A Bienal, os pichadores e as práticas do capitalismo
A iniciativa expressa a típica prática do capitalismo que a Bienal representa: assimilar tudo aquilo que o combate, transformando isso em mercadoria. Por Bruno Baader.
Está acontecendo a 29ª Bienal de São Paulo. O evento conta com diversas obras de inúmeros artistas, dos mais variados ramos da arte. No entanto, a luz do tempo não afastou a sombra da polêmica da última Bienal, quando pichadores, revoltados com a “exposição do vazio”, invadiram o evento com latas de spray e picharam as paredes e vidros do salão, localizado no Parque do Ibirapuera. Naquela ocasião, os pichadores foram perseguidos e acabaram sendo vítimas da truculência dos seguranças do evento. Dois dos pichadores foram presos.Mas a arte, assim como a vida, é dinâmica e o capitalismo – muito bem representado pelo elitismo de eventos culturais como as Bienais – também. A 29ª Bienal, com o tema “Há sempre um copo de mar para o homem navegar”, tenta apagar da memória coletiva os estigmas de repressão da 28ª Bienal e abre espaço justamente para os algozes de outrora: os pichadores. O evento, este ano, conta com um mural onde estão expostas algumas pichações que também podem ser encontradas nas ruas de São Paulo. Além disso, o visitante pode assistir a diversos vídeos de variadas ações dos pichadores – entre elas, a invasão da 28ª Bienal – em televisões de LCD penduradas, imitando quadros.
O espaço aberto (ou conquistado?), à primeira vista, pode ser visto como algo positivo, uma vez que isso pode ser uma tentativa de transformação da arte popular em arte reconhecida. No entanto, a iniciativa, na verdade, expressa a típica prática do capitalismo que a Bienal muito bem representa: assimilar tudo aquilo que o combate, transformando isso em mercadoria.A pichação é arte. Arte marginal não é menos arte que “outras artes”. Da mesma forma que os Renascentistas eram vítimas de perseguição por questionar os dogmas de sua época (dogmas religiosos que defendiam o tabu em relação à forma humana), os pichadores o são por questionarem os dogmas de nossa época (dogmas burgueses que defendem a soberania da propriedade privada), ainda que não recorram a um discurso organizado para expressar esse questionamento de forma consciente. Apesar da perseguição e da criminalização, a pichação é mais parte do cotidiano das pessoas do que qualquer outra arte visual estática e pode ser muito melhor degustada por quem está se dirigindo à Bienal do que por quem lá está. Basta olhar para os prédios, muros, viadutos e outras “telas urbanas” disponíveis democraticamente a céu aberto, de graça para todos.Além disso, quem degusta a pichação na Bienal degusta uma arte “menos artística” – se é que é possível fazer uma hierarquização da arte – porque as pichações presentes nos murais da Bienal não contaram com a acrobacia comum a quem busca o pintar no impossível. Não contam com o questionamento recorrente entre transeuntes: “Como conseguiram escrever ali!?”. Não contam com a essência da pichação, que é o já citado questionamento à soberania da propriedade privada. Enfim, a pichação legalizada presente na 29ª Bienal é arte, mas uma arte despida de sua essência, uma arte sem porquês, que revela seu potencial de mercadoria.
Por outro lado, os intelectuais que freqüentam a Bienal podem se portar com a pompa de uma aristocracia liberal e defensora dos princípios democráticos. José Jobson, em um artigo sobre o livro Senhores e Caçadores do historiador Edward Thompson, defende que a elite e suas leis têm que parecer justas e algumas vezes até sê-lo para serem respeitadas e manter seu domínio sobre os outros. Essa é a tentativa da elite organizadora, patrocinadora, colaboradora e freqüentadora da Bienal, mostrando para todos o quão tolerante pode ser e, de quebra, se defendendo do maior risco à hegemonia da arte burguesa e elitista: a invasão do salão (o mundo da aristocracia contemporânea) pelas ruas.
Fonte: http://passapalavra.info/
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