quarta-feira, 20 de outubro de 2010

A guerra no Afeganistão: ano dez - por Andrew J. Bacevich

A guerra no Afeganistão: ano dez - por Andrew J. Bacevich

Em janeiro de 1863, a ordem do presidente Abraham Lincoln para um general comandante recém-nomeado foi simples: "Dê-nos vitórias." A ordem tácita do presidente Barack Obama a seus generais equivale a isto: "Dê-nos condições que permitam uma retirada digna." Uma incisiva citação do novo livro de Bob Woodward captura a essência de uma incipiente Doutrina Obama: "Passe a bola e caia fora."

Entrar em uma guerra geralmente é muito fácil. Sair tende a ser algo totalmente diferente - especialmente quando o comandante-em-chefe e seus comandantes em campo discordam sobre a conveniência de fazê-lo.

Feliz aniversário, América. Há nove anos - em 7 de outubro de 2001 -, uma série de bombardeios aéreos dos EUA contra alvos no Afeganistão lançou a campanha inaugural do que depois se tornou a mais longa guerra da nação. Três mil, duzentos e oitenta e cinco dias depois, a luta para decidir o futuro do Afeganistão continua. Pelo menos em parte, a "Operação Liberdade Duradoura" tem honrado o nome: ela certamente provou ser duradoura.

No momento em que o conflito antes conhecido como Guerra Global contra o Terror entra no décimo ano, os norte-americanos têm o direito de perguntar: quando, onde e como a guerra terminará? Grosso modo: estamos quase lá?

Obviamente, com passar do tempo, tem sido cada vez mais difícil discernir onde fica o "lá". Bagdá mostrou que não é Berlim e Kandahar certamente não é Tóquio. Não espere ver a CNN televisionando uma cerimônia de rendição tão cedo.

Eis o que sabemos: uma empreitada que começou no Afeganistão, mas logo em seguida se concentrou no Iraque, agora se voltou - de novo - para o Afeganistão. Se as oscilações desse pêndulo significam progresso rumo a algum objetivo final é uma incógnita.

No passado, para medir o progresso em tempos de guerra, os norte-americanos usaram alfinetes e mapas. Marcar os pontos do conflito desencadeado pelo 11 de Setembro sem dúvida vai melhorar nosso conhecimento da geografia mundial, mas não nos dirá nada sobre o rumo futuro desta guerra.

O que, então, ganhamos com nove anos de batalhas? Disciplina, mas não necessariamente esclarecimento.

Há apenas uma década, a hoje esquecida campanha de Kosovo parecia oferecer um modelo para um novo estilo norte-americano de guerra. Foi uma decisão ganha sem uma única baixa norte-americana. Kosovo, no entanto, provou ter sido um evento isolado. Sem dúvida, a força militar dos Estados Unidos era (e continua sendo) insuperável em termos tradicionais. No entanto, depois do 11 de Setembro, Washington comprometeu essa força militar em uma empreitada que evidentemente não pode ter sucesso.

Em vez de analisar as implicações deste fato - confiar na força das armas para eliminar o terrorismo é um esforço inútil -, dois governos prolongaram a guerra obstinadamente, mesmo enquanto rebaixavam as expectativas sobre o que ela poderia conseguir.

Ao encerrar oficialmente as operações de combate dos EUA no Iraque neste ano - um dia feliz, se é que houve algum -, o presidente Obama evitou declarar "missão cumprida". Poderia ter declarado. Enquanto os soldados dos EUA deixam o Iraque, os insurgentes permanecem ativos e em campo. Em vez de declarar vitória, o presidente simplesmente conclamou os norte-americanos a virar a página. Com notável boa vontade, a maioria de nós parece ter obedecido.

No que talvez seja ainda mais surpreendente, os próprios chefes militares de hoje abandonaram a noção de que guerras são vencidas vencendo-se batalhas, outrora o grande fundamento de sua profissão. Os guerreiros do passado insistiam: "Não há substituto para a vitória." Os guerreiros da Era de David Petraeus abraçam um lema totalmente diferente: "Não existe solução militar."

Eis aqui o general H. R. McMaster, uma das estrelas ascendentes do Exército, resumindo o que há de mais moderno no raciocínio militar avançado: "Simplesmente lutar e vencer uma série de batalhas interconectadas em uma campanha bem desenvolvida não resulta automaticamente no cumprimento dos objetivos da guerra." Vencer, em si, é algo ultrapassado. Perserverar está na moda.

Assim, um corpo de oficiais outrora dedicado a evitar guerras prolongadas agora se especializa em pântanos. As campanhas não terminam de verdade. No máximo, vão minguando.

Outrora treinados para matar pessoas e destruir coisas, os soldados norte-americanos agora cuidam de conquistar corações e mentes, enquanto fazem bico cometendo assassinatos. O termo politicamente correto para isso é "contrainsurgência".

Hoje, designar a soldados de combate a tarefa de construção de nação na, digamos, Mesopotâmia, é como contratar uma equipe de lenhadores para construir uma casa no subúrbio. O que impressiona não é que o resultado não atinja a perfeição, mas que qualquer parte do trabalho chegue a ser feita.

No entanto, ao adotar simultaneamente a prática do "assassinato seletivo", os pedreiros fazem dupla jornada como demolidores. Para os assassinos norte-americanos, a arma preferida não é o fuzil de atirador ou a faca, mas a aeronave com mísseis e sem piloto controlada a partir de bases em Nevada e outros lugares a milhares de quilômetros do campo de batalha - a derradeira expressão do desejo norte-americano de fazer guerra sem sujar as mãos.

Na prática, contudo, matar os culpados à distância não raro implica matar também os inocentes. Assim, ações promovidas para exaurir as fileiras de jihadistas em lugares tão distantes como Paquistão, Iêmen e Somália asseguram inadvertidamente o recrutamento de substitutos, garantindo um suprimento infinito de corações endurecidos a serem amolecidos.

Não surpreende que as campanhas lançadas desde o 11 de Setembro se arrastem indefinidamente. O próprio general Petraeus detalhou as implicações: "Esse é o tipo de batalha na qual estaremos pelo resto de nossas vidas e, provavelmente, das vidas de nosso filhos." Obama pode querer "sair". Seus generais estão inclinados a manter o rumo.

Levar mais tempo para conseguir menos do que inicialmente pretendíamos também está custando mais do que qualquer um imaginaria. Ainda em 2003, o conselheiro econômico da Casa Branca Lawrence Lindsey sugeriu que invadir o Iraque poderia custar até US$ 200 bilhões - uma soma aparentemente astronômica. Embora Lindsey logo tenha ficado sem emprego como consequência, ele se mostrou um pão-duro. A conta de nossas guerras pós-11/9 já passa de um trilhão de dólares, tudo isso em cima de nossa crescente dívida pública. Com a ajuda nada desprezível das políticas de guerra de Obama, a contagem continua.

E então, estamos quase lá? De jeito nenhum. A verdade é que estamos perdidos no deserto, tropeçando por uma estrada não sinalizada, odômetro quebrado, GPS estragado e ponteiro do combustível um pouco acima do zero. Resta a Washington torcer para que o povo norte-americano, cochilando no banco de trás, não note.

* Andrew J. Bacevich é professor de Relações Internacionais na Universidade de Boston, militar aposentado e autor de diversos livros, como American Empire: The Realities and Consequences of US Diplomacy (2002), The New American Militarism: How Americans are Seduced by War (2005) e The Limits of Power: The End of American Exceptionalism (2008). Artigo originalmente publicado na revista The Nation.
Fonte: Opera Mundi

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