O voto de José Carlos Mariátegui - por Marcelo Salles
José Carlos Mariátegui, um dos maiores pensadores latino-americanos – e por isso mesmo sonegado ao povo pelas corporações de mídia – foi um dos que melhor pensaram Nuestra América desde abajo, através do chamado socialismo indo-americano. Viveu três anos e meio na Europa e foi lá, segundo o próprio, que descobriu-se um revolucionário com um dever a cumprir em sua própria pátria, o Peru, e em todo o continente. Isso no início do século passado.
Mariátegui, jornalista e escritor, teve seu grande momento em “Os sete ensaios de interpretação da realidade peruana”, que na verdade é tão rico que pode ser aplicado a toda América Latina. Nesse livro, que reúne artigos publicados em sua revista, Amauta, ele trata do problema da terra, da educação pública, da cultura, do fator religioso, entre outros assuntos. Em todos eles fica evidente o protagonism o do povo e os males causados pelo imperialismo e pela burguesia entreguista.
Se Mariátegui fosse vivo, hoje ele estaria de cabelo em pé com o avanço de José Serra nas pesquisas de intenção de voto. O candidato da direita tem praticamente duas campanhas. Uma adotada alegremente pela superestrutura midiática e outra que funciona no subterrâneo (panfletos e e-mails apócrifos). Uma fica dentro da legalidade, a outra ataca abaixo da linha de cintura. Mas as duas apelam para o que há de mais retrógrado: o moralismo, o conservadorismo religioso, a família tradicional tipo papai-mamãe.
Brizola Neto, em seu blog, em abril, já havia mostrado que Serra contava com uma equipe para fazer o jogo sujo. A tal campanha de calúnia e difamação contra Dilma.
É fácil identificar os motivos que levariam Mariátegui a se posicionar ao lado de Dilma e contra Serra. Este representa a burguesia reacionária, os interesses do imperialismo, o neolib eralismo. Essas três correntes são a chave para o desemprego, para o empobrecimento do povo, para o saque das riquezas nacionais. Dilma representa o governo Lula, que pode não ter feito o governo dos sonhos da esquerda, mas é o que mais se aproximou disso. O emprego aumentou (15 milhões contra 5 milhões no governo FHC-Serra), há um esforço para proteger as riquezas (basta ver o debate sobre o pré-sal e identificar quem defende o sistema de partilha e quem se posiciona em favor da manutenção dos leilões) e cerca de 24 milhões de brasileiros saíram da miséria, enquanto outros 30 milhões entraram para a classe média. Para efeito comparativo, o Peru de Mariátegui tem, hoje, 28 milhões de habitantes.
O ayllu – terra indígena de produção coletiva – poderia ser comparado ao avanço nos investimentos do governo Lula-Dilma na agricultura familiar, que passaram de R$ 3 bilhões para R$ 16 bilhões anuais. Isso significa mais comida para nuestro povo, e sem os agrotóxicos utilizados nos latifúndios.
Serra não se importa em jogar baixo, nem que isso custe um retrocesso gigantesco ao país. Então joga o aborto no centro do debate e diz ser muito importante tratar de questões morais. Sua campanha investe pesado na imagem da esposa (a tal família tradicional), que reza na igreja, segura a imagem de uma santa, e assim diferencia-se de Dilma. Enquanto isso, no subterrâneo circulam notícias de que a petista é terrorista e quer montar uma república satanista.
De repente, todo o movimento à esquerda em Nuestra América se vê ameaçado pela direita brasileira. Sem um governo progressista no Brasil, podemos imaginar as dificuldades da revolução bolivariana, na Venezuela, que em dez anos criou a Telesur, reduziu a pobreza extrema de 80% para 30% da população, elevou para 93% do povo o acesso à água potável, reduziu a mortalidade infantil e erradicou o analfabetismo. Ou do presidente Evo Morales , na Bolívia; de Rafael Correa, no Equador; de Mujica, no Uruguai; de Cristina Kírchner, na Argentina. Todos esses tiveram, em comum, a implementação de políticas públicas que melhoraram a vida do povo, fortaleceram o Estado e intensificaram das relações com os países do continente, o que culminou na criação da Unasul e a resolução dos problemas regionais sem a interferência de potências estrangeiras.
O aumento do comércio regional também é um bom indicador dessa política. Segundo dados do Ministério da Indústria e Comércio Exterior, as exportações do Brasil para a América Latina e Caribe aumentaram em 42,8%, só no primeiro semestre de 2010, colocando a região na primeira posição de mercado comprador de produtos brasileiros.
E para além do comércio, vale lembrar, foi no governo Lula-Dilma que o Brasil compreendeu ser necessário mais do que intensificação dos negócios para resolver os problemas comuns da Nuestra Améric a. Ganharam importância instrumentos como fundos para o desenvolvimento e o Banco do Sul. Entendeu-se, pela primeira vez, que a desigualdade entre os países da região provoca conflitos e, por isso, passou-se à implementação de políticas que permitam a todos os países agregar valor a seus produtos, de modo a garantir a segurança alimentar, o emprego e a renda, sem que as antigas instituições financeiras internacionais imponham seus mecanismos de arrocho. O desenvolvimento do bloco latino-americano ajuda a explicar, em boa medida, o novo posicionamento do Brasil no mundo.
E tem outra coisa. José Carlos Mariátegui jamais votaria num candidato a presidente que acusasse, como fez Serra, o presidente de um país vizinho de ser conivente com o tráfico de drogas. Um sujeito dessa estirpe não tem condições de governar uma nação como o Brasil. Em vez de diplomacia, é bem capaz de ele declarar uma espécie de guerra preventiva, nos moldes estadunidense, p ondo toda a região em perigo e facilitando a ação imperialista.
Por tudo isso, se Mariátegui fosse brasileiro votaria em Dilma. Não em razão de supostas opiniões inseridas no escopo moralista, mas porque ela representa um projeto político capaz de seguir melhorando a vida dos mais de 500 milhões de cidadãos latino-americanos.
(*) Artigo publicado originalmente no blog Escrevinhador.
Fonte: http://www.fazendomedia.com/
segunda-feira, 18 de outubro de 2010
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