terça-feira, 20 de outubro de 2009

Gênova 2001: um século de prisão contra os "Black Bloc” - ANA



Gênova 2001: um século de prisão contra os "Black Bloc”

Um século de prisão para os manifestantes que "devastaram" e "saquearam" Gênova nos protestos antiglobalização do G8 de 2001

Na sexta-feira, 9 de outubro, dois dias após a absolvição do ex-chefe da Polícia italiana Gianni De Gennaro e do antigo responsável do Grupo Policial Antiterrorista da Itália (Digos) Spartaco Mortola de um processo sobre os distúrbios registrados na cúpula do G8 de 2001 em Gênova, ocorreram novamente as mais duras medidas, contra 10 citados membros dos "Black Bloc" : 98 anos e 9 meses de prisão, no seu conjunto. Prescrição e absolvição para 15 outros citados participantes nas "desordens", mas com a atenuante de terem reagido a uma carga ilegal da polícia [referente aos dissidentes do Tute Bianche, agora Disobbedienti].

Na segunda seção do Tribunal de recurso liguriano foi lido o veredicto, ao meio-dia: Vincenzo Puglisi foi condenado a 15 anos de prisão, Vincenzo Vecchi 13 anos e 3 meses, Marina Cugnaschi a 12 anos e 3 meses. "As penas a que condenaram estes jovens nem a assassinos costumam ser aplicadas...” , “Se esses jovens cometeram algum delito foi contra coisas, objetos, não contra pessoas","Engavetar 10 para dar lição a 10 milhões", foram alguns dos protestos que se ouviram da parte do público, na sala de julgamento do Tribunal.

Os advogados estão desconcertados e consideram a decisão "inacreditável" (esperada há 3 meses), apesar das considerações escritas do veredicto falarem por si, "sobre isto tinha a intuição, após as mais recentes sentenças, de que iria correr mal: mas neste caso há argüidos que foram condenados há mais de 10 anos por estragos de apenas uma vitrine! ", comentou o advogado dos réus Roberto Lamma.

Maria Rosaria de Angelo, Presidente do Tribunal, alterou parcialmente a decisão decidida em primeira instância em dezembro de 2007: o total das sentenças diminuiu pouco (10 anos menos), para um pequeno grupo, mas endureceu as penas contra os "Black Bloc".

Juízes confirmaram que a carga da polícia sobre a multidão, no dia 20 de julho, na via Tolemaide, foi ilegítima. Esse ataque contra a manifestação semeou um caos infernal, causando ainda a morte de Carlo Giuliani [assassinado pelos policiais, que utilizaram uma espingarda, durante a tentativa daquele de virar um jipe dos carabineiros (Polícia Militarizada)].

Massimiliano Monai, que esteve ao lado de Giuliani, no grupo de jovens que tentou virar o jipe e o tentou proteger da espingarda que o matou, foi condenado em primeira instância, a 5 anos de prisão, mas não irá cumprir a pena, por prescrição da mesma.

"Sinto-me honrado em ter participado, como homem livre, num dia de protesto contra a economia capitalista", disse Vincenzo Vecchi, pouco depois de ter ouvido a sentença.

Carlo Cuccomarino foi condenado a 8 anos, Luca Finotti a 10 anos e 9 meses, Alberto Funaro a 10 anos, Dario Ursino a 7 anos. Antonino Valguarnera, que tinha completado o serviço militar na Bósnia, antes do G8 e até foi condecorado, acusado de ter atirado coquetéis molotov, foi condenado há oito anos.

Texto lido por um anarquista durante o processo dos 25, em 7 de dezembro de 2007, na sala de julgamento do Tribunal de Gênova

Antes de tudo desejava fazer um parêntese: como anarquista, considero que os conceitos burgueses de culpabilidade ou de inocência são destituídos de sentido.

A decisão de desejar debater, no curso de um processo de “ações criminais que me são atribuídas” e a outras pessoas, sobretudo de exprimir idéias que caracterizem a minha maneira de ser e de perceber as coisas poderá ser objeto de interpretação errôneas: antes de mais nada é necessário precisar que o espírito dentro do qual eu fiz esta declaração,após anos de especulação midiática dos fatos que estão em discussão nesta sala e também que sou eu o porta-voz de outros inculpados.

Nesta breve declaração não procuro nem escapatórias nem justificações: é completamente absurdo que aqui decidam o que é legítimo para se revoltar ou não... nunca conseguirão impedir a revolta!

Relendo os fatos, numa certa ótica, com um certo tipo de linguagem (o da burocracia dos tribunais, para ser claro), não resistindo a considerá-los de maneira parcial, mas também em deformar a imagem, a disposição histórica, social e política, isso significará retirar os acontecimentos completamente de todo o contexto no qual foram produzidos.

O que me acusam neste processo, o delito de “devastação e saque”, implica na linguagem do código que “uma pluralidade de pessoas tomou posse de forma indiscriminada de uma quantidade considerável de objetos a fim de produzir uma devastação”. Penas muito elevadas são reclamadas para este tipo de delito, se bem que ele não se revista de ações particularmente odiosas ou atrozes.

Tenho sempre assumido a plena responsabilidade e as eventuais conseqüências das minhas ações, e confirmado a minha presença em 20 de julho de 2001 na jornada de mobilização contra o G8, melhor, honra-me ter participado como homem livre numa ação radica coletiva, sem nenhuma estrutura à minha volta.

E eu não estava só, estavam como eu centenas de milhares de pessoas, cada uma delas empenhando-se com os parcos meios para se opor a uma ordem mundial apoiada numa economia capitalista que se tem definido pela presença neoliberal... a famosa globalização econômica edificada sobre a fome de milhões de pessoas espalhadas pelo planeta, que obriga as massas ao exílio, para em seguida as deportar e as encarcerar, que provoca guerras e massacres de populações inteiras: é a isto que denomino, eu, devastação e roubo!

No curso desta enorme experiência a céu aberto, realizada em Gênova, (os meses anteriores e os seguintes onde se teve a “quermesse dos devastadores e saqueadores ao nível planetário”) que certos retardatários se obstinam a designar por gestão da rua, foi realizada uma ruptura tempo: a partir de Gênova, nada será como antes, nem nas ruas nem nos processos que surgirão de eventuais desordens.

Com tais veredictos, abre-se a via a um modus operandi que desenvolverá uma práxis natural em casos similares, quer dizer, carregar sobre a multidão de manifestantes para intimidar quem se atrever a participar em manifestações, comícios, passeatas...

...Eu não pretendo falar sobre as medidas preventivas contra o terrorismo psicológico, nem discutir o conceito de violência sobre aqueles que a perpetuam e que dizem que dela nos defendem etc. Não que eu tenha uma posição ambígua sobre o uso ou não de certos meios na luta de classes, mas porque não é este o lugar para desenvolver um debate que pertence ao movimento antagonista ao qual pertenço.

Uma observação a propósito do processo contra as forças da ordem¹. No julgamento das referidas forças, tenta-se fazer um sentido à justiça... Os procuradores têm buscado comparar a polícia e os manifestantes, em relação à violência entre eles, como se trata-se de uma guerra de gangues: sem rodeios, vou apenas dizer que eu nunca sonharia em beliscar sequer pessoa algemadas, ajoelhadas, nuas, numa atitude obviamente inofensiva na intenção de humilhá-las no seu corpo e na sua mente...

Agora estou acostumado a ser comparado a um provocador, um infiltrado etc. [acusações pronunciadas após Gênova pelos Tute Bianche, ATTAC etc. contra o Black Bloc] e mais ainda, ser comparado a um torturador de uniforme é realmente chocante! É digno de quem o formulou.

E, em seguida, realizar um julgamento contra a polícia e os carabineiros, só para dizer que estamos numa democracia, significa reduzir tudo a um punhado de desviantes violentos, por um lado, a um caso de excesso de zelo na aplicação do código, por outro.

Isso, além de ser sinônimo de pobreza intelectual, mostra quão pouco há motivo para perder tempo a fim de preservar a ordem atual das coisas.

Do meu ponto de vista, para processar a polícia paralelamente aos manifestantes significa investir as forças chamadas de ordem um papel importante nos acontecimentos. Isso significa devolver importância às pessoas que saíram às ruas para expressar o que pensavam desta sociedade, relegando-as ao seu papel de vítimas históricas de um poder onipotente.

Carlo Giuliani, como tantos outros dos meus companheiros, foi morto por ter expressado tudo isso com a coragem e dignidade que sempre caracterizaram os insubmissos a esta ordem das coisas.

Embora as relações entre os indivíduos sejam reguladas por órgãos externos, que representam apenas uma pequena minoria social, isso não vai durar.

E como eu não tenho ilusões, eu atribuo um significado preciso à palavra democracia: a idéia de que um representante da ordem estabelecida seja julgado por ter cumprido a lei faz-me sinceramente sorrir. O Estado julga o Estado, como diria alguém com um título adequado.

Haverá provavelmente condenações no nosso processo e eu certamente não as considerarei como um sinal de indulgência ou de uma cabala contra nós.

Elas devem, em todos os casos, ser consideradas como um ataque contra todos aqueles que de uma forma ou de outra, sempre terão de pôr em perigo as suas vidas a fim de transformar o existente da melhor maneira possível.

[1] Paralelo ao processo contra as 25 pessoas acusadas de "devastação e saque" que teve contra a polícia (e médicos) acusados das torturas mais graves nas casernas da Bolzaneto. Em 11 de março de 2008, os procuradores pediram quase 76 anos contra 44 argüidos (5 anos e 8 meses no máximo), sabendo que todos os crimes serão prescritos em 2009 e a data da sentença não está determinada.

Tradução > Liberdade à Solta

agência de notícias anarquistas-ana

Procurando pouso
Na rua movimentada,
Borboleta aflita

Edson Kenji Iura

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