segunda-feira, 21 de dezembro de 2009
Viver a Anarquia - ANA
Viver a Anarquia.
Na quinta-feira à noite, 1 de outubro, quando faltavam apenas alguns minutos para começar o dia 2 - dia fatídico, símbolo indiscutível da repressão e da barbárie, no México - um companheiro chegado me disse que na parte da manhã, tinha sido preso novamente Alfredo Maria Bonanno. Desta vez na cidade de Trikala, no norte da Grécia.
A prisão ocorreu minutos depois de uma expropriação conseguida numa sucursal bancária no centro da cidade helênica. Com 46,900 Euros no saco, Alfredo e seu parceiro, de idéias e ação, Christos Stratigopoulos, conseguiram fugir da cena de carro; infelizmente, foram interceptados numa barreira policial após enfrentamento com disparos com as autoridades. Acusados de roubo com arma – depois de nove horas de audiência – ambos foram condenados a “prisão preventiva”, sentença que, segundo a legislação grega, pode ir até dezoito meses de prisão.
Alfredo Maria Bonanno, editor responsável das revistas Provocazione e Anarchismo desde a década de oitenta, com mais de vinte volumes e uma infinidade de brochuras a saber [1], sem dúvida, é o mais importante teórico do anarquismo contemporâneo, conhecido no nosso meio pelas suas reflexões à volta do projeto insurrecional e suas aproximações metodológicas. Entre os seus livros destacam-se Poder y Contrapoder, La dimensión anárquica, Teoría y Práctica de la Insurrección, La destrucción necesaria e, Afinidad y organización informal. Igualmente, são de salientar entre a sua ampla produção de brochuras, La tensión anárquica, Otra vuelta de tuerca del capitalismo e El placer armado, esta última proibida na Itália e pelo que o condenaram a 18 meses de prisão, acusado de “apologia à violência e à subversão”.
Voltaria a visitar a prisão em 1989, ao ser detido com seu companheiro Pippo Stasi, Durante uma expropriação frustrada pela polícia a uma joalheria em Bergamo. Desta vez, permaneceria dois anos na prisão ao serem reduzidas todas as condenações por decreto governamental, numa tentativa de nivelar as diferenças na administração da justiça resultante da aplicação do novo Código Penal. Para Alfredo e Pippo, esta foi apenas uma questão de "boa sorte" e uma excelente oportunidade de "voltar à luta”.[2] Em meados de novembro de 1995, desenvolve-se na Itália uma caça às bruxas anti- anarquista. A operação repressiva seria chefiada pelo promotor Antonio Marini e ficaria tristemente conhecida como o "Processo Marini”, transbordando os limites da infâmia. Entre os delírios do Procurador estaria a invenção da ORAI (Organização Revolucionária Anarquista Insurrecional), organização fantasma que iria colocar atrás das grades, em 1996, sessenta e oito anarquistas, incluindo Alfredo Maria Bonnano, acusado de ser o autor intelectual e o ideólogo dessa dita organização . A farsa, supostamente sustentada na brochura de sua autoria "Nueva vuelta de tuerca del capitalismo", na qual, segundo a acusação, é sintetizado o “programa fundacional” da organização rebelde. O "processo Marini" culminaria em 20 de abril de 2004, com a condenação de onze dos companheiros detidos. Bonanno, seria um deles, condenado a seis anos de prisão por “apologia e propaganda subversiva” entre outros “delitos”.
Alfredo, nasceu na cidade de Catania, Sicilia, em 1937. Aos 13 anos teve o seu primeiro encontro com o anarquismo, num movimento totalmente polarizado. Naquela época este estava fortemente dividido entre “puristas” e “revisionistas”. No primeiro grupo, concentra-se a maior parte do anarquismo italiano, organizados dentro da FAI (Federação Anarquista Italiana); o segundo, se constituía à volta da corrente conduzida por Pier Carlo Masini, com rígidas abordagens em prol da “unidade tática”. Esta corrente, designada como “revisionista marxista” era uma divisão no interior da FAI, dirigida por Masini e animada por jovens que provinham mais do antifascismo que do movimento anarquista propriamente dito, alguns deles integrantes de Gioventù Anarchica. Foi nessa época que Pier Carlo Masini, indo a Catania fazer uma palestra apelou à formação de um movimento disciplinado, orientado e federado, que impulsionasse o proletariado e fosse a sua vanguarda; obsequiando os presentes com L’ Impulso [3] a modo de apresentação. Pouco depois, durante o Encontro de Frascati, celebrado em 12 de março de 1950, o grupo de Masini separa-se da FAI, ao não serem admitidos no dito encontro, constituindo-se como os Gruppi Anarchici di Azione Proletaria (GAAP). Todavia, não seria antes de 1953 no “Congresso Nazionale di Civitavecchia” que se produziria a ruptura definitiva entre os gaapistas e a FAI. A partir daí os GAAP perderiam influência e se consumiriam, passando a engrossar diferentes organizações da esquerda autoritária e demostrando as suas verdadeiras intenções. [4]
Perante esta dicotomia tão primária, no interior do especifismo italiano, a maioria dos jovens optaria por desligar-se, separando-se da Gioventù Anarchica. Por não se sentirem identificados com nenhuma das correntes em conflito, viriam a constituir uma miríade de grupos nomeados segundo a região ou cidade a que pertenciam (Milano I, Bologna I, etc.), diferenciando-se assim do GAAP e da FAI. [5] Estes jovens, voltavam o olhar para a história do anarquismo e recorriam a práticas da organização informal e à ação direta, deixando por um lado o “anarquismo de laboratório” (e de salão) da FAI e o bolchevismo “libertário” dos Grupos Anarquistas de Ação Proletária. Sem querer, foi o primeiro passo em direção ao caminho, dezessete anos depois, que conduziria ao abandono do nefasto “anarquismo em transição”. [6]
Retomando as práticas anarquistas, conseqüentes com as suas teorias, a expropriação tornou-se rapidamente o meio ideal para estes núcleos autônomos de jovens que, através da práxis, começavam a difundir o seu ideal. Começaram por se apropriar dos meios necessários para editar as suas publicações e logo em seguida dos materiais para o ataque direto contra o Estado-capital e seus representantes. Assim, alguns desses grupos de afinidade decidiram arrecadar os fundos necessários para a realização do primeiro Campeggio Anarchico Giovanille. Desta forma, entrariam em contato com José Lluis Facerías, que estava refugiado na Itália naquela época sob o pseudônimo de Alberto e que apoiaria com entusiasmo o projeto que, sob o seu impulso, logo se materializaria em "Campeggio Anarchico Internazionale”. Verdade seja dita, embora em teoria fosse assumidamente anarco-sindicalista e defensor da organização centralizada, na prática exigia a expropriação e a ação direta e como método de organização recomendava um grupo mínimo de afinidade. Assim, juntamente com outro companheiro espanhol, forma um grupo de ação integrado por 2 jovens de Gênova e um de Turim, que realiza uma expropriação de sucesso à custa do Banco de Turim. A esta ação seguiram-se inúmeras expropriações ao largo e no interior de toda a bota itálica [referencia à forma do país que parece uma bota] que tornariam possível o primeiro acampamento e os subseqüentes [7]. Sem dúvida estes fatos influenciariam de forma decisiva os jovens anarquistas italianos nos anos cinqüenta, entre eles, Alfredo Maria Bonanno. [8]
Aos 73 anos, com mais de cinqüenta anos dedicados, em pensamento e ação, à Anarquia, Alfredo Maria Bonanno, continua na luta, coerente com a práxis que perfilha e com o seu projeto de vida: VIVER A ANARQUIA. Por isso, em alguns setores "obscuros" dos nossos meios é condenado e, pior, é silenciado. Não há a menor dúvida: Alfredo, é uma ameaça, não só para o clero e o Estado-capital que combates diariamente com unhas e dentes. É também uma ameaça para o “oficialismo libertário" e um flagelo para a reação imobilista que se disfarça com a sua camisa negra no conforto do status quo, apelando à inação e que deposita as suas “esperanças” na evolução eterna e parcimoniosa da Humanidade. Alfredo vive a Anarquia, não a abandona ao laboratório nem - muito menos - a limita ao passado, reduzindo-a à comemoração de efemérides e à leitura passiva dos livros de história.
Hoje, aqui e em todas as partes, urge a SOLIDARIEDADE com Alfredo e Christos. Não a solidariedade puritana das Carmelitas Descalças em Comunhão com a Santa Anarquia, a SOLIDARIEDADE DIRETA com os nossos companheiros de luta, nossos irmãos de idéias. Essa SOLIDARIEDADE DIRETA que faz cair os poderosos e aterroriza os "incluídos". A SOLIDARIEDADE ANÁRQUICA, que estremece o Estado-capital cada vez que se concretiza. Essa SOLIDARIEDADE que nos incentiva a destruir o presente porque os nossos corações habitam o futuro. Demonstremos que deste lado do Atlântico também vivemos a Anarquia!
Gustavo Rodríguez. México, Outubro de 2009
Nota: Os advogados defensores de Alfredo Maria Bonanno, solicitaram às autoridades gregas que lhe seja concedida "prisão domiciliária" por razões de saúde. Neste momento ocorrem jornadas de solidariedade a favor dos companheiros, tanto na Grécia, como na maioria dos países onde se registra presença ativa anarquista. Foi também criado um Fundo de Solidariedade para com Alfredo e Christos, que pode ser contatado através do endereço de email: smolikas2@gmail.gr
Ensaios de Alfredo María Bonanno traduzidos em castelhano:
• Autogestión. Campo Abierto Ediciones. Madrid, 1977.
• Anarquismo y elecciones. Editorial Síntesis. Barcelona. 1979
• No podréis pararnos. La lucha anarquista revolucionaria en Italia. (Seleção de textos). Ediciones Conspiración e Editorial Klinamen. Barcelona, 2005.
• El placer armado
• La tensión anarquista
• Enfermedad y capital
• Movimiento ficticio y movimiento real
• Destruyamos el trabajo
• Unas breves notas sobre Sacco y Vanzetti
• Nueva vuelta de tuerca del capitalismo
• El proyecto insurreccional
• Crítica a los Métodos Sindicales
• Por una Internacional Antiautoritaria Insurreccionalista
No podréis pararnos. La lucha anarquista revolucionaria en Italia. (Seleção de textos). Ediciones Conspiración y Editorial Klinamen. Encontra-se disponível em formato PDFem: http://www.editorialklinamen.org/archivos/libros/nopodreis.pdf
Textos em inglês em:
http://theanarchistlibrary.org/category/collaborative-tagging/alfredo-m-bonanno
Todos os seus livros, folhetos e artigos, em italiano, em: www.edizionianarchismo.net
Alguns dos seus textos também foram traduzidos para o alemão, croata, francês, grego e russo.
[1] A sua obra consta de vinte e três livros editados e seis em preparação, além de dezoito folhetos impressos, que em conjunto com os seus textos, versam a Anarquia, o poder, a religião e a autonomia individual, entre outros temas. Em particular, faz-se ênfase no projeto insurreccional anárquico e sua metodología.
[2] Vid, carta de Alfredo Bonanno e Pippo Stasi, no final da condenação. Disponível em: http://alphabetthreat.co.uk/elephanteditions/provocazione/textarticles/gladtoseeyou.txt
[3] L’Impulso, começou a ser publicado em setembro de 1949, como Órgão do Comité Inter-regional para um movimento orientado e federado. Vid, Téllez, Antonio. A guerrilha urbana I. Facerías, págs. 273-275. Ruedo Ibérico Ediciones, París, 1974.
[4] O seu máximo líder, Pier Carlo Masini, passou-se para as filas do Partido Comunista Italiano. L’Impulso: publicou-se até abril de 1957, quando o GAAP se fundiu definitivamente com o “Movimento da Siniestra Comunista” que tinha o seu próprio órgão oficial “Azione Comunista”. Ibidem. p. 274.
[5] Id.
[6] Quando falamos de anarquismos “clássico”, “de transição” e “pos-clássico”, Trata-se de oferecer uma idéia de sequência temporal, a partir das teorias desenvolvidas por Rafael Spósito (Daniel Barret), absolutamente necessárias na hora de analizar o desenvolvimento do anarquismo, sem que isso implique, como aponta Spósito, que o assunto se esgote -nem muito menos- a compreensão dos seus meandros teóricos e ideológicos.
[7] Téllez, A, Op cit. p. 279.
[8] Bonanno, Alfredo María, A mano armata, Pensiero e Azione -14, Edizioni Anarchismo, Trieste. 2009.
Tradução > Liberdade à Solta
agência de notícias anarquistas-ana
vento apressado
por que não senta aqui
do meu lado
Alexandre Brito
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