quinta-feira, 15 de outubro de 2009

A fúria da extrema-direita dos EUA contra Barack Obama



A fúria da extrema-direita dos EUA contra Barack Obama

O que em qualquer outro país democrático ocidental seriam grupos marginais, propícios para o manicômio, nos EUA contam com grandes meios de comunicação – como a cadeia Fox – e capacidade de mobilização massiva para expressar seus delírios ideológicos. Há algumas semanas, estes grupos capazes de detectar comunistas nos locais mais inesperados, estão em pé de guerra contra a reforma da saúde, proposta por Obama, que em qualquer país europeu não chegaria a merecer o título de social-democrata. O artigo é de Pablo Stefanoni.

Pablo Stefanoni / Pulso Bolivia

São os mais conservadores entre os conservadores, os mais libertarians entre os libertarians, os ultras, a direita da direita mais recalcitrante, os que não são chegados a sutilezas e acreditam que o governo de Barack Obama – flamante Prêmio Nobel da Paz – está levando os Estados Unidos ao comunismo e ao nazismo ao mesmo tempo, os que negam o primeiro presidente negro nascido no Hawaí...Mas o que em qualquer outro país democrático ocidental seriam grupos marginais, propícios para o manicômio, nos EUA contam com grandes meios de comunicação – como a cadeia Fox – e capacidade de mobilização massiva para expressar seus delírios ideológicos. Há algumas semanas, estes grupos capazes de detectar comunistas nos locais mais inesperados, estão em pé de guerra contra a reforma da saúde, proposta por Obama, que em qualquer país europeu não chegaria a merecer o título de social-democrata, mas que, nos EUA, é considerada pela direita o primeiro passo na direção de um Estado totalitário. Chamam esse “movimento de resistência” de Tea Party, uma referência ao motim do chá desencadeado em 1773 contra o aumento de impostos para vários produtos – incluindo o chá – e que é considerado o prelúdio da luta pela independência.

A campanha de ódio contra Obama – diz o diário El País – colocou em pé de guerra locutores de rádio, apresentadores de televisão e internautas enlouquecidos da extrema-direita norteamericana. Rush Limbaugh, com seu microfone, ou Glenn Beck – o novo homem duro dos radicais – convocam a insurreição desde os estúdios da Fox. “Estão nos roubando a América e quiçá seja muito tarde para salvá-la”, disse Beck a seus seguidores em uma intervenção radiofônica. O fundamentalista Limbaugh chegou inclusive a falar de racismo invertido e usou como exemplo para acabar com o governo democrata um incidente onde estudantes negros golpearam um garoto branco em um ônibus. Limbaugh pediu “ônibus segregados”. “Nos Estados Unidos de Obama, os garotos brancos são golpeados e os negritos aplaudem”, disparou.

O delírio como categoria política
“Lower taxes, less government, more freedom” (Impostos mais baixos, menos governo, mais liberdade) é o lema do Freedomworks. Como em tantos outros fóruns ultraconservadores, colocaram-se em pé de guerra contra um discurso de Obama para crianças de uma escola de Virgínia no dia do início das aulas, onde o presidente disse coisas tão terríveis como sugerir que trabalhassem duro para atingir o êxito. “Necessitamos que cada um de vocês desenvolva seus talentos, sua inteligência e suas habilidades para poder resolver nossos problemas mais difíceis. Se não fizerem isso, se abandonarem a escola, não si estarão abandonando a vocês mesmos, como também a vosso país”. E pediu aos estudantes que mandassem cartas para “ajudar o presidente”. Mas o que em qualquer parte seria aceito como um estímulo politicamente correto aos jovens, as delirantes cabeças da extrema-direita norte-americana – amante das armas, da supremacia branca e inimiga número um do Estado – interpretaram a mensagem como uma lavagem cerebral própria de ditadores como Mão, Stalin ou o genocida cambojano Pol Pot. Grupos como Focus on the Family pediram neste dia aos pais para que boicotassem o ato, que foi transmitido para outras escolas.

Mas hoje a batalha é pela saúde. Os conservadores e “libertários” de direita (libertarians) se opõem à reforma de um sistema de saúde que exclui quase 50 milhões de pessoas (15% da população), acentua as desigualdades e deixa todo mundo nas mãos de planos de saúde privados. Em um artigo na revista Umbrales de América del Sur, Ernesto Semán escreve que a metade dos pedidos de falência individuais durante 2007 estão relacionados com o pagamento de contas médicas daqueles que carecem de um seguro médico abrangente. E Michael Moore, em seu famoso documentário, comoveu aos espectadores com os perversos padecimentos que sofrem os “segurados” frente aos advogados contratados pelas empresas de saúde para encontrar razões legais para rechaçar os tratamentos.

Ameaça de morte pelo Facebook
“Nem sequer é um dos nossos”, dizia uma manifestante que distribuía fotocópias da certidão de nascimento de Obama, assegurando que ele não é um cidadão norte-americano, em uma das marchas de protesto, em setembro. “Temos um presidente ilegítimo. Um presidente que vai acabar com a América e os americanos. Chegou o momento de agir, abaixo o governo”.

Neste clima, os serviços secretos dos EUA começaram a levar o assunto muito a sério e iniciaram uma investigação sobre uma pesquisa criada na rede social Facebook, na qual se perguntava se Obama deveria ser assassinado. A enquête foi retirada pela empresa por “conteúdo inapropriado”, o que impediu que os resultados fossem conhecidos. “Cada dia ganha mais peso a possibilidade de que os militares tenham que intervir como último recurso para solucionar o problema Obama”, escreveu o colunista do site Newsmax, fórum de encontro de extremistas na internet, reproduzido no matutino El País. E na rebelião contra a reforma da saúde, que levou a direita para a rua, confluem dezenas de organizações conservadoras, desde o Clube para o Crescimento, o Instituto para a Empresa Competitiva, até o obscuro Centro para os Direitos Individuais Ayn Rand – assinala o jornalista Michael Tomasky, na prestigiada revista The New York Review of Books, que estima que este movimento do partido do chá poderia ter o apoio de aproximadamente 25% do eleitorado estadunidense.

A influência de Ayn Rand
A filósofa Ayn Rand – autora de A Nascente (1943) e Quem é John Galt? (1957) – é uma boa base para entender os chamados “minarquistas” (partidários de um Estado super mínimo) ou os liberais libertários (libertarians). Nascida na Rússia em 1905 e emigrada para os EUA em 1925, foi uma defensora sem matizes do egoísmo racional, do individualismo extremo e do capitalismo laissez-faire. Ela escreve em A Nascente: “O ego do homem é a nascente do progresso humano”. Com efeito, o personagem da novela é um arquiteto com “um ego puro e cristalino não contaminado pelo detrito de vulgaridade coletiva”. Nada o perturba; nem os clientes nem as penúrias econômicas conseguem transformar sua idéia de beleza que exterioriza por meio de suas angulosas construções e arranhas céus. Deste modo, se conquista o ódio dos coletivistas, daqueles que aspiram à felicidade do conjunto e matam o ego para obter algo que está fora de seu alcance: a felicidade coletiva.

“O verdadeiro egoísmo é belo, natural, gratificante; não há nada mais harmônico do que seres humanos trocando o produto de seu esforço, de sua criatividade. É um ato de amor. A piedade, porém, implica superioridade; o altruísmo implica desprezo superlativo em relação ao humano; a solidariedade implica submissão, dominação, infelicidade. A única solidariedade possível é a lealdade consigo mesmo, porque aquele que não ama a si mesmo, não pode amar aos demais. O que assim age sente unicamente desprezo e só busca mitigar sua carga de culpa, redimindo-a com um ato de oferenda ao monstro devorador de almas”, diz um blog entusiasta desta filosofia “objetivista”.

Quem é John Galt? é ainda mais explícito: “Essa história apresenta o conflito de dois antagonistas fundamentais, duas escolas opostas da filosofia, duas atitudes opostas diante da vida. Como forma breve de identificá-las, as chamarei de o eixo “razão-individualismo-capitalismo” contra o eixo “misticismo-altruismo-coletivismo”, explicava a autora em uma conferência no fórum Ford Hall, em 1964. O livro divide a fibra social dos EUA em duas classes: a dos saqueadores e a dos não saqueadores. Os saqueadores estão dirigidos pela classe política, que pensa que toda atividade econômica deve ser regulada e submetida a uma forte imposição fiscal. Já os não saqueadores são homens empreendedores que pensam que a solução está justamente no contrário. A trama: surge um movimento de protesto dos “homens da mente”, acompanhado de sabotagens de empresários e empreendedores, que desaparecem misteriosamente. O líder deste movimento é John Galt, ao mesmo tempo filósofo e cientista. Galt, desde seu esconderijo nas montanhas, dá ordens, sugere iniciativas e move todos os fios. Junto a ele se refugiam os principais empresários. Durante o tempo que dura a greve e a desaparição dos empresários, o sistema americano vai soçobrando sob o peso do cada vez mais opressivo intervencionismo estatal. A obra termina quando os empresários decidem abandonar seu esconderijo nas Montanhas Rochosas e regressam a Wall Street e aos centros de decisão; marcham tendo o dólar como estandarte, símbolo escolhido por Galt como ícone de sua singular rebelião.

“Por que não colocar um site para que a gente vote pela internet, como um referendo, para ver se realmente queremos subvencionar as hipotecas dos perdedores, ou nos dar a chance, ao menos, de comprar carros e casas em execução hipotecária e dar às pessoas uma oportunidade de prosperar realmente e recompensar aqueles poderiam levar a água ao invés de bebê-la?”, perguntava-se na cadeia CNCB um de seus jornalistas em Chicago, em fevereiro deste ano, na conhecida como “diatriba Santelli” – que apelou abertamente a Ayn Rand assim que a administração Obama anunciou um plano de 75 bilhões de dólares para ajudar vários milhões de proprietários de casas a evitar a execução. Ali nasceu o “partido do chá”, que se expandiu como um rastro de pólvora.

"Parasita em chefe"
Michael Tomasky, no artigo citado, distingue a ira “genuína” da parte da cidadania que rechaça o resgate bancário, o resgate da indústria automobilística e inclusive a reforma da saúde, de outros tipos de ódio, “menos respeitáveis”, contra o primeiro mandatário afroamericano, como o epíteto de “Parasite-in-Chief” (parasita em chefe, parafraseando o título de Comandante em Chefe do Presidente dos EUA), ou “Obammunism is Communism”. Essa histeria chegou a tal ponto que o colunista Thomas Friedman comparou a atual situação vivida nos EUA com os meses anteriores ao assassinato de Isaac Rabin em Israel, em 1995. “Esse paralelismo me revolve o estômago. Não tenho problema com as críticas razoáveis, venham da direita ou da esquerda”, escreveu Friedman no The New York Times, “mas a extrema direita começou a se dedicar a deslegitimar o poder e criar o mesmo clima que existiu em Israel antes do assassinato de Rabin”.

Tomasky sustenta que com apoio de corporações e canais de televisão – recursos com os quais a esquerda não contava quando protestava contra o neoliberalismo de Ronald Reagan -, é possível que esta batalha de rua dos ultraconservadores e ultraliberais seja parte da paisagem política dos próximos anos. O jornalista do The New York Review of Books descreve o mecanismo dos chamados grupos “césped artificial”, supostamente alimentados por espontâneos cidadãos indignados. Primeiro, um grupo sem fins lucrativos empreende uma campanha dedicada a uma causa particular. Adota um nome que soa bonito e lança uma campanha supostamente espontânea. Logo vem o dinheiro oculto de empresas, fundações e conservadores ricos: obviamente, uma imagem da fúria popular-cidadã ampliada será mais persuasiva do que a imagem de um gigante corporativo perseguindo seus estreitos e desnudos interesses.

Um desses grupos é Americans for Prosperity (Americanos para a Prosperidade) que lançou o site Pacientes Unidos Agora. Em anúncios televisivos, mostravam, por exemplo, uma mulher canadense (Shola Holmes) que, por culpa do excessivo tempo de espera do “socialista” sistema de saúde desse país vizinho não podia operar um tumor cerebral e foi obrigada a ir para uma clínica privada nos Estados Unidos...Mais tarde, a imprensa de Ottawa informava que, na verdade, Holmes não tinha nenhum tumor, só um quisto benigno. Em um encontro na Flórida para discutir o projeto do novo sistema de saúde, o militante de um grupo ultraconservador foi mais preciso: “O que Obama está buscando é uma revolução social”. (E, na verdade, o projeto é revolucionário para os EUA: a reforma proíbe, por exemplo, expulsar do sistema aqueles que estão gravemente enfermos, mesmo que deixem de pagar os seguros privados; além disso, estabelece uma concorrência entre as seguradoras privadas e um novo seguro de saúde, administrado pelo Estado).

Mas não são apenas grupos conservadores que estão nesta batalha. A America’s Health Insurance Plans, a gigantesca seguradora privada, segundo repórteres da imprensa progressista, teria mobilizado seus 50 mil empregados para as eleições municipais deste verão (estadunidense) para lutar contra a reforma Obama, em um país onde a saúde é um grande drama econômico e humanitário nacional.

Tomasky destaca que, hoje, milhões de estadunidenses só vêem os canais de notícias que dizem o que eles querem ouvir, como Glenn Beck, da Fox, que “descobriu” no relevo do Rockefeller Center sinais ocultos que – convenientemente olhados – conformariam a foice e o martelo comunista (sic). Beck é também famoso por dizer que Obama é um racista com um profundo ódio aos brancos e à “cultura branca”. Em algumas noites, ele tem mais de três milhões de espectadores.

Como explica Seman, a efetividade do discurso ultraconservador para capturar o debate, para recuperar-se depois de uma eleição na qual apareceu relegado às margens da política, e para inibir e debilitar seus oponentes, tem a ver com a maleabilidade do liberalismo político norteamericano e o êxito que tem, há mais de meio século, em apresentar a mudança social como uma ameaça totalitária. E agrega: Nos Estados Unidos, a expressão “cobertura universal” é usada como acusação. É comum nestes dias ver na televisão algum deputado republicano atacando seu colega democrata aos gritos de: “O que o deputado está propondo é uma cobertura universal automática”. Mais surpreendente ainda é, imediatamente depois, ver o deputado democrata defendendo-se da acusação. “De nenhuma maneira proponho uma cobertura universal. O que queremos é fazer um sistema mais eficiente e justo, e menos custoso”.

A derrota de Bill e Hillary Clinton quando tentar aprovar uma reforma da saúde similar foi um ponto de inflexão. Obama trava uma luta parecida agora contra os inimigos do “big government”.

Moral da história: uma dose moderada de liberalismo parece ser boa para defender a democracia e prevenir-se de totalitarismos. Mas, como tudo, em excesso parece deixar doentes (psicologicamente) as pessoas, que, aliás, foram deixadas previamente sem seguro médico.

Tradução: Katarina Peixoto

Fonte: www.cartamaior.com.br

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