard).
Em suma, a “guerra contra o terrorismo” é a forma como se expressa o velho imperialismo em nossos dias, tentando ocultar seus verdadeiros objetivos expansionistas através do disfarce do combate aos “terroristas”. Afinal, em que será que muitas toneladas de bombas despejadas sobre a população civil de países como Iraque e Afeganistão contribuiu para o fim dos “terroristas”? E, por outro lado, se uma célula “terrorista” fosse localizada em Nova York, alguém imagina que o governo dos EUA bombardearia a cidade? Ora, sejamos sérios…
O novo governo de Barack Obama, dessa forma, vem seguindo um padrão já conhecido daqueles que vivemos na América Latina. Em seu último ano de governo, George W. Bush reforçou o Comando Sul dos EUA com a reativação da IV Frota. Essas forças têm como área de atuação a América do Sul, Central e Caribe, bem como os mares adjacentes a essa região. Trata-se de um instrumento tipicamente imperial. A maioria das pessoas não sabe, mas os EUA dispõem de 6 comandos militares destinados a atuarem em todas as partes do mundo. Eles dividem o mundo entre regiões militares por eles comandadas. E quem duvida basta consultar o site do departamento de Estado dos EUA e verificar a informação de primeira mão. Ali estão o Comando Norte (América do Norte), o Comando Sul (América do Sul, Central e Caribe), O Comando do Pacífico (Oceania, e parte da Ásia que se estende entre a Índia e o Japão), o Comando Central (Oriente Médio, Egito e Ásia Central), e o Comando Europeu (Europa, incluindo a totalidade da Turquia e da ex-URSS)[13].
Esse fantástico aparato é fruto de um consenso entre os partidos democrata e republicano, para os quais a política externa é basicamente uma política de Estado, ou seja, com objetivos estratégicos que praticamente não se alteram em função de eleições presidenciais. Que o digam os afegãos e paquistaneses, ambos vítimas da intensificação e ampliação dos bombardeios na região definidas por Obama e anunciadas desde a campanha, ou seja, ontem vítimas das bombas republicanas e hoje vítimas das bombas democratas !
Ao que tudo indica, Obama ainda não leu o conteúdo da obra “As veias abertas da América Latina”, de Eduardo Galeano, e se leu não se importou nem se interessou por ele, obra tão generosamente presenteada ao presidente estadunidense pelo presidente Hugo Chávez. As iniciativas mencionadas no presente artigo de bombardeio contra o Equador (1 de março de 2008), reativação da IV Frota dos EUA, golpe de Estado em Honduras e, agora, a instalação efetiva 7 bases dos EUA na Colômbia, configuram uma linha de continuidade entre a administração Bush, responsável pelos dois primeiros movimentos, e a administração Obama, responsável pelos dois últimos, todos tendo o intuito de recuperar e reforçar o domínio sobre a América Latina, e sempre com a cobertura ideológica e midiática da “guerra contra o terror”. Aguardemos os próximos movimentos.
[1] Uribe afirma que es conveniente acordo con Estados Unidos. Disponível em: http://www.radiosantafe.com/2009/07/16/uribe-afirma-que-es-conveniente-acuerdo-militar-con-estados-unidos/. Acesso em 8 de agosto de 2009.
[2] Uribe acepta alojar cinco bases de EEUU em Colômbia. Disponível em: http://www.publico.es/internacional/239223/uribe/aceptaalojar/cinco/bases/eeuu/colombia. Acesso em 8 de agosto de 2009.
[3] Ibdem.
[4] O uso de bases colombianas pelos EUA causa mal-estar na região. Disponível em http://noticias.uol.com.br/midiaglobal/elpais/2009/08/06/ult581u3410.jhtm. Acesso em 9 de agosto de 2009.
[5] Disponível em http://www.no-bases.org/show_news/new_military_base_in_colombia_would_spread_pentagon_reach_throughout_latin_america. Acesso em 16 de agosto de 2009.
[6] Declaração Presidencial de Quito. Disponível em http://www.comunidadandina.org/unasur/10-8-09Dec_quito.htm. Acesso em 16 de agosto de 2009.
[7] Colombia-U.S. accord reached. Disponível em http://news.bbc.co.uk/2/hi/americas/8202724.stm. Acesso em 17 de agosto de 2009.
[8] BILBAO, Luis. Estados Unidos devela su estratégia. Revista America Siglo XXI, ano vii, n.52, agosto de 2009. Disponível em: http://www.americaxxiweb.com/numeros/0052/index.html. Acesso em 8 de agosto de 2009.
[9] EEUU privatiza la guerra colombiana con sus transnacionales mercenarias, asegura Eva Golinger. Disponível em http://www.rebelion.org/noticia.php?id=89945&titular=eeuu-privatiza-la-guerra-colombiana-con-sus-transnacionales-mercenarias-asegura-eva-golinger-. Acesso em 16 de agosto de 2009.
[10] Os dados apresentados encontram-se em dólares estadunidenses de 2005. Disponível em http://www.sipri.org/databases/milex/milex. Acesso em 17 de agosto de 2009.
[11] Em 1 de março de 2008 a Colômbia bombardeou território equatoriano com o objetivo declarado de liquidar uma base das FARC que ali estaria operando.
[12] Note-se como a grande imprensa brasileira dá apoio a teses como essa, por mais absurdas que possam ser, desde que a atenção seja desviada do ato ofensivo dos EUA na região instalando suas 7 bases na Colômbia. Começa a ser construída uma teia de justificativas para as bases, que passam pelo combate às FARC, ao narcotráfico e, até mesmo, ao Hezbollah. Conforme se observa, por exemplo, na matéria Yedioth Ahronoth: jornal diz que Hezbollah teria bases na Venezuela com intenções de atacar até o Brasil. http://oglobo.globo.com/mundo/mat/2009/08/13/jornal-diz-que-hezbollah-teria-bases-na-venezuela-com-intencoes-de-atacar-ate-brasil-757384850.asp. Acesso em 16 de agosto de 2009. Interessante notar que o próprio presidente Uribe, da Colômbia, foi identificado como integrante do narcotráfico por uma agência de investigações dos EUA (U.S. Defense Intelligence Agency), em 1991, conforme relatório liberado para acesso ao público em 2004 e que pode ser acessado em http://www.gwu.edu/~nsarchiv/NSAEBB/NSAEBB131/index.htm. Acesso feito em 16 de agosto de 2009. De acordo com esse relatório as conexões de Uribe seriam com Pablo Escobar, do Cartel de Medellín.
[13] Para maiores informações sobre esse tema, bem como para acesso ao mapa oficial do governo dos EUA com a divisão do mundo em comandos militares estadunidenses, veja-se o site do Departamento de Defesa dos EUA em http://www.defenselink.mil/specials/unifiedcommand.
(*) Carlos A. Barão é Doutor em História Social pela UFF.
Fonte: http://www.fazendomedia.com/
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