Jello Biafra and the Guantanamo School of Medicine A história de Jello Biafra se confunde com a própria história da música punk e dos princípios do faça você mesmo. Esta semana a América do Sul recebe sua visita pela segunda vez. A turnê passa por Chile, Argentina e no Brasil estão confirmadas duas apresentações em São Paulo além de Brasília e Rio de Janeiro.
JELLO BIAFRA & TGSOM
Por Eduardo Abreu
Fotos Elizabeth Sloan
Após mais de três décadas em que o punk resgatou a simplicidade do rock’n’roll, reinventou a rebeldia e subdividiu-se em diversas correntes, poucos são os protagonistas originais que permanecem relevantes.
Jello Biafra, 52 anos de idade, é o maior deles. Inteligente, ácido, politizado. Liderou uma das mais influentes bandas do gênero, fundou um selo que lançou mais de 400 álbuns, proferiu palestras, militou na política, gravou discos de “spoken word” e assinou discos com gente do naipe de Al Jourgensen, D.O.A., Nomeansno, The Melvins e até o country freak Mojo Nixon.
A integridade de Jello e sua obra de alto impacto dão um significado adulto ao que se denomina punk. A capacidade de se reinventar, sendo o cronista ácido de sempre, esmaece o revisionismo dos punks da primeira geração e passa a limpo a apropriação indébita do termo pelos oportunistas de hoje.
Após 18 anos, Jello Biafra volta ao Brasil. A primeira visita deu-se por conta do lançamento do livro Barulho, de André Barcinski, e rendeu duas performances tão rápidas quanto históricas. A primeira em São Paulo, no extinto Aeroanta, ao lado de RDP e Sepultura. A segunda no Rio, onde realizou uma jam com o power combo francês Mano Negra, liderado pelo futuro trovador global Manu Chao.
Nesse fim de semana, Jello desembarca por aqui com sua primeira banda fixa desde o fim dos Dead Kennedys – no já longíquo ano de 1986. A Guantanamo School of Medicine é uma banda de alto calibre e com a qual o vocalista gravou o exuberante e poderoso The Audicity of Hype.
Dentro do devido contexto, os shows que nos aguardam têm a carga de importância para serem lembrados por muitos anos.
A Rock Press, por intermédio da Highlight Sounds e Alternative Tentacles, conversou com exclusividade com Jello Biafra alguns dias antes de sua viagem para o Brasil.
De sua casa, em San Francisco, Biafra conversou com nossa reportagem por aproximadamente 40 minutos. A qualidade da ligação oscilou entre o ruim e o péssimo, ainda que, com a boa vontade de Jello, tenhamos feito nada menos que três telefonemas para tentar sanar o problema.
O que você lê a seguir é a transcrição da espinha dorsal dessa conversa com um artista e pensador que possui, de fato, o dom da palavra.
Mas nossa equipe já está providenciando uma correção digital no áudio original da entrevista para que possamos, em breve, publicar o papo na íntegra e com a transcrição ipsis litteris como exige, e merece, o entrevistado.
Alô, Jello?
Sim.
Você me ouve bem?
Ouço, sim. Você está gravando?
Estou. À moda antiga, com mini-cassette.
Ah!
Para começar, eu queria saber o que te motivou a começar uma nova banda neste momento da sua vida. Há muito tempo as pessoas esperavam por isso, que você estivesse na estrada com música nova e uma banda fixa.
Acho que o melhor jeito de responder essa pergunta é através do material de imprensa que enviamos e que tem um longa explicação sobre isso…
Eu li, podemos citar a resposta de lá, mas, na verdade, gostaria de saber o que se passava no seu coração quando decidiu montar uma nova banda.
Tudo bem. Eu sempre quis começar uma nova banda depois de tantos projetos, spokens words, atividades políticas. E, na verdade, isso só aumentou após o episódio horrível com os ex-integrantes do Dead Kennedys.
Li certa vez que você não toca nenhum instrumento e que “canta” os riffs de guitarra e outros arranjos e depois os mostra para que os músicos reproduzam suas idéias. É assim mesmo? Já houve alguma ocasião em que foi difícil fazer a transição do que estava em sua cabeça?
Na verdade, eu não gravo para mostrar depois. Eu faço isso junto com os músicos. E sempre há ocasiões em que adaptamos de acordo com o que vai sendo feito. Às vezes criamos uma parte da música com esse método e a outra parte compomos separadamente. Com o Guantanamo, especialmente, há muitas idéias que vieram do resto da banda. Mas fizemos muito isso com o Lard em The Power of Lard, 70’s Rock Must Die. O Al chegava com uma nova parte e acabávamos misturando com a ideia original. E algumas coisas que não se encaixavam, ele acabava eventualmente usando no Ministry e no Revolting Cocks. Acho que o Mike Patton também usa esse processo. Imagine fazer isso com o Fantômas…
Você citou o 70’s Rock Must Die e a faixa-título desse EP confundiu algumas pessoas. A paródia que vocês fizeram com o rock dos anos 70 é tão bem grudenta que, no fim das contas, não dá pra saber se é uma homenagem ou, como se imagina, uma tiração de sarro. Como o público reagiu?
Não era uma homenagem, claro, mas foi idéia do Al Jourgensen que eu cantasse num tom mais alto, aquele “aahh” (canta). E algumas pessoas disseram: “O que aconteceu com você? Está cantando como o Led Zeppelin?! Qual é o problema?!”. Elas não sacaram.
Como se fosse sua imitação de Robert Plant…
Hahaha!
Você esteve no Brasil há 18 anos. O que espera reencontrar por aqui, especialmente agora, após esses 8 anos da administração Lula?
Não sei se será possível para mim notar a diferença, pois faz muito tempo que estive aí. As lembranças já não são tão nítidas assim. Em turnê você acaba vendo prédios, avenidas, como foi em São Paulo.
Você tem alguma observação sobre o crescimento da esquerda na América do Sul?
Tudo que eu sei é que parece estar melhor do que estava antes. A expectativa pelo trabalho do Lula foi mais ou menos o que aconteceu com o Obama. Não vou dizer que sei tanto assim sobre os resultados, porque estou distante do dia-a-dia, mas vejo que o Brasil se alinhou comercialmente com um grupo de países, como China, Índia e outros. E agora pode tomar certas decisões por si mesmo sem tanta interferência da OMC. Dane-se isso! E eu gosto dessa postura.
Ouvi dizer que quando você esteve aqui em 1992, não estava imaginando que iria ter que se apresentar ao vivo. Estive presente e me recordo de ver Paul Barker, baixista do Lard e Ministry, vendo o show encostado no amplificador. Mas você cantou 3 músicas. O que, de fato, aconteceu?
O autor de um livro, que veio aos EUA e entrevistou o Ministry e o Cramps, me convidou para ir ao Brasil no lançamento para autografar alguns exemplares. E que me levaria na Amazônia e outras coisas mais. Mas não foi nada disso que aconteceu e…
…e você foi pego de surpresa descobrindo que todos estavam esperando que você se apresentasse?
Totalmente! Mas ainda acabei indo ao Rio de Janeiro, pois justamente naquela época estava acontecendo aquele evento ambiental, Rio Summit, não se como se chama no Brasil…
Foi a ECO92.
Certo, ECO92. E lá estavam todas aquelas autoridades importantes. Achei que eu deveria participar. Me lembro que voei no mesmo avião de vários deles. As coisas que ouvi na época, sobre as corporações pegarem o gene de um animal e usarem para que o quisessem me levou a escrever “Biotech is Godzilla” que o Sepultura acabou gravando.
E você teve também a oportunidade de fazer uma jam com o Mano Negra. Eles incluíram isso em um DVD duplo chamado “Out of Time”, você chegou a ver?
Não tenho DVD, só videocassete. Nos EUA temos essa questão de região e não dá para ver os DVDs europeus e de outros lugares. Então, nunca vi.
Como dono de uma das gravadores mais conhecidas no meio independente, como você vê a ascensão da música digital? Você acredita que o formato físico do disco vai desaparecer mesmo em alguns anos?
Acho que o disco nunca vai acabar. Muita gente gosta de ter um disco original, de manuseá-lo. Até mesmo o vinil nos EUA está vendendo mais agora do que há alguns anos. Já perdi muito dinheiro com a Alternative Tentacles. Mas veja quantos álbuns já lançamos. Não vou desistir de um sonho agora, depois de tudo.
Eu fiz uma pergunta a Ian MacKaye em 1994 e que gostaria de atualizar para você. Qual a sua opinião sobre o que alguns de seus contemporâneos do punk estão fazendo hoje, como Shawn Stern, Henry Rollins, Joey Shithead e o próprio Ian MacKaye?
Não sei se posso responder essa pergunta. A melhor forma de falar sobre isso seria encontrando alguns deles e falando olho no olho o que eu penso. Porque punk pra mim sempre foi um espírito. Ter uma visão política do mundo, tentar lidar com a sociedade e mudá-la. Não é uma forma de entretenimento e muitos tentarem transformar o punk em puro entretenimento. Por isso eu acho que existem punks não só na música, mas na literatura, nas artes. O Winston Smith, que fez muitas ilustrações para o Dead Kennedys, é um dos caras mais punk que eu conheço e não é exatamente um punk no sentido tradicional, mas seu estilo de vida é.
Falando dos fundadores, uma vez, nos anos 90, vi uma foto sua na revista B-Side, ou talvez tenha sido na Option, com Bob Mould e John Lydon. Com foi conhecê-lo pessoalmente? Os Sex Pistols tiveram um grande impacto em você?
Tiveram algum impacto, sim, mas não diria que foi um grande impacto. Conhecê-lo foi meio como encontrar com a minha tia ou a minha avó (risos). Foi a única vez que o vi e não temos nada em comum. Ele não compartilha das minhas opiniões políticas e vive em um mundo totalmente diferente.
Bom, ele andou fazendo até propagandas de TV. Aliás, como você vê essa apropriação do punk pela publicidade?
Você deve saber que o processo movido contra mim pelos ex-Dead Kennedys começou pela minha recusa em liberar “Holiday in Cambodia” para um comercial da Levi’s, então dá pra imaginar o que eu penso disso. Acho que essas músicas não foram criadas para serem usadas com tal finalidade. Acho que é pura ganância. Quando vejo algumas de minhas músicas favoritas usadas na publicidade, fico mal.
Imagino então o que você sentiu ao ver “Search & Destroy”, dos Stooges, em um comercial de TV…
Fiquei mal fisicamente. Com dor no estômago e tudo. Essa música significa muito pra mim e vê-la usada naquele contexto (pela Nike) foi deprimente. Por isso que não aceitei essas condições, ao contrário dos ex-integrantes do Dead Kennedys.
E eles, após tirarem o catálogo da Alternative Tentacles e fundarem a Manifesto Records, fizeram mais alguma coisa? Ou voltaram para suas aposentadorias?
Na verdade, eles não fundaram a Manifesto. A Manifesto já existia. Pertence a uma família de Los Angeles que já lançou Tom Waits, The Wedding Present e outros. E agora eles estão com o catálogo do Dead Kennedys.
Sendo um ávido colecionador de discos, dá pra dizer quais os 5 discos da sua coleção que mais influenciaram seu gosto musical?
Hahaha! Só cinco discos? (risos)
Eu sei, é uma pergunta complicada…
Olha, eu ouvi tanta coisa e fui influenciado por tanta coisa que precisaria citar os 5 mil discos que moldaram meu gosto. Mas tenho coisas que inclusive adquiri no Brasil e de que gosto muito, como o Módulo 1000.
Sei que seu tempo é curto, então vamos ao ponto: o que o público brasileiro pode esperar do show de Jello Biafra & The Guantanamo School of Medicine? Eu li que você até pensou em tocar um pouco de cada um de seus projetos, mas que o show corria o risco de durar tres horas, como os do Grateful Dead…
Está mais pra oito horas… (risos)
Então, você desistiu de incorporar esse material? Seria sensacional…
Sim, vamos apresentar principalmente músicas do novo álbum e alguma coisa dos Dead Kennedys também. Sei que muita gente não tem paciência pra ouvir material mais recente e fica esperando só os clássicos, mas o show será basicamente com esse repertório.
Tenho certeza que o público vai gostar, “Audicity of Hype” é uma das mehores coisas que você já gravou. Jello, obrigado pela gentileza de nos atender. Nos vemos no Brasil.
Obrigado. Sim, nos vemos no Brasil.
myspace.com/jellobiafraandthegsm
Fotos do show do Hangar 110 retiradas de algum lugar da grande rede!
Fonte: http://www.portalrockpress.com.br
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