sexta-feira, 11 de dezembro de 2009

A morte do neoliberalismo? por Bill Lucarelli



A morte do neoliberalismo? por Bill Lucarelli [*]

O recente desencadear do mais severo e sincronizado desmoronamento económico global desde a depressão da década de 1930 reacendeu controvérsias sobre as contraditórias "lei do movimento" do capitalismo e da própria natureza da moeda capitalista na esteira do colapso financeiro global que antecedeu o desmoronamento. A evidência sugere que estas crises recorrentes tornaram-se mais frequentes, severas e prolongadas durante a era neoliberal a partir dos meados da década de 1970 e parece ter coincidido com as políticas de desregulamentação financeira aprovadas durante este período. Muitos críticos heterodoxos argumentaram que o fenómeno da "financiarização" jaz no próprio núcleo destas crises financeiras recorrentes. O objectivo desta breve análise é examinar a dinâmica da actual fase debilitante de instabilidade financeira de um ponto de vista histórico. Quais são as implicações da "financiarização"? Será que a conjuntura actual significa os vestígios históricos finais do projecto neoliberal?

O predomínio neoliberal
Num contexto histórico mais vasto, as crises capitalistas são funcionais e estratégicas. Estas crises significam a culminação de um processo e o princípio de outro. Num processo contínuo e latente de transformação, todo subterrâneo, forças conflituosas vêem à superfície e trazem à luz os muitos paradoxos da própria história. Através da dinâmica da catarse e da reconstrução, as crises capitalistas proporcionam a base material pelas quais a lucratividade é mais uma vez restaurada. O "abate de valores capitais", para parafrasear Marx, é um meio necessário, embora irracional, o qual permite a reestruturação da produção a fim de estabelecer a base material e tecnológico para ainda mais outra fase de acumulação. A recuperação, contudo, não é nem automático nem inteiramente endógena. O resultado final dependerá da relação complexa de forças de classe. Como afirma Dobb de forma bastante aguda: "Estudar crises era ipso facto estudar a dinâmica do sistema e este estudo só podia ser empreendido como parte de uma exame das formas de movimento das relações de classe e dos rendimentos de classe, os quais estavam na sua expressão de mercado" (Dobb, 1937:81).

A ascendência do capital financeiro após o longo período de "repressão financeira" durante a era keynesiana do pós-guerra foi um elemento integral de uma estratégia muito mais vasta do estado capitalista para reafirmar a hegemonia do capital através de políticas de reestruturação neoliberal. A persistência do grave excesso de capacidade, contudo, nunca foi plenamente resolvida. Naturalmente, a ejecção forçosa de capacidade supérflua é precisamente o papel funcional desempenhado pelas crises capitalistas para neutralizar uma taxa de lucro em queda e estabelecer a base para uma fase renovada de acumulação. Embora a estratégia de impor a lógica racionalizadora do mercado tenha tido êxito em reverter os ganhos anteriores da classe trabalhadora, a restauração da lucratividade inevitavelmente encontrava os limites estabelecidos pela falta crónica de procura efectiva. Na maior parte dos países capitalistas avançados, as desigualdades de rendimento apenas pioravam ao longo do tempo quando os salários reais estagnavam. A fim de manter o seu poder de compra real frente a salários reais estagnados, os trabalhadores foram obrigados a recorrer mais do que nunca às privações da servidão da dívida. O poder de compra real foi progressivamente aumentado pelos níveis explosivos de dívida habitacional (Barba & Pivetti, 2009: 122). Por outro lado, o efeito riqueza da ascensão dos preços dos activos transformou milhões de trabalhadores comuns em investidores e actuou como um poderoso mecanismo de transmissão na manutenção do poder de compra dos consumidores. Em 1987, 25 por cento das famílias dos EUA tinham uma posição no mercado de acções. No fim da década de 1990, mais da metade das famílias estado-unidenses possuíam acções, tanto directamente como indirectamente através de fundos mútuos (Harmes, 2001). Na verdade, os activos financeiros de fundos mútuos e de pensão cresceram em quase dez vezes desde 1980, estimando-se em cerca de US$20 milhões de milhões (trillion) no fim da década de 1990 (Gilpin, 2000: 32). Na década 1997-2007, os valores imobiliários mais do que duplicaram – de cerca de US$10 milhões de milhões para mais de US$20 milhões de milhões. Os passivos hipotecários elevaram-se ainda mais depressa durante este período – de US$2 milhões de milhões para mais de US$10 milhões de milhões (Wray, 2007: 27). O rácio do preço mediano da habitação para o rendimento mediano familiar aumentou de cerca de 3 para 1 em 2000, o qual reflectia um rácio relativamente estável ao longo das três décadas anteriores, para um rácio historicamente sem precedentes de 5 para 1 em 2006 (Lim, 2008: 2). Na verdade, entre 1995 e 2007, os preços habitacionais subiram mais de 70 por cento em termos reais (ajustados à inflação). Isto representou um adicional de US$8 milhões de milhões gerados pelo efeito riqueza habitacional (Baker, 2007: 2).

Mas estas vitórias neoliberais foram sempre problemáticas e contingentes. À medida que a crise actual se desdobra, torna-se cada vez mais evidente que a transformação neoliberal foi em grande medida auto-derrotante. Quando o estado recupera um papel central em meio às ruínas de instituições financeiras em bancarrota e das tentativas desesperadas do estado para socializar perdas e privatizar lucros, a ideologia neoliberal parece ter perdido toda credibilidade e legitimidade, inclusive do ponto de vista do próprio capital. Pode-se dizer que a crise actual significa o prolongamento final dos restos de um projecto neoliberal desacreditado. O realinhamento de forças de classe sem dúvida determinará como estas complexas lutas ideológicas serão consumadas. A crise também aguçará estes conflitos de classe contraditórios e alimentará forças sociais anti-sistémicas. Uma breve história do neoliberalismo revela os limites da própria ideologia que lhe serve e da sua arrogância distópica. Apesar das vitórias particularmente pírricas sobre o movimento dos trabalhadores e do êxito relativo em restaurar a hegemonia do capital, a estratégia neoliberal não podia resolver os problemas fundamentais da super-acumulação e da estagnação económica. Os sucessivos booms especulativos com o preço de activos e de acções em certa medida contrariam estas tendências estagnacionistas mas acabaram por demonstrar ser ilusório para a massa da população como testemunhou o colapso financeiro. Ao mesmo tempo, as três décadas de luta monetarista contra a inflação deixaram no seu rastro crescimento económico estagnado; níveis crescentes de desemprego estrutural; maior insegurança de empregos e de desigualdades de rendimento; e a re-emergência de forças deflacionárias inextricavelmente associadas à depressão crónica da procura efectiva.

O fracasso básico da estratégia neoliberal foi a fé não fundamentada de que o mecanismo de mercado automaticamente asseguraria que os lucros acrescidos gerados através da redução da fatia salarial no rendimento nacional seriam finalmente canalizados para o investimento produtivo. Em retrospectiva, contudo, a evidência sugere que a restauração da taxa de lucro foi alcançada esmagadoramente através de formas de exploração intensivas ao invés de extensivas, as quais tiveram o efeito geral de aumentar a taxa de produtividade através da reestruturação e racionalização do mercado de trabalho. Consequentemente, as forças purgativas induzidas por uma intensificação da competição fracassaram no relançamento produtivo e no dinamismo tecnológico; ou naquilo a que se referia Schumpeter como as tempestades da "destruição criativa". Ao invés de proporcionar os fundamentos para a reconversão tecnológica e a melhoria industrial, os aumentos drásticos nos lucros agregados foram dissipados em fusões e aquisições corporativas, engenharia financeira especulativa e outras formas de extracção de renda e despesas totalmente improdutivas. Na esteira da desregulamentação financeira do princípio da década de 1980, estas propensões especulativas atingiram proporções verdadeiramente espantosas e levaram a uma série sem precedentes de booms de preços de activos. O ciclo de negócios tornou-se quase inteiramente dependente de bolhas nos preços de activos. A vulnerabilidade real deste regime de acumulação conduzido pelas finanças é que foi baseado sobre o maior boom de acções da história moderna. O boom especulativo da década de 1980 nos Estados Unidos já atingiu o seu zênite. O estouro da bolha financeira está agora a repercutir numa escala global.

O mito do mercado – pintado pelas mais altas sumidades da teoria económica neoclássica como o portador da eficiência distributiva (allocative) e a fonte de dinamismo competitivo e inovador – foi na realidade um dispositivo ideológico para esconder os interesses reais de poderosos oligopólios corporativos. A consolidação do domínio de classe envolveu a redistribuição gradual da riqueza através de cortes fiscais, privatização e desregulamentação, dos receptores de salários comuns para os escalões mais altos de accionistas ricos e seus aliados subalternos da classe corporativa. Sem considerar os encarregados dos seus partidos políticos, o estado neoliberal implacavelmente buscou a visão distópica de um império informal da livre empresa (Arrighi, 1978). A lenga-lenga do comércio livre e do impulso para mercados de trabalho desregulamentados acompanhou estas panacéias neoliberais, enquanto privatizações por atacado proporcionaram um terreno fértil na reprodução expandida do capital para os sectores antigamente de propriedade estatal e regulados (isto é, transportes, educação, serviços públicos, infraestrutura social e serviços, recursos naturais, etc). Estes processos de "acumulação por despojamento" foram retratados por Harvey de forma incisiva: "Se os principais feitos de neoliberalismo foram redistributivos ao invés de produtivos, então é preciso encontrar caminhos para transferir activos e redistribuir riqueza e rendimento da massa da população rumo às classes superiores ou dos países vulneráveis para os mais ricos (isto é, acumulação por despojamento)" (Harvey, 2006: 43).

Financiarização
Nas modernas economias complexas, uma parte grande e crescente de capital dinheiro (isto é, dinheiro investido tendo em vista ganhar mais dinheiro) não é transformado directamente em capital produtivo que sirva como meio através do qual o valor excedente é extraído da utilização produtiva da força de trabalho. Ao invés disso, é utilizado para comprar instrumentos financeiros que rendam juros ou dividendos... A muitos capitalistas é oferecida uma enorme variedade de instrumentos financeiros para escolhe – acções e títulos, certificados de depósito, fundos do mercado monetário, títulos de toda espécie de activos, opções para comprar e vender, contratos futuros e assim por diante. Não há presunção, quem dirá certeza, de que o dinheiro investido em qualquer destes instrumentos chegará, directa ou indirectamente, à formação de capital real. Ele pode muito bem permanecer na forma de capital dinheiro a circular à roda do sector financeiro, alimentando o crescimento de mercados financeiros os quais cada vez mais ganham vida por si próprios. (Magdoff & Sweezy, 1987: 96-97)

O predomínio do capital financeiro foi a força condutora por trás do neoliberalismo. Os poderosos interesses rentistas, que estiveram numa longa hibernação durante a "era dourada" do keynesianismo do pós-guerra, agora assumiram o centro do palco, propagando as doutrinas do "valor do accionista" e das "finanças sadias". O assalto da estagflação nas décadas de 1970 e 1980, em resultado de sucessivos choques no preço do petróleo, testemunhou as ascensão do monetarismo quando os rentistas vociferavam pela restauração do valor dos seus activos financeiros "depredados" pela inflação e pela ameaça apresentada pelo movimento dos trabalhadores ao procurarem aumentar a fatia relativa dos salários. Na verdade, Kalecki já havia previsto os aspectos políticos do pleno emprego no seu artigo seminal de 1943. Kalecki argumentou que o pleno emprego não seria tolerado pelos "capitães de indústria" por causa da ameaça que isto apresentaria para a manutenção da disciplina dos trabalhadores nas fábricas e porque acabaria por enfraquecer o papel desempenhado pelo exército industrial de reserva na compressão dos salários (Kalecki, 1943). A ascensão do monetarismo foi precisamente a panaceia que Kalecki havia assustadoramente previsto, o qual ostensivamente restauraria a lucratividade e o valor para o accionista. A ressurreição de doutrinas económicas pré-keynesianas testemunhou o renascimento da Lei de Say do mercado sob o disfarce moderno da "hipótese dos mercados eficientes". A ideologia destas doutrinas laissez faire foi enfeitada com o dogma dos excedentes orçamentais, o abandono das políticas de pleno emprego e o retrocesso do estado. Na ausência de modos compensatórios de regulação do estado e de governação, o fundamentalismo do mercado inevitavelmente destruiu as instituições keynesianas do pós-guerra e os respectivos modos de regulação (Boyer 1996: 108). A persistência de altos níveis de desemprego, pânicos financeiros mais voláteis e a emergência de super-capacidade semi-permanente caracterizaram a era neoliberal desde meados da década de 1970.

A crise de super-acumulação significa que os mercados tornaram-se saturados e a fim de reinvestir lucrativamente, os mercados financeiros tornaram-se os canais através dos quais uma proporção crescente de capital é mantida e reinvestida na sua forma líquida, enquanto um volume sempre sempre crescente é dedicado quase inteiramente à especulação a curto prazo. Não há dúvida: as sucessivas ondas de financiarização desde meados da década de 1970 foram marcadas por booms e quedas especulativas e predatórias nos preços de activos. A desregulamentação financeira desencadeou estas poderosas forças redistributivas através do despojamento (dispossession). A ascensão totalmente extraordinária do endividamento privado reduziu populações inteiras à escravidão pela dívida (debt peonage) e atraiu milhões para o turbilhão das manias especulativas que emanavam dos casinos do mercado de acções. Trabalhadores comuns eram agora arrastados para este redemoinho dos mercados financeiros quando a sua riqueza, na forma de imóveis e fundos mútuos ou de pensão, era cada vez mais sujeita às vicissitudes destes mercados voláteis. Em suma, a lógica da financiariação penetrou nas vidas de assalariados e inseriu a ideologia do mercado na reprodução das relações sociais capitalistas. Este processo foi reforçado pela ideologia dominante do neoliberalismo, a qual era prosseguida implacavelmente pelo estado neoliberal pois servia para abrir a esfera pública ao investimento e propriedade privadas. Com a redução da intervenção do estado e do investimento público, a privatização e as políticas de desregulamentação gradualmente destruíram as instituições e os regimes de regulação estabelecidos durante a era keynesiana do pós guerra.

A financiarização propagou a doutrina do valor para o accionista (shareholder value), a qual em breve começou a ditar os imperativos da governação corporativa. Ganhos financeiros a curto prazo baseado sobre a maximização de retornos da fatia de mercado logo eclipsaram e finalmente minaram estratégias de investimento a longo prazo. Uma classe empresarial parasita, motivada pelos ganhos especulativos a curto prazo, na forma de opções de acções bónus, tornou-se a nova predadora corporativa. A busca de valor a curto prazo para o accionista muitas vezes era invocada para promover a redução da força de trabalho e a distribuição dos rendimentos retidos aos accionistas (Lapavitsas, 2008: 25-26). Esta estratégia também levou a ondas recorrentes de fusões e aquisições hostis durante os booms de acções das décadas de 1980 e 1990 e finalmente à maciça super-valorização da capitalização de mercado incentivada pelo boom dos preços das acções e sustentada por operações de alavancagem sem precedentes. Todo este processo apoiou e acentuou o boom do mercado de acções da década de 1990 e gerou o enriquecimento ilusório criado por bolhas temporárias nos preços de activos e pelos igualmente alucinatórios efeitos riqueza induzidos pela euforia financeira. Inicialmente conduzida pelos fundos mútuos e de pensão e posteriormente emulados pelos hedge funds mais propensos ao risco, a teologia do valor para o accionista mobilizou e converteu milhões de trabalhadores comuns em accionistas. A ideologia neoliberal por si só não podia ter mobilizado este vasto movimento popular. Como observa Minsky: "Os fundos mútuos e de pensão fizeram a administração de negócios especialmente sensível à valorização corrente das acções da firma. Eles são um ingrediente essencial na acentuação da natureza predatória do actual capitalismo americano" (Minsky, 1996: 363).

Em termos de capitalização do mercado acções, o valor de activos financeiros e do rendimento baseado nas finanças ascendeu dramaticamente desde a era neoliberal. Nos EUA, por exemplo, a capitalização do mercado de acções em percentagem do PIB aumentou da sua média de longo prazo de cerca de 50 por cento durante a era do pós guerra para mais de 128 por cento em 2008 depois de atingir o pico de 185 por cento no zênite da bolha das dot.com em 1999. O rácio dos lucros das instituições financeiras em relação aos lucros das corporações não financeiras ascendeu de cerca de 15 por cento em média nas décadas de 1950 e 1960 para quase 50 por cento em 2001 (Crotty, 2005: 85). Outro indicador do grau de financiarização é o nível da dívida privada ou a dimensão relativa do mercado de crédito dos EUA. Em 1981, por exemplo, o valor do mercado de crédito estado-unidense era estimada em 168 por cento do PIB. Em 2007, este número era de mais de 350 por cento. Ao mesmo tempo, a fatia dos lucros corporativos tais acumulado no sector financeiro expandiu-se de apenas 10 por cento no princípio da década de 1980 para 40 por cento em 2006 (Crotty, 2008: 10). A crescente dependência de grandes corporações da emissão de dívida via mercados financeiros abertos ao invés da tomada de empréstimos junto a bancos comerciais reforçou todo este processo de financiarização. Os bancos comerciais foram portanto privados das suas fontes tradicionais na concessão de empréstimos a corporações e começaram a empenhar-se em operações especulativas directas no imobiliário e nos mercados de acções. A outra nova e grande escapatória para os bancos comerciais foi a saturação dos mercados de crédito habitacional em hipotecas e crédito ao consumidor. Após a desregulamentação financeira, os bancos comerciais também expandiram a sua presença no mercado da mediação financeira através de transacções em títulos, derivativos e assim por diante. A mais espantosa evidência da financiarização foi sem dúvida a elevação astronómica dos contratos de derivativos. O volume do mercado de derivativos só nos EUA elevou-se de cerca de três vezes o PIB global no ano de 1999 para umas estimadas 11 vezes o PIB global em 2007. Os derivativos credit default swaps (CDSs) foram estimados em US$62 milhões de milhões em 2007 (Crotty, 2008: 10). Como observam Bryan e Rafferty:

Nos mercados globais de divisas o movimento diário cresceu 50 vezes desde o princípio da década de 1980 e agora é cerca de US$1,9 milhão de milhões por dia. Dois terços disto é transaccionado em mercados derivativos, com três quartos deste comércio de derivativos (metade do mercado total) constituído por swaps de câmbios estrangeiros. Para colocar este movimento diário de US$1,9 milhão de milhões em perspectiva, o valor anual do comércio internacional é de menos de US$6 milhões de milhões; igual a aproximadamente três dias comerciais nos mercados de câmbios estrangeiros. (Bryan & Rafferty, 2006: 55)

O efeito generalizado do desconectar da intermediação financeira por parte dos bancos comerciais foi tornar todo o sistema bancário mais frágil (Toporowsky, 2008: 9-10). Como advertiu Minsky com bastante presciência, a inovação financeira através do processo de "titularização" ("securitisation") comutou toda a estrutura do sistema financeiro na direcção de um estado de instabilidade crónica e perigosa: "Na titularização, os instrumentos financeiros subjacentes (tais como empréstimos hipotecários para habitação) e os fluxos de caixa que se espera que gerem são as bases aproximadas para a emissão de papel comercial. O rendimento do papel (fluxos de caixa) é substituída pelos lucros ganhos pelos activos reais, rendimentos familiares ou receitas fiscais como a fonte do fluxo de caixa para suportar as promessas dos papeis" (Minksy, 2008: 4). A desregulamentação financeira acelerou este processo minskiano de empurrar o sistema financeiro para uma zona de instabilidade extrema. A revogação nos EUA do Glass-Steagall Act em 1999, o qual havia impedido os bancos comerciais de se envolverem em actividade de banca de investimento, representa um marco histórico nos anais da história financeira recente. Sem dúvida, a eliminação desta legislação, a qual foi posta em vigor em meio ao colapso do sistema bancário estado-unidense na década de 1930, foi o culminar de mais de três décadas de desregulamentação financeira radical. Em retrospectiva, há uma argumentação muito sólida a sugerir que o tumulto financeiro de 2008-09 significa o cataclismo destrutivo final de mais de três décadas de desastrosas políticas económicas neoliberais.

Conclusão
A crise actual revela bastante incisivamente as limitações das teorias neoclássicas existentes do equilíbrio geral e desmascara o mito monetarista da neutralidade da moeda. Muito ironicamente, decisores políticos por todo o mundo têm procurado alguma orientação no renascimento de teorias neo-keynesianas e tentaram reaprender algumas das lições da depressão da década de 1930. Se estas políticas fiscais e monetárias expansionistas a curto prazo serão suficientes para estabilizar o desabamento e reactivar uma recuperação sincronizada ainda está para ser visto. Pela primeira vez em mais de seis décadas, a economia mundial está agora no patamar de um severo período de baixa sincronizado, o qual engolfou os três principais pólos de acumulação no Extremo Oriente, na UE e nos EUA. As únicas questões que permanecem referem-se à severidade da baixa que está a emergir. Por outras palavras, será a dinâmica da dívida-deflação e o excesso de capacidade a caracterizar as economias centrais da Europa, dos Estados Unidos e do Extremo Oriente? Além disso, há uma probabilidade real de que a economia mundial possa resvalar para dentro de outra fase de depressão.

Referências
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[*] Da Universidade de Western Sydney, Austrália, b.lucarelli@uws.edu.au

O original encontra-se em real-world economics review, nº 51, 1 December 2009, pp. 48- 54, http://www.paecon.net/PAEReview/issue51/Lucarelli51.pdf
Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ .
08/Dez/09

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