quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010
Europa ocidental e Rússia – uma aproximação - Por Immanuel Wallerstein
Europa ocidental e Rússia – uma aproximação
Immanuel Wallerstein; 1 de Dezembro de 2009
O lento processo de criar uma aliança geopolítica duradoura entre a Europa ocidental e a Rússia tem uma longa história, que está a amadurecer lentamente.
As suas origens remontam à visita do presidente Charles De Gaulle à União Soviética em 1944, quando assinou o tratado franco-soviético de Aliança e Mútua Assistência. Era uma forma de reafirmar a centralidade da França na política europeia e tomar distância dos seus de certa forma relutantes aliados, os Estados Unidos e a Grã-Bretanha. Para De Gaulle, os interesses geopolíticos sobrepunham-se às diferenças ideológicas.
O momento crucial seguinte foi a adopção da chamada Ostpolitik pelo chanceler social-democrata alemão-ocidental Willy Brandt, depois da sua chegada ao poder em 1969. A nova política envolvia uma détente diplomática com a União Soviética (assim como a abertura de comunicações com a Alemanha Oriental).
O terceiro momento crucial foi o grande debate no final dos anos 70 e nos anos 80 sobre a construção de um gasoduto da União Soviética para a Europa ocidental, que era apoiado pela Alemanha, pela França, e mesmo pela Grã-Bretanha da senhora Thatcher.
O quarto momento crucial foi a proclamação pelo primeiro-ministro soviético Mikhail Gorbachev em 1987 da necessidade de construir «uma casa comum europeia».
O que foi comum a esses quatro movimentos foi terem sido vistos pelos Estados Unidos como no mínimo propostas dúbias ou, pior, iniciativas que prejudicavam potencialmente os interesses globais norte-americanos.
Depois do colapso da União Soviética, a Rússia de Bóris Yeltsin pôs estas ideias todas de lado, dando prioridade a desenvolver relações próximas com os Estados Unidos. Os regimes pós-comunistas na Europa central-oriental ficaram aliviados pela redução de sinais de relações mais próximas entre a Europa ocidental e a Rússia.
Contudo, quando Vladimir Putin sucedeu a Yeltsin, a política russa reverteu para uma busca de relações mais próximas com a Europa ocidental, e com a França e a Alemanha em particular. Esta mudança pareceu realizar-se em Fevereiro de 2003, quando os três países deram as mãos para derrotar a tentativa dos Estados Unidos e da Grã-Bretanha de conseguir o apoio do Conselho de Segurança da ONU à invasão do Iraque prestes a ocorrer. Dessa vez, os Estados Unidos definiram abertamente esta colaboração como hostil aos interesses globais norte-americanos.
Desde então, e de certa forma sob o radar do mundo, estas relações continuaram a avançar, apesar da permanente hostilidade dos EUA e do medo geral e da oposição dos governos dos outrora estados-satélite da Europa oriental-central.
Putin continua a usar o mecanismo de um dos seus maiores trunfos, as exportações russas de gás natural, como forma de consolidar estas relações. O debate desde os anos 90 tem sido sobre a rota dos novos gasodutos da Rússia e da Ásia central para a Europa.
Os russos defendem as rotas conhecidas como a Corrente Norte e a Corrente Sul. O gasoduto da Corrente Norte sairia da Rússia pelo Mar Báltico para a Alemanha, evitando a Ucrânia, a Bielorússia, a Polónia e os estados bálticos.
A Corrente Sul sairia da Rússia via Mar Negro para a Bulgária, dividindo-se depois em dois ramais, um para noroeste via Sérvia, Hungria e Eslovénia para a Áustria, e outro para sudoeste, via Grécia e o Adriático, para a Itália.
Os Estados Unidos têm feito pressão a favor de um terceiro projecto de gasoduto chamado Nabucco, que procura evitar a Rússia obtendo o gás do Turquemenistão. Atravessaria o Mar Cáspio para o Azerbaijão, continuaria pela Geórgia, Turquia, Bulgária, Roménia, Hungria até à Áustria e daí para a Alemanha e a República Checa. Mas como o abastecimento de gás do Turquemenistão é limitado, o gás acabaria por ter de vir da Rússia, o que diminui a utilidade geopolítica do Nabucco.
Em qualquer caso, no que o Le Monde chamou de «jogada de mestre», Putin veio a Paris no final de Novembro para selar um acordo com a França para trabalharem juntos no sentido de concluir a construção de ambos os gasodutos da Corrente Norte e da Corrente Sul. Uma figura francesa-chave, o CEO da GDF Suez, Gérard Mestrallet, disse que a «Rússia é um parceiro indispensável, para o futuro e para a Europa». O presidente da França, Nicolas Sarkozy, apelou a «um espaço de segurança comum» entre a Europa e a Rússia. Este é o mesmo Sarkozy que é saudado em Washington como o mais pró-americano presidente francês desde 1945. Mais uma vez, os interesses geopolíticos sobrepõem-se às diferenças ideológicas.
Os estados europeus centrais-orientais provavelmente irão alinhar, descontentes e temerosos. Mas a realidade geopolítica é que os Estados Unidos pouco podem agora fazer para atrasar a grande aliança em formação.
Fonte: http://infoalternativa.org/
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