Quebrando o impasse israelense-palestino - por Noam ChomskyO primeiro-ministro de Israel, Binyamin Netanyahu (esq.), a secretária de Estado dos EUA, Hillary Clinton, e o presidente da Autoridade Nacional Palestina, Mahmoud Abbas, se reúnem para diálogo sobre a paz no Oriente Médio
Embora intensivamente envolvido na expansão dos assentamentos ilegais, o governo de Israel também está tentando lidar com dois problemas: uma campanha global contra o que considera uma “deslegitimação” - ou seja, as objeções aos seus crimes e a retirada da participação neles – e uma campanha paralela de legitimação da Palestina.
A “deslegitimação”, que está progredindo rapidamente, avançou em dezembro por causa de um pedido da Human Rights Watch para que os EUA “suspendam o financiamento a Israel numa quantia equivalente aos gastos israelenses de apoio aos assentamentos”, e monitorem as contribuições a Israel feitas por organizações norte-americanas isentas de impostos que violam a lei internacional, “incluindo proibições contra a discriminação” - o que afetaria muitas delas. A Anistia Internacional já havia pedido um embargo de armas em Israel.
O processo de legitimação também deu um grande passo em dezembro, quando Argentina, Bolívia e Brasil reconheceram o Estado da Palestina (Gaza e Cisjordânia), aumentando o número de países apoiadores para mais de 100.
O advogado internacional John Whitbeck estima que 80% a 90% da população mundial viva nos países que reconhecem a Palestina, enquanto apenas 10% a 20% reconhecem a República do Kosovo. Os EUA reconhecem Kosovo, mas não reconhecem a Palestina.
Assim, como escreveu Whitbeck em Counterpunch, a mídia “age como se a independência de Kosovo fosse um fato consumado enquanto a independência da Palestina é apenas uma aspiração que nunca poderá ser atingida sem o consentimento israelense e norte-americano”, refletindo a dinâmica normal do poder na arena internacional.
Considerando a escala dos assentamentos israelenses na Cisjordânia, argumenta-se há mais de uma década que o consenso internacional em torno de um acordo de dois Estados está morto, ou equivocado (embora evidentemente a maior parte do mundo não concorde com isso). Portanto, aqueles que se preocupam com os direitos da Palestina deveriam clamar para que Israel assuma o controle de toda a Cisjordânia, para que depois haja uma luta anti-apartheid ao estilo sul-africano, que resultaria na cidadania plena para a população árabe que vive lá.
O argumento presume que Israel concordaria em assumir o controle. É muito mais provável que Israel, em vez disso, continue com os programas que levam à anexação das partes da Cisjordânia que ele está desenvolvendo, mais ou menos a metade da área, e não assuma responsabilidade pelo resto, defendendo-se assim do “problema demográfico” - muitos habitantes não-judeus num Estado judeu – e enquanto isso separando Gaza do resto da Palestina.
Uma analogia entre Israel e a África do Sul merece atenção. Uma vez que o apartheid foi implementado, os nacionalistas sul-africanos reconheceram que estavam se tornando párias no cenário internacional por causa dele. Em 1958, entretanto, o ministro de Exterior informou ao embaixador norte-americano que as condenações da ONU e outros protestos não importavam tanto desde que a África do Sul fosse apoiada pela potência hegemônica global – os Estados Unidos.
Nos anos 70, a ONU declarou um embargo de armas, seguido logo depois por campanhas de boicote e retirada de investimentos. A África do Sul reagiu de várias maneiras calculadas para irritar a opinião internacional. Num gesto de desdém em relação à ONU e ao presidente Jimmy Carter – que não reagiu para não prejudicar as negociações inúteis – a África do Sul lançou um ataque assassino contra o campo de refugiados de Cassinga em Angola ao mesmo tempo em que o “grupo de contato” liderado por Carter deveria apresentar um acordo para a Namíbia.
A semelhança com o comportamento atual de Israel é impressionante – por exemplo, o ataque a Gaza em janeiro de 2009 e à frota pela liberdade de Gaza em maio de 2010.
Quando o presidente Reagan assumiu o governo em 1981, ele deu total apoio para os crimes internos da África do Sul e suas depredações assassinas em países vizinhos.
As políticas eram justificadas pelo contexto da guerra contra o terror que Reagan havia declarado ao assumir o poder. Em 1998, o Congresso Nacional Africano de Nelson Mandela foi considerado um dos “mais notórios grupos terroristas” do mundo (o próprio Mandela só foi retirado da “lista de terroristas” de Washington em 2008). A África do Sul foi desafiadora, e até mesmo vitoriosa, depois que destruiu seus inimigos internos, e desfrutava de um apoio sólido do único Estado que importava no sistema global.
Pouco depois, a política norte-americana mudou. Os EUA e a África do Sul perceberam que seus interesses empresariais estariam em melhor situação se se livrassem do fardo do apartheid. E o apartheid logo entrou em colapso.
A África do Sul não é o único caso recente em que o fim do apoio norte-americano aos crimes levou a um progresso significativo.
Será que uma mudança transformadora assim pode acontecer no caso de Israel, abrindo caminho para um acordo diplomático? Entre as barreiras firmemente estabelecidas estão os laços muito estreitos entre a inteligência e os militares dos EUA e Israel.
O apoio mais declarado para os crimes israelenses vem do mundo empresarial. O setor de alta tecnologia dos EUA é bastante integrado com seu equivalente israelense. Para citar apenas um exemplo, a Intel, maior fabricante de chips do mundo, está estabelecendo sua unidade mais avançada de produção em Israel.
Uma comunicação dos EUA divulgada pela WikiLeaks revelou que as indústrias militares Rafael em Haifa são um dos lugares considerados essenciais para os interesses norte-americanos por causa da produção de bombas cluster; Rafael já moveu algumas das operações para os EUA para ter melhor acesso aos mercados e à ajuda norte-americana. Existe também um poderoso lobby israelense, embora evidentemente menor do que os lobbies empresarial e militar.
Fatos culturais críticos também se aplicam. O sionismo cristão é bem mais antigo que o sionismo judaico, e não é restrito àquele um terço da população dos EUA que acredita na verdade literal da Bíblia. Quando o general britânico Edmund Allenby conquistou Jerusalém em 1917, a imprensa nacional declarou que ele era um Ricardo Coração de Leão, finalmente resgatando a Terra Santa dos infiéis.
Depois, os judeus precisam voltar para a terra prometida a eles pelo Senhor. Articulando uma visão comum da elite, Harold Ickes, secretário de interior de Franklin Roosevelt, descreveu a colonização judaica da Palestina como um feito “sem comparação na história da raça humana”.
Também existe uma simpatia instintiva pela ideia de uma sociedade colonial assentada que rescreveu a própria história dos EUA, levando a civilização para as terras mal usadas por nativos não merecedores – doutrinas profundamente enraizadas em séculos de imperialismo.
Para romper essa barreira será necessário desmantelar a ilusão reinante de que os EUA são um “intermediário honesto” que buscam desesperadamente reconciliar adversários recalcitrantes, e reconhecer que é necessária uma negociação séria entre EUA-Israel e o resto do mundo.
Se os centros de poder norte-americanos puderem ser impelidos pela opinião pública a abandonar a rejeição que já dura décadas, muitas perspectivas que hoje parecem remotas podem se tornar repentinamente possíveis.
Tradução: Eloise De Vylder
Fonte: The New York Times
segunda-feira, 10 de janeiro de 2011
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