sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010

Lembrar Gaza - Por Alan Stoleroff


Lembrar Gaza

Este é o texto da intervenção proferida pelo autor na concentração de solidariedade com Gaza, realizada em Lisboa no passado dia 18 de Janeiro, um ano após o mais recente massacre. “No Haiti tratou-se de um sismo, um evento natural. No caso de Gaza, o desastre humanitário foi e é um acto de homens.” Por Alan Stoleroff

Hoje assinalamos a passagem de um ano após o fim do massacre da operação Chumbo Fundido e a retirada das tropas de Israel para as linhas externas do cerco de Gaza.
Desde então Israel tem apertado o cerco a Gaza. Apesar dos bilhões de dólares prometidos pela comunidade internacional para a sua reconstrução, Israel nem sequer deixa entrar cimento em Gaza. A pouca reconstrução que está em curso procede com base em materiais reciclados dos escombros! Mas a situação de Gaza em termos humanitários, sobretudo em termos da saúde pública, mantém-se calamitosa. É um desastre produzido deliberadamente como estratégia de Israel.

Como é possível que ao longo do último ano, face a uma situação que a Amnistia Internacional apelou de “castigo colectivo”, nada de efectivo tenha sido feito para acabar com o cerco a Gaza, nem acabá-lo, nem sequer aliviá-lo? É triste, demasiadamente triste, mas vale a pena comparar a resposta da comunidade internacional ao desastre humanitário trágico mas natural que resultou do sismo no Haiti na semana passada à resposta da comunidade internacional ao massacre humanitário que resultou dos bombardeamentos de Gaza de há um ano: não é por causa da diferença de escala dos dois desastres que as respostas têm sido muito diferentes. No caso do Haiti, verifica-se uma consciência da evidência da necessidade de agir, a rapidez e a amplitude da acção. É louvável e demonstra a capacidade real que a comunidade internacional tem quando existe um sentido de obrigação moral e humanitária. Mas no Haiti tratou-se de um sismo, um evento natural. No caso de Gaza, o desastre humanitário foi e é um acto de homens; trata-se de uma barbaridade, de um acto desumano resultante de decisões políticas do Governo do Estado de Israel.

Uma mentalidade criminosa, uma política de genocídio
E como deveremos entender e encarar essa política de Israel? Trata-se de uma política de esmagamento do povo palestiniano de Gaza, uma demonstração da sua capacidade dissuasora que serve de lição para o povo palestiniano e para todos os povos da região. É a política intencional e estratégica do uso de força desproporcional. É para dizer aos palestinianos e aos libaneses e aos sírios: “Se me incomodarem minimamente com a vossa resistência aos meus desígnios, eu desfaço-os; se me picarem com um mosquito, eu envio um F-16 com bombas de duas toneladas. Se me enervarem com rockets e bombinhas, lanço fósforo branco sobre as vossas cidades!” É a ideia que ouvimos vezes sem fim da parte dos Israelitas, a ideia de que “os Árabes só entendem a força”! Israel simplesmente não acredita na possibilidade de relações normais com os povos vizinhos a não ser como resultado de submissão após a demonstração da sua superioridade e invencibilidade. É por isso que vimos o uso de fósforo branco em Gaza e de bombas de fragmentação no sul de Líbano no verão de 2006; é por isso que se destruiu quase toda a infra-estrutura e indústria de Gaza e que se bombardeou quarteirões inteiros de Beirute! É uma perspectiva militar e política baseada no pressuposto de que será só com o cometimento de barbaridades que os palestinianos e os árabes receberão a mensagem da dominação de Israel. Trata-se de uma mentalidade criminosa, mas também de uma política que tem sido tratada com impunidade e apoiada pelos Estados Unidos, com a sua ajuda militar, financeira e logística.

Estamos perante uma política de destruição de um povo, um genocídio em curso. E porque é que o mundo permite que esta situação se produza e se mantenha? É o resultado da demonização dos árabes em geral e dos palestinianos em particular. Apontando o dedo aos fundamentalistas islâmicos do Hamas, o ocidente e a propaganda israelita têm diabolizado o povo palestiniano de Gaza devido à sua resistência a Israel. Mas é este Hamas que representa fielmente uma grande proporção da população palestiniana, que foi escolhido pelo povo em eleições que Jimmy Carter chamou de “honestas e livres” e que muitos outros têm reconhecido como as eleições mais democráticas de sempre no Médio Oriente! O povo palestiniano de Gaza tem sido cercado e deixado à fome porque ousou escolher os islamistas do Hamas em eleições livres! E o cerco tem sido apertado ao longo dos últimos dois anos e meio porque o Hamas reagiu a uma tentativa de golpe em Gaza e tomou o poder. Todo o povo de Gaza é diabolizado por causa de rockets que caem sobre o sul de Israel. Mas de facto, durante a trégua entre o Hamas e Israel, durante 6 meses, quase nenhum rocket foi lançado de Gaza.

Mas sabemos que durante as tréguas, Israel não cumpriu a sua parte e não aliviou o cerco de Gaza, e sabemos que foi no dia 4 de Novembro de 2008, o grande dia da vitória eleitoral de Obama nos Estado Unidos, que Israel deliberadamente rompeu as tréguas atacando e matando militantes do Hamas, prometendo um Armagedão se houvesse uma resposta do Hamas.

Portanto a demonização do povo palestiniano de Gaza é o produto de propaganda eficaz e da mentira. E com base nestas mentiras, o mundo liderado pelos Estados Unidos deixa impune uma Israel que, nas palavras da Amnistia Internacional, comete um “castigo colectivo” sobre todo o povo de Gaza.

A destruição do povo palestiniano de Gaza continua e ultimamente temos ouvido de novo ameaças da parte de Israel para repetir os ataques sobre Gaza.

Não só temos que evitar novos ataques, temos que pôr um fim a este genocídio de Gaza, este genocídio que tem procedido a ritmo intermitente, começando com o desenraizamento do povo como táctica de guerra em 1947 e continuando com actos de repressão violenta em 1958, 1967, durante a primeira Intifada, com incursões rotineiras durante o “Processo de Paz”, com bombardeamentos contínuos após a segunda Intifada e sobretudo com o bloqueio e cerco desde então.

Bem antes da operação Chumbo Fundido, Sara Roy, economista de Harvard, tinha alertado para a destruição da economia de Gaza e Mary Robinson, a Alta Comissária para os Direitos Humanos das Nações Unidas, tinha falado na “destruição de toda a civilização de Gaza”. A operação Chumbo Fundido foi a culminação da política de genocídio com a sua destruição e com os 1.400 mortos, 313 dos quais crianças.

O genocídio pode ser parado - o Relatório Goldstone
Temos que lembrar Gaza! Temos que lembrar que o genocídio pode ser parado, o povo de Gaza pode ser liberto da sua prisão e que as portas desse campo de concentração podem ser abertas.

Perante o direito internacional o cerco de Gaza é ilegal. Temos que pressionar os governos da União Europeia para romper com a política de Israel e dos Estados Unidos e exigir que o direito internacional seja aplicado para acabar com o cerco a Gaza.

Ao longo deste ano houve um momento decisivo nesta luta pela aplicação do direito internacional com a publicação do Relatório Goldstone que imputou graves crimes de guerra e crimes contra a Humanidade contra Israel durante a Operação Chumbo Fundido. O Relatório concluiu que o Estado de Israel, as suas Forças Armadas e o seu Governo tem vindo a cometer graves crimes contra a Humanidade pelo castigo colectivo deliberadamente concebido e imposto sobre o povo palestiano com o bloqueio de Gaza.

Sabemos o que foi a história do Relatório Goldstone. É a altura de pedir sanções contra o Estado de Israel. Como no Reino Unido, deveríamos lutar pela aplicação da jurisdição universal em Portugal e nos restantes países da União Europeia para que nenhum criminoso de guerra das forças armadas de Israel ou do seu governo pudesse entrar no espaço do nosso país ou da Europa sem ser preso!

Neste aniversário do fim da Operação Chumbo Fundido, temos que lembrar Gaza. Aqui neste Largo de São Domingos, com todo o seu significado, vamos evocar os mortos e a destruição mas temos que redobrar os nossos esforços para romper o cerca de Gaza, para acabar com o cerco de Gaza.

O cerco de Gaza é uma frente da longa ocupação dos territórios palestinianos tomados por Israel em 1967. Temos, aqui em Portugal, de contribuir para a luta internacional de solidariedade com a Palestina para acabar com a ocupação. Há muitas maneiras de fazer isso e todas as organizações e personalidades que apoiam esta iniciativa para Gaza, estão a desenvolver esforços a favor da solidariedade com o povo palestiniano. Mas se quisermos ter um impacto real, temos, em conjunto, de encontrar uma linguagem e produzir as mensagens compreensíveis para o povo português para trazer a questão da ocupação israelita e dos direitos dos palestinianos para a opinião pública portuguesa, para tirar esta luta justa da marginalidade.

Temos que sair da marginalidade com mensagens e acções que sejam realistas e à altura do momento, temos que entender que existe um consenso internacional com respeito ao conflito e que os impedimentos para o progresso na aplicação das soluções são identificáveis e susceptíveis à pressão da opinião pública. Trata-se da política dos Estados Unidos em primeiro lugar e da dependência da política da União Europeia em relação aos Estados Unidos. Em certa medida temos vindo a assistir na Europa a um enfraquecimento da hegemonia desta política dos Estados Unidos. Vimos, por exemplo, como Portugal votou a favor do Relatório Goldstone na Assembleia Geral das Nações Unidas. Isto foi sinal de uma evolução importante em relação à subordinação da nossa política à política de Bush e Blair na altura do governo de Durão Barroso. Temos que sair do isolamento e ter uma influência na política portuguesa para assegurar um progresso contínuo no tratamento da questão da ocupação israelita e os direitos do povo palestiniano. Temos que aproveitar todas as plataformas que nos permitam transmitir claramente a mensagem de que é a obrigação da política portuguesa pautar-se pela aplicação do direito internacional ao caso da ocupação israelita e para o direito de auto-determinação do povo palestiniano.

A Iniciativa Lembrar Gaza é mais um passo na construção de um movimento de opinião e de acção nesse sentido. É uma iniciativa que juntou uma grande diversidade de organizações e de indivíduos. É uma iniciativa que tem o patrocínio de partidos políticos com assento no Parlamento, os quais têm o dever e a vontade de levar estas questões para o centro do debate sobre a política externa do nosso país. É uma iniciativa que tem a participação de organizações sindicais que em conjunto representam centenas de milhares de trabalhadores portugueses. A Iniciativa Lembrar Gaza pode ter uma influência profunda na política portuguesa e, através de Portugal, na política da União Europeia. Temos que continuar a desenvolver esta iniciativa.

Lembramos Gaza e lembramos os direitos do povo palestiniano. Se nós não lembrarmos Gaza, quem vai lembrar? Lembraremos Gaza. Não esqueceremos; não perdoaremos.


Alan Stoleroff, professor universitário e um judeu que se opõe à ocupação, lendo o seu discurso no acto "Lembrar Gaza" de 18 de Janeiro último, em Lisboa.

Fonte: http://passapalavra.info/

3 comentários:

JOÃO JOAQUIM MARTINS disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
JOÃO JOAQUIM MARTINS disse...

VISITE O NOSSO BLOG E VERÁ QUE O BRASIL ESTÁ TRABALHANDO PELO DISPERTAR DOS POVOS DO ORIENTE MÉDIO.

SOS DIREITOS HUMANOS disse...

DENÚNCIA: SÍTIO CALDEIRÃO, O ARAGUAIA DO CEARÁ – UMA HISTÓRIA QUE NINGUÉM CONHECE PORQUE JAMAIS FOI CONTADA...




"As Vítimas do Massacre do Sítio Caldeirão
têm direito inalienável à Verdade, Memória,
História e Justiça!" Otoniel Ajala Dourado




O MASSACRE APAGADO DOS LIVROS DE HISTÓRIA


No município de CRATO, interior do CEARÁ, BRASIL, houve um crime idêntico ao do “Araguaia”, foi o MASSACRE praticado por forças do Exército e da Polícia Militar do Ceará em 10.05.1937, contra a comunidade de camponeses católicos do Sítio da Santa Cruz do Deserto ou Sítio Caldeirão, que tinha como líder religioso o beato "JOSÉ LOURENÇO", paraibano de Pilões de Dentro, seguidor do padre Cícero Romão Batista, encarados como “socialistas periculosos”.



O CRIME DE LESA HUMANIDADE


O crime iniciou-se com um bombardeio aéreo, e depois, no solo, os militares usando armas diversas, como metralhadoras, fuzis, revólveres, pistolas, facas e facões, assassinaram na “MATA CAVALOS”, SERRA DO CRUZEIRO, mulheres, crianças, adolescentes, idosos, doentes e todo o ser vivo que estivesse ao alcance de suas armas, agindo como juízes e algozes. Meses após, JOSÉ GERALDO DA CRUZ, ex-prefeito de Juazeiro do Norte, encontrou num local da Chapada do Araripe, 16 crânios de crianças.


A AÇÃO CIVIL PÚBLICA AJUIZADA PELA SOS DIREITOS HUMANOS


Como o crime praticado pelo Exército e pela Polícia Militar do Ceará É de LESA HUMANIDADE / GENOCÍDIO é IMPRESCRITÍVEL pela legislação brasileira e pelos Acordos e Convenções internacionais, por isto a SOS - DIREITOS HUMANOS, ONG com sede em Fortaleza - CE, ajuizou em 2008 uma Ação Civil Pública na Justiça Federal contra a União Federal e o Estado do Ceará, requerendo que: a) seja informada a localização da COVA COLETIVA, b) sejam os restos mortais exumados e identificados através de DNA e enterrados com dignidade, c) os documentos do massacre sejam liberados para o público e o crime seja incluído nos livros de história, d) os descendentes das vítimas e sobreviventes sejam indenizados no valor de R$500 mil reais, e) outros pedidos



A EXTINÇÃO SEM JULGAMENTO DE MÉRITO DA AÇÃO


A Ação Civil Pública foi distribuída para o Juiz substituto da 1ª Vara Federal em Fortaleza/CE e depois, redistribuída para a 16ª Vara Federal em Juazeiro do Norte/CE, e lá foi extinta sem julgamento do mérito em 16.09.2009.



AS RAZÕES DO RECURSO DA SOS DIREITOS HUMANOS PERANTE O TRF5


A SOS DIREITOS HUMANOS apelou para o Tribunal Regional da 5ª Região em Recife/PE, argumentando que: a) não há prescrição porque o massacre do Sítio Caldeirão é um crime de LESA HUMANIDADE, b) os restos mortais das vítimas do Sítio Caldeirão não desapareceram da Chapada do Araripe a exemplo da família do CZAR ROMANOV, que foi morta no ano de 1918 e a ossada encontrada nos anos de 1991 e 2007;



A SOS DIREITOS HUMANOS DENUNCIA O BRASIL PERANTE A OEA


A SOS DIREITOS HUMANOS, igualmente aos familiares das vítimas da GUERRILHA DO ARAGUAIA, denunciou no ano de 2009, o governo brasileiro na Organização dos Estados Americanos – OEA, pelo desaparecimento forçado de 1000 pessoas do Sítio Caldeirão.


QUEM PODE ENCONTRAR A COVA COLETIVA


A “URCA” e a “UFC” com seu RADAR DE PENETRAÇÃO NO SOLO (GPR) podem encontrar a cova coletiva, e por que não a procuram? Serão os fósseis de peixes procurados no "Geopark Araripe" mais importantes que os restos mortais das vítimas do SÍTIO CALDEIRÃO?



A COMISSÃO DA VERDADE


A SOS DIREITOS HUMANOS busca apoio técnico para encontrar a COVA COLETIVA, e que o internauta divulgue esta notícia em seu blog, e a envie para seus representantes na Câmara municipal, Assembléia Legislativa, Câmara e Senado Federal, solicitando um pronunciamento exigindo do Governo Federal que informe o local da COVA COLETIVA das vítimas do Sítio Caldeirão.



Paz e Solidariedade,



Dr. OTONIEL AJALA DOURADO
OAB/CE 9288 – 55 85 8613.1197
Presidente da SOS - DIREITOS HUMANOS
Membro da CDAA da OAB/CE
www.sosdireitoshumanos.org.br