domingo, 31 de julho de 2011
sábado, 30 de julho de 2011
Balanço crítico acerca da Ação Global dos Povos no Brasil (1) - Por Felipe Corrêa
Balanço crítico acerca da Ação Global dos Povos no Brasil (1)
É necessário fazer uma análise crítica sobre o que significou, para o Brasil, o fenômeno da AGP. Essa análise pode contribuir com uma reflexão acerca dos erros e acertos do movimento. Por Felipe Corrêa
Espero que as idéias aqui defendidas sirvam para ir deixando de lado os vícios do movimento e possamos construir um edifício de bases sólidas e com ar fresco a partir do qual possamos trabalhar pela futura revolução. [...] A crítica e o debate devem ser ferramentas para a construção, antes de tudo.José Antônio Gutierrez Danton
PALAVRAS INICIAIS
Escrevo esta série a convite do site Passa Palavra, buscando contribuir com os debates que vêm sendo feitos com a publicação do artigo “A Esquerda fora do Eixo“, o qual discute a onda de mobilizações que culminou nas Marchas da Liberdade em todo o país.Da maneira como entendo, essas mobilizações possuem muitos elementos em comum com aqueles que foram desenvolvidos, alguns anos atrás, pela Ação Global dos Povos (AGP). Portanto, creio que poderia ser interessante iniciar um balanço crítico sobre o que foi essa experiência, no Brasil, do Movimento de Resistência Global ou “Movimento Antiglobalização”, especialmente porque fiz parte de dois coletivos que tiveram papel central nessa experiência: Ação Local por Justiça Global (ALJG) e Centro de Mídia Independente (CMI) — e de outros com menor importância, como o Batukação — os quais me possibilitaram uma atuação e um envolvimento bastante amplos.
Esse balanço crítico tem como intenção constituir mais uma contribuição da minha geração para o registro de uma experiência que, dentre erros e acertos, acumulou muito. Infelizmente, nossa geração ainda não produziu muito sobre o tema, e atribuo a esse fator parte da culpa pelo andamento de diversas mobilizações, que continuam, em grande medida, a carregar distintos elementos promovidos ou mesmo desenvolvidos no contexto da AGP. É certo que, dentre os companheiros que atuaram no movimento do final dos anos 1990 até meados dos anos 2000, talvez minha autocrítica tenha sido uma das mais radicais, dentre aqueles que permaneceram na militância. Muito dessa autocrítica serviu para minha mudança de posição, mas devo reconhecer que formalizei pouco minhas reflexões [1], e é isso o que pretendo fazer aqui. Obviamente o texto refletirá muito daquilo que vi em meu principal local de atuação, São Paulo.
Sinto-me muito à vontade com a crítica, pois, como coloquei, essas posições para mim são, antes de mais nada, uma autocrítica às práticas que tive e que investi muito tempo, dedicação e esforço. Posições que, por uma série de fatores, demorei a assumir e que, com essa discussão, busco contribuir com outros para que não incorram nos mesmos erros e possam corrigi-los. Gostaria, sinceramente, que outros companheiros e companheiras de localidades distintas se posicionassem, nos casos em que as minhas generalizações não derem conta das diversas realidades do movimento ou que os fatos tenham se dado de maneira outra daquela que aqui é colocada. Vale ressaltar que, ainda que essa série trate do movimento brasileiro, ele não difere muito de vários outros lugares do mundo, que tiveram características semelhantes.
Serão, como já se deve ter notado, artigos em tom informal, de depoimento pessoal, “da militância para a militância”, ou mesmo para os setores da esquerda que lêem esse portal e que têm algum interesse político em acordo com as linhas que ele defende. É fundamentalmente uma contribuição para as gerações mais novas, que estão buscando alternativas políticas.
A AÇÃO GLOBAL DOS POVOSA Ação Global dos Povos (AGP) nasceu no início de 1998 e constituía uma “rede global de movimentos sociais de base originalmente criada para combater o livre comércio”. Não era uma “organização formal, mas uma rede de comunicação e coordenação de lutas em escala global baseada apenas em princípios comuns”. [Martín Bergel e Pablo Ortellado. AGP]. Dentre seus princípios, pode-se destacar os seguintes: “1. A AGP é um instrumento de coordenação. Ela não é uma organização. Os seus principais objetivos são: (i) Inspirar o maior número possível de pessoas, movimentos e organizações a agir contra a dominação das empresas através da desobediência civil não-violenta e de ações construtivas voltadas para os povos. (ii) Oferecer um instrumento para coordenação e apoio mútuo a nível mundial para aqueles que resistem ao domínio das empresas e ao paradigma de desenvolvimento capitalista. (iii) Dar maior projeção internacional às lutas contra a liberalização econômica e o capitalismo mundial. 2. A filosofia organizacional da AGP é baseada na descentralização e na autonomia. Por isso, estruturas centrais são mínimas. 3. A AGP não possui membros. 4. [...] Nenhuma organização ou pessoa representa a AGP, nem a AGP representa qualquer organização ou pessoa.” [Manifesto da Ação Global dos Povos]Sendo responsável por convocar e promover os chamados “Dias de Ação Global”, a AGP promoveu uma série de mobilizações em escala global, com destaque para o J18 [2], em junho de 1999, quando mais de 50 cidades manifestaram-se contra a reunião do G7 em Colônia, na Alemanha; o N30, por ocasião das manifestações contra o encontro da OMC em Seattle em novembro de 1999; e, principalmente, o S26, quando mais de 100 cidades em todo o mundo, inclusive na América Latina, protestaram contra o encontro do FMI e do Banco Mundial, em Praga, em setembro de 2000. O S26 provavelmente significou o ponto mais alto do movimento e dos dias de ação global [Bergel e Ortellado. Op.Cit.]. Além desses dias globais de ação, a AGP realizou encontros visando promover a comunicação e o intercâmbio das experiências de luta.
No Brasil, a idéia da AGP chegou depois das manifestações de 1999, organizando-se pela primeira vez no estado de São Paulo em 2000, primeiro na Baixada Santista e na capital, no Primeiro de Maio, que poderia ser considerado como um ensaio do que seria o S26 (26/09/2000), marco da consolidação do movimento em solo brasileiro. Desenvolve-se a partir daí, uma série de mobilizações e dias de ação global, alguns abertamente inspirados nos princípios da AGP, e outros com alguma influência — como foi o caso do “Dia Sem Compras”, em Belo Horizonte, nos fins de 2000, e os protestos contra a morte de Edson Neris por skinheads fascistas em São Paulo, no início de 2001.Um marco importante do movimento foi o chamado A20 (20/04/2001), quando 2 mil pessoas — mobilizando-se contra a Cúpula das Américas, onde se negociava a Área de Livre Comércio das Américas (ALCA) — foram brutalmente atacadas pela polícia na Avenida Paulista, em São Paulo, resultando em muitos presos e feridos. Outros marcos relevantes foram: o J20 (20/07/2001), que articulou protestos contra o G8, reunindo 5 mil pessoas em São Paulo, ocasião em que Carlo Giuliani foi assassinado nos protestos de Gênova. Por razão dos ataques terroristas de 11 de Setembro, o encontro entre Fundo Monetário Internacional (FMI) e Banco Mundial (BM), marcado para acontecer em Washington no fim daquele mês, foi cancelado, fazendo com que o tema das manifestações que se articulavam contra o encontro modificassem a temática da luta, tomando forma de protesto contra a guerra no Afeganistão. Manifestações acontecem em São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte e Curitiba. O fim do ano de 2001 é marcado pelo N9 (09/11/2001), com protestos contra a Organização Mundial do Comércio (OMC), em São Paulo, Rio de Janeiro e Fortaleza.
O ano de 2002 foi marcado pela realização do 1º Carnaval Revolução, em Belo Horizonte, em fevereiro, e pelos protestos contra o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), em Fortaleza, durante o mês de março, com 5 mil pessoas nas ruas e com desdobramentos em São Paulo e Belo Horizonte. Um ano depois do A20, 2 mil manifestantes protestam novamente em São Paulo, entregando uma carta gigante, endereçada ao ministro da Fazenda, no Banco Central, com o dizer “ALCA nem fodendo” e assistindo a um documentário sobre o ato do ano anterior. Nesse contexto, realiza-se em São Paulo, no mês de agosto, a primeira Bicicletada, reunindo “ciclo-ativistas”. Ao final do ano, em 31 de outubro, 2 mil pessoas protestam em São Paulo contra a ALCA com um tour pelo centro da cidade e, no dia seguinte, 500 pessoas ocupam a Praça da República numa festa de rua contra a ALCA. Com o aniversário de um ano da revolta argentina de 2001 realiza-se, em São Paulo, como forma de solidariedade, teatro de rua, panfletagem e 15 ativistas ocupam o Consulado da Argentina, realizando um “panelaço” — ocorrem também protestos em Salvador.
Em fevereiro de 2003, 30 cidades brasileiras mobilizam-se contra a iminente Guerra do Iraque; em março, acontece o 2º Carnaval Revolução, em Belo Horizonte; em 7 de maio, ativistas ligados aos meios de comunicação ocupam a ANATEL em cinco capitais, pregando contra o fechamento de rádios livres. O ano também é marcado, entre os fins de agosto e início de setembro, por protestos de estudantes em Salvador contra o aumento no preço dos transportes, por uma mobilização contra a ALCA e por um encontro de rádios livres em Campinas, durante o mês de novembro.
Em 2004, realiza-se em São Paulo o 1º Encontro Autônomo, no mês de janeiro, reunindo grupos e indivíduos de diversas regiões do país; acontece o 3º Carnaval Revolução, em Belo Horizonte; em março, há protestos massivos contra a ocupação do Iraque em dezenas de cidades brasileiras. Novamente protesta-se no 20 de abril contra a ALCA.Pode-se destacar também, no período de 2001 a 2003, as participações de pessoas e coletivos ligados à AGP nos três encontros do Fórum Social Mundial (FSM), fundamentalmente em atividades paralelas, como Intergaláctika e Vida Após o Capitalismo. Entre 2001 e 2004, utiliza-se também uma tática de jogar tortas na cara de pessoas que representavam inimigos: em 2001, no capitão Francisco Roher, responsável pela repressão ao A20; em 2002, contra representantes do BM; em 2003, em José Genoíno, contra o aparelhamento do FSM por parte do PT, em um representante da ALCA e no governador do MT. Em 2004 foi a vez de Rubens Ricupero, representante da UNCTAD, contra o discurso desenvolvimentista. [André Ryoki e Pablo Ortellado. Estamos Vencendo]
A partir de meados de 2004 acentua-se uma curva descendente que, dentro de algum tempo, evidenciaria o fim do movimento inspirado na AGP, ainda que iniciativas surgidas nesse contexto tenham continuado a existir.
Para além dos dados bastante sintetizados e praticamente descritivos que citei acima, torna-se necessário fazer uma análise crítica mais aprofundada sobre o que significou, para o Brasil, o fenômeno da AGP. Essa análise pode contribuir com uma reflexão acerca dos erros e acertos do movimento.
Notas:
[1] Eu mesmo, tirando um posfácio publicado na internet voltado aos anarquistas (”Buscar a Transformação Social?“), não produzi muito além de infindáveis conversas com a companheirada da militância.
[2] Essas siglas representam o dia e o mês da mobilização. J18, portanto, significa 18 de junho, N30 significa 30 de novembro e assim por diante.
(Continua)
A Bibliografia virá no final desta série.
Fonte: http://passapalavra.info
É necessário fazer uma análise crítica sobre o que significou, para o Brasil, o fenômeno da AGP. Essa análise pode contribuir com uma reflexão acerca dos erros e acertos do movimento. Por Felipe Corrêa
Espero que as idéias aqui defendidas sirvam para ir deixando de lado os vícios do movimento e possamos construir um edifício de bases sólidas e com ar fresco a partir do qual possamos trabalhar pela futura revolução. [...] A crítica e o debate devem ser ferramentas para a construção, antes de tudo.José Antônio Gutierrez Danton
PALAVRAS INICIAIS
Escrevo esta série a convite do site Passa Palavra, buscando contribuir com os debates que vêm sendo feitos com a publicação do artigo “A Esquerda fora do Eixo“, o qual discute a onda de mobilizações que culminou nas Marchas da Liberdade em todo o país.Da maneira como entendo, essas mobilizações possuem muitos elementos em comum com aqueles que foram desenvolvidos, alguns anos atrás, pela Ação Global dos Povos (AGP). Portanto, creio que poderia ser interessante iniciar um balanço crítico sobre o que foi essa experiência, no Brasil, do Movimento de Resistência Global ou “Movimento Antiglobalização”, especialmente porque fiz parte de dois coletivos que tiveram papel central nessa experiência: Ação Local por Justiça Global (ALJG) e Centro de Mídia Independente (CMI) — e de outros com menor importância, como o Batukação — os quais me possibilitaram uma atuação e um envolvimento bastante amplos.
Esse balanço crítico tem como intenção constituir mais uma contribuição da minha geração para o registro de uma experiência que, dentre erros e acertos, acumulou muito. Infelizmente, nossa geração ainda não produziu muito sobre o tema, e atribuo a esse fator parte da culpa pelo andamento de diversas mobilizações, que continuam, em grande medida, a carregar distintos elementos promovidos ou mesmo desenvolvidos no contexto da AGP. É certo que, dentre os companheiros que atuaram no movimento do final dos anos 1990 até meados dos anos 2000, talvez minha autocrítica tenha sido uma das mais radicais, dentre aqueles que permaneceram na militância. Muito dessa autocrítica serviu para minha mudança de posição, mas devo reconhecer que formalizei pouco minhas reflexões [1], e é isso o que pretendo fazer aqui. Obviamente o texto refletirá muito daquilo que vi em meu principal local de atuação, São Paulo.
Sinto-me muito à vontade com a crítica, pois, como coloquei, essas posições para mim são, antes de mais nada, uma autocrítica às práticas que tive e que investi muito tempo, dedicação e esforço. Posições que, por uma série de fatores, demorei a assumir e que, com essa discussão, busco contribuir com outros para que não incorram nos mesmos erros e possam corrigi-los. Gostaria, sinceramente, que outros companheiros e companheiras de localidades distintas se posicionassem, nos casos em que as minhas generalizações não derem conta das diversas realidades do movimento ou que os fatos tenham se dado de maneira outra daquela que aqui é colocada. Vale ressaltar que, ainda que essa série trate do movimento brasileiro, ele não difere muito de vários outros lugares do mundo, que tiveram características semelhantes.
Serão, como já se deve ter notado, artigos em tom informal, de depoimento pessoal, “da militância para a militância”, ou mesmo para os setores da esquerda que lêem esse portal e que têm algum interesse político em acordo com as linhas que ele defende. É fundamentalmente uma contribuição para as gerações mais novas, que estão buscando alternativas políticas.
A AÇÃO GLOBAL DOS POVOSA Ação Global dos Povos (AGP) nasceu no início de 1998 e constituía uma “rede global de movimentos sociais de base originalmente criada para combater o livre comércio”. Não era uma “organização formal, mas uma rede de comunicação e coordenação de lutas em escala global baseada apenas em princípios comuns”. [Martín Bergel e Pablo Ortellado. AGP]. Dentre seus princípios, pode-se destacar os seguintes: “1. A AGP é um instrumento de coordenação. Ela não é uma organização. Os seus principais objetivos são: (i) Inspirar o maior número possível de pessoas, movimentos e organizações a agir contra a dominação das empresas através da desobediência civil não-violenta e de ações construtivas voltadas para os povos. (ii) Oferecer um instrumento para coordenação e apoio mútuo a nível mundial para aqueles que resistem ao domínio das empresas e ao paradigma de desenvolvimento capitalista. (iii) Dar maior projeção internacional às lutas contra a liberalização econômica e o capitalismo mundial. 2. A filosofia organizacional da AGP é baseada na descentralização e na autonomia. Por isso, estruturas centrais são mínimas. 3. A AGP não possui membros. 4. [...] Nenhuma organização ou pessoa representa a AGP, nem a AGP representa qualquer organização ou pessoa.” [Manifesto da Ação Global dos Povos]Sendo responsável por convocar e promover os chamados “Dias de Ação Global”, a AGP promoveu uma série de mobilizações em escala global, com destaque para o J18 [2], em junho de 1999, quando mais de 50 cidades manifestaram-se contra a reunião do G7 em Colônia, na Alemanha; o N30, por ocasião das manifestações contra o encontro da OMC em Seattle em novembro de 1999; e, principalmente, o S26, quando mais de 100 cidades em todo o mundo, inclusive na América Latina, protestaram contra o encontro do FMI e do Banco Mundial, em Praga, em setembro de 2000. O S26 provavelmente significou o ponto mais alto do movimento e dos dias de ação global [Bergel e Ortellado. Op.Cit.]. Além desses dias globais de ação, a AGP realizou encontros visando promover a comunicação e o intercâmbio das experiências de luta.
No Brasil, a idéia da AGP chegou depois das manifestações de 1999, organizando-se pela primeira vez no estado de São Paulo em 2000, primeiro na Baixada Santista e na capital, no Primeiro de Maio, que poderia ser considerado como um ensaio do que seria o S26 (26/09/2000), marco da consolidação do movimento em solo brasileiro. Desenvolve-se a partir daí, uma série de mobilizações e dias de ação global, alguns abertamente inspirados nos princípios da AGP, e outros com alguma influência — como foi o caso do “Dia Sem Compras”, em Belo Horizonte, nos fins de 2000, e os protestos contra a morte de Edson Neris por skinheads fascistas em São Paulo, no início de 2001.Um marco importante do movimento foi o chamado A20 (20/04/2001), quando 2 mil pessoas — mobilizando-se contra a Cúpula das Américas, onde se negociava a Área de Livre Comércio das Américas (ALCA) — foram brutalmente atacadas pela polícia na Avenida Paulista, em São Paulo, resultando em muitos presos e feridos. Outros marcos relevantes foram: o J20 (20/07/2001), que articulou protestos contra o G8, reunindo 5 mil pessoas em São Paulo, ocasião em que Carlo Giuliani foi assassinado nos protestos de Gênova. Por razão dos ataques terroristas de 11 de Setembro, o encontro entre Fundo Monetário Internacional (FMI) e Banco Mundial (BM), marcado para acontecer em Washington no fim daquele mês, foi cancelado, fazendo com que o tema das manifestações que se articulavam contra o encontro modificassem a temática da luta, tomando forma de protesto contra a guerra no Afeganistão. Manifestações acontecem em São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte e Curitiba. O fim do ano de 2001 é marcado pelo N9 (09/11/2001), com protestos contra a Organização Mundial do Comércio (OMC), em São Paulo, Rio de Janeiro e Fortaleza.
O ano de 2002 foi marcado pela realização do 1º Carnaval Revolução, em Belo Horizonte, em fevereiro, e pelos protestos contra o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), em Fortaleza, durante o mês de março, com 5 mil pessoas nas ruas e com desdobramentos em São Paulo e Belo Horizonte. Um ano depois do A20, 2 mil manifestantes protestam novamente em São Paulo, entregando uma carta gigante, endereçada ao ministro da Fazenda, no Banco Central, com o dizer “ALCA nem fodendo” e assistindo a um documentário sobre o ato do ano anterior. Nesse contexto, realiza-se em São Paulo, no mês de agosto, a primeira Bicicletada, reunindo “ciclo-ativistas”. Ao final do ano, em 31 de outubro, 2 mil pessoas protestam em São Paulo contra a ALCA com um tour pelo centro da cidade e, no dia seguinte, 500 pessoas ocupam a Praça da República numa festa de rua contra a ALCA. Com o aniversário de um ano da revolta argentina de 2001 realiza-se, em São Paulo, como forma de solidariedade, teatro de rua, panfletagem e 15 ativistas ocupam o Consulado da Argentina, realizando um “panelaço” — ocorrem também protestos em Salvador.
Em fevereiro de 2003, 30 cidades brasileiras mobilizam-se contra a iminente Guerra do Iraque; em março, acontece o 2º Carnaval Revolução, em Belo Horizonte; em 7 de maio, ativistas ligados aos meios de comunicação ocupam a ANATEL em cinco capitais, pregando contra o fechamento de rádios livres. O ano também é marcado, entre os fins de agosto e início de setembro, por protestos de estudantes em Salvador contra o aumento no preço dos transportes, por uma mobilização contra a ALCA e por um encontro de rádios livres em Campinas, durante o mês de novembro.
Em 2004, realiza-se em São Paulo o 1º Encontro Autônomo, no mês de janeiro, reunindo grupos e indivíduos de diversas regiões do país; acontece o 3º Carnaval Revolução, em Belo Horizonte; em março, há protestos massivos contra a ocupação do Iraque em dezenas de cidades brasileiras. Novamente protesta-se no 20 de abril contra a ALCA.Pode-se destacar também, no período de 2001 a 2003, as participações de pessoas e coletivos ligados à AGP nos três encontros do Fórum Social Mundial (FSM), fundamentalmente em atividades paralelas, como Intergaláctika e Vida Após o Capitalismo. Entre 2001 e 2004, utiliza-se também uma tática de jogar tortas na cara de pessoas que representavam inimigos: em 2001, no capitão Francisco Roher, responsável pela repressão ao A20; em 2002, contra representantes do BM; em 2003, em José Genoíno, contra o aparelhamento do FSM por parte do PT, em um representante da ALCA e no governador do MT. Em 2004 foi a vez de Rubens Ricupero, representante da UNCTAD, contra o discurso desenvolvimentista. [André Ryoki e Pablo Ortellado. Estamos Vencendo]
A partir de meados de 2004 acentua-se uma curva descendente que, dentro de algum tempo, evidenciaria o fim do movimento inspirado na AGP, ainda que iniciativas surgidas nesse contexto tenham continuado a existir.
Para além dos dados bastante sintetizados e praticamente descritivos que citei acima, torna-se necessário fazer uma análise crítica mais aprofundada sobre o que significou, para o Brasil, o fenômeno da AGP. Essa análise pode contribuir com uma reflexão acerca dos erros e acertos do movimento.
Notas:
[1] Eu mesmo, tirando um posfácio publicado na internet voltado aos anarquistas (”Buscar a Transformação Social?“), não produzi muito além de infindáveis conversas com a companheirada da militância.
[2] Essas siglas representam o dia e o mês da mobilização. J18, portanto, significa 18 de junho, N30 significa 30 de novembro e assim por diante.
(Continua)
A Bibliografia virá no final desta série.
Fonte: http://passapalavra.info
Não sorria nunca de um preconceito - por Urariano Mota
Não sorria nunca de um preconceito
Se alguém algum dia disser que Karl Marx roubou o socialismo dos nazistas, creio que diante de tamanho absurdo a maioria de nós não conseguiria conter um sorriso, ou mesmo a mais ruidosa gargalhada. E se esse mesmo alguém dissesse que haveria uma escala, uma hierarquia entre as raças, de tal modo que lá num pódio de muitos níveis, em primeiríssimo lugar estivesse a raça, vale dizer, a ariana, e lá no fim, no último dos últimos, estivessem os ciganos, os negros e os judeus, creio que talvez olhássemos o profundo ignorante à procura de um sinal de loucura. Antes, é claro, da mais estrepitosa risada.
No entanto, os motivos cômicos logo sofreriam um abalo se um mais avisado passasse perto de nós e lembrasse que tais "piadas" foram ditas por Hitler e pelos nazistas. Ah, diante da lembrança do genocídio, do sofrimento e infâmia que tais cômicos impuseram ao mundo, toda a sua sangrenta palhaçada deixaria de ser motivo de riso. Pois o cômico, assim como a felicidade, a raiva, o amor, o ódio, toda manifestação legítima de humanidade, sempre se dá em um contexto de vidas e significados. E deles, um dos que merecem mais cuidado e atenção talvez seja o do preconceito, por mais cômico, absurdo e de irresistível comicidade pareça. Pois as caveiras também mostram os dentes, mas nunca são dignas de um sorriso.
Essas curtas reflexões nos vêm quando lemos as notícias do terrorista de extrema-direita na Noruega. Notem que ele, ou melhor, eles, porque o bravo rapaz não agiu só nem é uma exceção de loucura em um mar de sanidade, notem que à sua maneira ele atualiza – se é possível atualizá-las, em vez de retirá-las das tumbas – as idéias nazistas. Excertos de um dos seus comunicados dizem:
"Nós, a livre população nativa da Europa, por este meio declaramos uma guerra preventiva contra todas as elites marxistas/multiculturalistas da Europa Ocidental… Sabemos quem vocês são, onde moram e vamos atrás de vocês. Estamos no processo de apontar cada traidor multiculturalista na Europa Ocidental. Vocês serão punidos por cada ato de traição contra a Europa e os europeus. Com o objetivo de romper com sucesso a censura da mídia marxista/multiculturalista, somos forçados a empregar operações mais brutais e de tirar o fôlego, que resultarão em baixas".
Qual de nós, se visse essas linhas em um texto ou em um vídeo, as acharia dignas de uma resposta fundada, fundamentada e, mais que isso, responderia a elas com as armas da razão e da artilharia para a defesa dos seus efeitos?
Poucos, nenhum, ninguém, a julgar pelas medidas e reações tomadas quando o criminoso as tornou públicas na web. E vem muito ao caso dizer que tais "ideias" na Noruega, na Europa hoje, e até no Brasil, com a devida tradução, não são incomuns nem, pior, expressam uma louca exceção. Há um certo tempo aqui e ali na Noruega, Inglaterra, e outros mais puros, olhares atravessados e comentários resmungados falam algo parecido dos imigrantes não-brancos. Mas uma coisa é um olhar, dizemo-nos, uma coisa é um murmúrio, completamos, outra bem distinta é um massacre com bala dundum. Dessa vez, contra seus iguais em raça, porque estavam maculados pelo pensamento de aceitação para os diferentes.
No comunicado antes dos crimes o porta-voz dos seus iguais à direita falou as mais velhas piadas, que não mereciam o mínimo esforço para uma rápida contestação. Aquela coisa antiga, de raça, "população nativa da Europa"… mas que raça pura?, nos perguntávamos. Risos, com muitos risos respondíamos. Aquela coisa absurda de "elites marxistas/multiculturalistas da Europa Ocidental".
Putz, que é que é isso? Elite marxista, paradoxo, e multicultural, como se o mundo não fosse em si uma multicultura. Quá-quá-quá, esse cara é um humorista. E este "sabemos quem vocês são, onde moram e vamos atrás de vocês. Estamos no processo de apontar cada traidor multiculturalista na Europa Ocidental. Vocês serão punidos por cada ato de traição contra a Europa e os europeus"? Por favor, pelamordedeus, esse viking era um novo Hagar, o horrível.
E no entanto, vimos depois que o piadista devia ter sido tomado a sério e recebido de volta contra ele e assemelhados uma luta encarniçada, sem quartel, sem hora nem descanso.
De todas as maneiras, modos e pensamentos, pela escrita, pelo verbo, por atos e ações. Alerta. Se continuarmos a julgar como uma piada os mais bobos preconceitos contra sexos, raças, em resumo, contra gente, depois não seremos dignos sequer de pena. A nova e profunda depressão econômica, que não se aproxima lá, pois já começou, deveria redobrar a nossa atenção e cuidado. Uma primeira providência, de um ponto de vista intelectual, creio, seria não sorrir nunca mais de todo, do mais ridículo e risível, preconceito. Pois preconceitos são muito graves. Eles sempre matam pessoas.
Urariano Mota é escritor e jornalista, publicou contos em periódicos de oposição à ditadura; é colunista do Direto da Redação e colaborador do Observatório da Imprensa. Texto originalmente publicado no Blog da Boitempo.
Fonte: Opera Mundi
Se alguém algum dia disser que Karl Marx roubou o socialismo dos nazistas, creio que diante de tamanho absurdo a maioria de nós não conseguiria conter um sorriso, ou mesmo a mais ruidosa gargalhada. E se esse mesmo alguém dissesse que haveria uma escala, uma hierarquia entre as raças, de tal modo que lá num pódio de muitos níveis, em primeiríssimo lugar estivesse a raça, vale dizer, a ariana, e lá no fim, no último dos últimos, estivessem os ciganos, os negros e os judeus, creio que talvez olhássemos o profundo ignorante à procura de um sinal de loucura. Antes, é claro, da mais estrepitosa risada.
No entanto, os motivos cômicos logo sofreriam um abalo se um mais avisado passasse perto de nós e lembrasse que tais "piadas" foram ditas por Hitler e pelos nazistas. Ah, diante da lembrança do genocídio, do sofrimento e infâmia que tais cômicos impuseram ao mundo, toda a sua sangrenta palhaçada deixaria de ser motivo de riso. Pois o cômico, assim como a felicidade, a raiva, o amor, o ódio, toda manifestação legítima de humanidade, sempre se dá em um contexto de vidas e significados. E deles, um dos que merecem mais cuidado e atenção talvez seja o do preconceito, por mais cômico, absurdo e de irresistível comicidade pareça. Pois as caveiras também mostram os dentes, mas nunca são dignas de um sorriso.
Essas curtas reflexões nos vêm quando lemos as notícias do terrorista de extrema-direita na Noruega. Notem que ele, ou melhor, eles, porque o bravo rapaz não agiu só nem é uma exceção de loucura em um mar de sanidade, notem que à sua maneira ele atualiza – se é possível atualizá-las, em vez de retirá-las das tumbas – as idéias nazistas. Excertos de um dos seus comunicados dizem:
"Nós, a livre população nativa da Europa, por este meio declaramos uma guerra preventiva contra todas as elites marxistas/multiculturalistas da Europa Ocidental… Sabemos quem vocês são, onde moram e vamos atrás de vocês. Estamos no processo de apontar cada traidor multiculturalista na Europa Ocidental. Vocês serão punidos por cada ato de traição contra a Europa e os europeus. Com o objetivo de romper com sucesso a censura da mídia marxista/multiculturalista, somos forçados a empregar operações mais brutais e de tirar o fôlego, que resultarão em baixas".
Qual de nós, se visse essas linhas em um texto ou em um vídeo, as acharia dignas de uma resposta fundada, fundamentada e, mais que isso, responderia a elas com as armas da razão e da artilharia para a defesa dos seus efeitos?
Poucos, nenhum, ninguém, a julgar pelas medidas e reações tomadas quando o criminoso as tornou públicas na web. E vem muito ao caso dizer que tais "ideias" na Noruega, na Europa hoje, e até no Brasil, com a devida tradução, não são incomuns nem, pior, expressam uma louca exceção. Há um certo tempo aqui e ali na Noruega, Inglaterra, e outros mais puros, olhares atravessados e comentários resmungados falam algo parecido dos imigrantes não-brancos. Mas uma coisa é um olhar, dizemo-nos, uma coisa é um murmúrio, completamos, outra bem distinta é um massacre com bala dundum. Dessa vez, contra seus iguais em raça, porque estavam maculados pelo pensamento de aceitação para os diferentes.
No comunicado antes dos crimes o porta-voz dos seus iguais à direita falou as mais velhas piadas, que não mereciam o mínimo esforço para uma rápida contestação. Aquela coisa antiga, de raça, "população nativa da Europa"… mas que raça pura?, nos perguntávamos. Risos, com muitos risos respondíamos. Aquela coisa absurda de "elites marxistas/multiculturalistas da Europa Ocidental".
Putz, que é que é isso? Elite marxista, paradoxo, e multicultural, como se o mundo não fosse em si uma multicultura. Quá-quá-quá, esse cara é um humorista. E este "sabemos quem vocês são, onde moram e vamos atrás de vocês. Estamos no processo de apontar cada traidor multiculturalista na Europa Ocidental. Vocês serão punidos por cada ato de traição contra a Europa e os europeus"? Por favor, pelamordedeus, esse viking era um novo Hagar, o horrível.
E no entanto, vimos depois que o piadista devia ter sido tomado a sério e recebido de volta contra ele e assemelhados uma luta encarniçada, sem quartel, sem hora nem descanso.
De todas as maneiras, modos e pensamentos, pela escrita, pelo verbo, por atos e ações. Alerta. Se continuarmos a julgar como uma piada os mais bobos preconceitos contra sexos, raças, em resumo, contra gente, depois não seremos dignos sequer de pena. A nova e profunda depressão econômica, que não se aproxima lá, pois já começou, deveria redobrar a nossa atenção e cuidado. Uma primeira providência, de um ponto de vista intelectual, creio, seria não sorrir nunca mais de todo, do mais ridículo e risível, preconceito. Pois preconceitos são muito graves. Eles sempre matam pessoas.
Urariano Mota é escritor e jornalista, publicou contos em periódicos de oposição à ditadura; é colunista do Direto da Redação e colaborador do Observatório da Imprensa. Texto originalmente publicado no Blog da Boitempo.
Fonte: Opera Mundi
sexta-feira, 29 de julho de 2011
Se Deus existe, então tudo é permitido - por Carlos Orsi
Se Deus existe, então tudo é permitido"Sacrifício de Isaac", Caravaggio (1603)
A frase-título deste artigo é, se não me engano, um dos slogans da campanha da ATEA. Decidi usá-la para encabeçar minha postagem a respeito do atentado na Noruega porque a tragédia nórdica é uma ilustração bem clara do significado mais profundo do slogan. (Aliás, alguém poderia me explicar por que os maníacos da Al-Qaeda sempre são chamados de “terroristas islâmicos”, mas o cavaleiro templário de Oslo é um “extremista de direita” e não um “terrorista cristão”? Seria mais uma questão da multiplicidade dos pesos e medidas na mídia brasileira? Este editorial do Estadão chega ao cúmulo da delicadeza, calçando luvas de pelica para dizer apenas que o assassino “se definia como cristão conservador”. Tá, mas por que, então, não calçar as mesmas luvas e afirmar, por exemplo, que Osama bin Laden “se definia como muçulmano”?)
A questão envolvendo Deus e o que é permitido ou proibido faz parte de um campo de estudos conhecido como o das fundações (ou fundamentos) da ética. Basicamente: qual a autoridade por trás das noções de certo e errado? Uma resposta clássica é a de que tudo vem do costume.
O historiador grego Heródoto parecia concordar com isso. Ele narra um episódio que teria ocorrido na corte real persa, no qual duas delegações estrangeiras ficam horrorizadas ao saber dos costumes funerários uma da outra: uma delas cremava os mortos, e achava bárbaro devorá-los; a outra os devorava, e achava uma falta de respeito reduzir a carne dos mortos a cinzas.
A ideia de que costume é tudo que há tem apelo para um certo tipo de sensibilidade, mas soa insustentável para muita gente (se não por outro motivo, ela permite justificar escravidão, mutilação genital, genocídio e outras atrocidades, bastando para isso invocar a explicação de que “é o costume deles”); a intuição de que deve haver algum padrão mínimo universal — que talvez até comporte uma superestrutura baseada em cultura e costume — é muito forte.
Mas, de onde viria esse padrão? “Deus” é uma resposta fácil — e errada. Sabemos, de fato, que é errada há milênios, muito antes que a Al-Qaeda ou os Novos Templários aparecessem para oferecer prova concreta.
A demonstração aparece num diálogo de Platão, o Eutifro. Nele, Sócrates encontra um amigo que está prestes a denunciar o pai por assassinato, e se envolve num debate sobre a natureza da “piedade” — mas podemos trocar a palavra por “bem”, sem prejuízo para o valor do argumento.
Eutifro define que “piedade” é aquilo que os deuses amam, e impiedade é aquilo que os deuses odeiam — paralelamente, poderíamos dizer que quem vê em Deus a fundação da ética afirma que certo é o que Deus ordena, e errado, o que Deus proíbe; ou, são boas as ações que Deus aprova e más, as que Ele reprova.
Sócrates, como sói acontecer nos diálogos platônicos, usa a definição dada pelo próprio Eutifro para aplicar-lhe um jiu-jitsu filosófico. O trecho crucial é este:
Sócrates: E o que dizes da piedade, Eutifro: a piedade não é, de acordo com a tua definição, amada por todos os deuses?
Eutifro: Sim.
Sócrates: Porque ela é piedosa e sagrada, ou por alguma outra razão?
Eutifro: Não, essa é a razão.
Sócrates: Então ela é amada porque é sagrada, e não sagrada porque é amada?
Eutifro: Sim.
Em linhas gerais: se o bem e o mal não são arbitrários, se são algo além de simples decretos de um tirano cósmico, então é preciso que haja um padrão de certo e errado que não dependa da vontade divina. Porque se o padrão for, de fato, uma criação arbitrária da vontade divina, então matar, estuprar e explodir prédios podem ser atos morais — bastando, para isso, que Deus queira.
Este é, claro, o raciocínio que, aos olhos de seus praticantes, sejam eles islâmicos ou cristãos, legitima terrorismo religioso, e também o que motiva o slogan no título do artigo: se a vontade divina é a fonte suprema da ética, então a ética pode permitir (ou mesmo exigir) qualquer coisa que dê na veneta de YHWH — e um leitor casual dos livros de Josué e Samuel, na Bíblia, sabe como é fértil a imaginação para atrocidades dessa augusta personagem.
Mas, então, o que nos resta? Se o costume é insuficiente e o apelo à divindade, arbitrário, como achar o padrão? Afinal, existe um padrão?
Eu acredito que ele pode ser construído, racionalmente, a partir do reconhecimento da nossa humanidade comum — do fato de que todos sonhamos, desejamos, amamos e, quando atacados, sangramos e morremos do mesmo jeito.
Fonte: http://www.amalgama.blog.br
A frase-título deste artigo é, se não me engano, um dos slogans da campanha da ATEA. Decidi usá-la para encabeçar minha postagem a respeito do atentado na Noruega porque a tragédia nórdica é uma ilustração bem clara do significado mais profundo do slogan. (Aliás, alguém poderia me explicar por que os maníacos da Al-Qaeda sempre são chamados de “terroristas islâmicos”, mas o cavaleiro templário de Oslo é um “extremista de direita” e não um “terrorista cristão”? Seria mais uma questão da multiplicidade dos pesos e medidas na mídia brasileira? Este editorial do Estadão chega ao cúmulo da delicadeza, calçando luvas de pelica para dizer apenas que o assassino “se definia como cristão conservador”. Tá, mas por que, então, não calçar as mesmas luvas e afirmar, por exemplo, que Osama bin Laden “se definia como muçulmano”?)
A questão envolvendo Deus e o que é permitido ou proibido faz parte de um campo de estudos conhecido como o das fundações (ou fundamentos) da ética. Basicamente: qual a autoridade por trás das noções de certo e errado? Uma resposta clássica é a de que tudo vem do costume.
O historiador grego Heródoto parecia concordar com isso. Ele narra um episódio que teria ocorrido na corte real persa, no qual duas delegações estrangeiras ficam horrorizadas ao saber dos costumes funerários uma da outra: uma delas cremava os mortos, e achava bárbaro devorá-los; a outra os devorava, e achava uma falta de respeito reduzir a carne dos mortos a cinzas.
A ideia de que costume é tudo que há tem apelo para um certo tipo de sensibilidade, mas soa insustentável para muita gente (se não por outro motivo, ela permite justificar escravidão, mutilação genital, genocídio e outras atrocidades, bastando para isso invocar a explicação de que “é o costume deles”); a intuição de que deve haver algum padrão mínimo universal — que talvez até comporte uma superestrutura baseada em cultura e costume — é muito forte.
Mas, de onde viria esse padrão? “Deus” é uma resposta fácil — e errada. Sabemos, de fato, que é errada há milênios, muito antes que a Al-Qaeda ou os Novos Templários aparecessem para oferecer prova concreta.
A demonstração aparece num diálogo de Platão, o Eutifro. Nele, Sócrates encontra um amigo que está prestes a denunciar o pai por assassinato, e se envolve num debate sobre a natureza da “piedade” — mas podemos trocar a palavra por “bem”, sem prejuízo para o valor do argumento.
Eutifro define que “piedade” é aquilo que os deuses amam, e impiedade é aquilo que os deuses odeiam — paralelamente, poderíamos dizer que quem vê em Deus a fundação da ética afirma que certo é o que Deus ordena, e errado, o que Deus proíbe; ou, são boas as ações que Deus aprova e más, as que Ele reprova.
Sócrates, como sói acontecer nos diálogos platônicos, usa a definição dada pelo próprio Eutifro para aplicar-lhe um jiu-jitsu filosófico. O trecho crucial é este:
Sócrates: E o que dizes da piedade, Eutifro: a piedade não é, de acordo com a tua definição, amada por todos os deuses?
Eutifro: Sim.
Sócrates: Porque ela é piedosa e sagrada, ou por alguma outra razão?
Eutifro: Não, essa é a razão.
Sócrates: Então ela é amada porque é sagrada, e não sagrada porque é amada?
Eutifro: Sim.
Em linhas gerais: se o bem e o mal não são arbitrários, se são algo além de simples decretos de um tirano cósmico, então é preciso que haja um padrão de certo e errado que não dependa da vontade divina. Porque se o padrão for, de fato, uma criação arbitrária da vontade divina, então matar, estuprar e explodir prédios podem ser atos morais — bastando, para isso, que Deus queira.
Este é, claro, o raciocínio que, aos olhos de seus praticantes, sejam eles islâmicos ou cristãos, legitima terrorismo religioso, e também o que motiva o slogan no título do artigo: se a vontade divina é a fonte suprema da ética, então a ética pode permitir (ou mesmo exigir) qualquer coisa que dê na veneta de YHWH — e um leitor casual dos livros de Josué e Samuel, na Bíblia, sabe como é fértil a imaginação para atrocidades dessa augusta personagem.
Mas, então, o que nos resta? Se o costume é insuficiente e o apelo à divindade, arbitrário, como achar o padrão? Afinal, existe um padrão?
Eu acredito que ele pode ser construído, racionalmente, a partir do reconhecimento da nossa humanidade comum — do fato de que todos sonhamos, desejamos, amamos e, quando atacados, sangramos e morremos do mesmo jeito.
Fonte: http://www.amalgama.blog.br
quinta-feira, 28 de julho de 2011
Liberdade na rede??? : Twitter censura campanha virtual
Twitter censura campanha virtual
O sucesso do “MegaTwittaço” iniciado a 0h de ontem pela saída de Ricardo Teixeira do comando do Comitê Organizador da Copa do Mundo (COL) levou o Twitter a censurar a hashtag #ForaRicardoTeixeira, informou o portal Lancenet!. Apesar de ter sido citado em quase 25 mil mensagens em apenas 14 horas, o termo foi banido pelo serviço de microblog.
No início do dia, a hashtag chegou a liderar a relação mundial de Trending Topics (termos mais comentados). No entanto, foi retirada pelo Twitter. O serviço de microblog explicou que a tag caiu na relação de possíveis spams detectados.
A campanha #ForaRicardoTeixeira começou há uma semana, com o lançamento de um site (www.foraricardoteixeira.com.br) que contabiliza as manifestações feitas no Twitter com a hashtag. A iniciativa partiu de um grupo que prefere permanecer anônimo, mas não está atrelado a nenhuma outra entidade.
“Criamos uma ferramenta de protesto para que os brasileiros de agora em diante possam mostrar sua voz”, disse um dos líderes.
********************
E tem gente que acredita que a Internet é livre!
O sucesso do “MegaTwittaço” iniciado a 0h de ontem pela saída de Ricardo Teixeira do comando do Comitê Organizador da Copa do Mundo (COL) levou o Twitter a censurar a hashtag #ForaRicardoTeixeira, informou o portal Lancenet!. Apesar de ter sido citado em quase 25 mil mensagens em apenas 14 horas, o termo foi banido pelo serviço de microblog.
No início do dia, a hashtag chegou a liderar a relação mundial de Trending Topics (termos mais comentados). No entanto, foi retirada pelo Twitter. O serviço de microblog explicou que a tag caiu na relação de possíveis spams detectados.
A campanha #ForaRicardoTeixeira começou há uma semana, com o lançamento de um site (www.foraricardoteixeira.com.br) que contabiliza as manifestações feitas no Twitter com a hashtag. A iniciativa partiu de um grupo que prefere permanecer anônimo, mas não está atrelado a nenhuma outra entidade.
“Criamos uma ferramenta de protesto para que os brasileiros de agora em diante possam mostrar sua voz”, disse um dos líderes.
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E tem gente que acredita que a Internet é livre!
Morrissey diz que ataques na Noruega não se comparam a McDonalds.
Morrissey diz que ataques na Noruega não se comparam a McDonaldsVegetariano ativista há décadas, Morrissey está provocando mais uma polêmica na Inglaterra. O ex-vocalista do Smiths declarou esta semana que os ataques na Noruega, que resultaram em pelo menos 76 mortes, não são tão cruéis quanto o consumo de carnes promovido por grandes redes de "fast food".
"Nós vivemos em um mundo de assassinatos, como provam os eventos na Noruega", disse Morrissey durante apresentação na Polônia. "Mas isso não é nada comparado ao que acontece no McDonalds todos os dias", completou.
No mês passado, o festival belga Lokerse Feesten proibiu a venda de qualquer tipo de carne em seu espaço por um dia inteiro para garantir a presença de Morrissey em sua escalação.
Na última sexta-feira (22), o norueguês Anders Behring Breivik matou a tiros 68 pessoas que participavam de um no acampamento social-democrata na ilha. Mais cedo, uma explosão no complexo governamental em Oslo, capital do país, havia deixado oito mortos.
Fonte: UOL
"Nós vivemos em um mundo de assassinatos, como provam os eventos na Noruega", disse Morrissey durante apresentação na Polônia. "Mas isso não é nada comparado ao que acontece no McDonalds todos os dias", completou.
No mês passado, o festival belga Lokerse Feesten proibiu a venda de qualquer tipo de carne em seu espaço por um dia inteiro para garantir a presença de Morrissey em sua escalação.
Na última sexta-feira (22), o norueguês Anders Behring Breivik matou a tiros 68 pessoas que participavam de um no acampamento social-democrata na ilha. Mais cedo, uma explosão no complexo governamental em Oslo, capital do país, havia deixado oito mortos.
Fonte: UOL
[Espanha] Livro: David Graeber deixa para nós os “Fragmentos de Antropologia Anarquista” - por ANA
[Espanha] Livro: David Graeber deixa para nós os “Fragmentos de Antropologia Anarquista”O anarquismo teve e tem pouca presença no mundo acadêmico, ao contrário do marxismo. Isto se deve, em grande parte, ao anarquismo sempre estar mais interessado na prática do que às grandes discussões teóricas. Nunca foi a intenção do anarquismo avançar um modelo futuro para aplicar, mas ser fiel nos meios aos fins perseguidos, daí a influência inegável de idéias libertárias nas práticas e formas de organização de movimentos críticos à globalização capitalista.
O anarquismo sempre foi acusado de falta de solidez teórica, ao que David Graeber responde: “Mais do que uma grande teoria, poderíamos dizer que o que falta ao anarquismo é uma base teórica: um mecanismo para enfrentar os problemas reais e imediatos emergentes a partir de qualquer proposta de transformação”. Assim, o propósito deste ensaio não é outro senão responder à pergunta: “que tipo de teoria social pode realmente ser de interesse àqueles que tentam criar um mundo no qual as pessoas são livres para gerir seus próprios assuntos?”.
A Antropologia sempre teve afinidade com o anarquismo - com quem tinha laços estreitos, mais ou menos no início do século XX - pois “os antropólogos são o único grupo de cientistas sociais que conhecem as sociedades sem Estado que existem na atualidade; muitos têm vivido em algumas partes do mundo onde os Estados têm deixado de funcionar ou pelo menos temporariamente desapareceu, e onde as pessoas se organizam de forma autônoma”. A Antropologia dispõe de algumas ferramentas e de um conhecimento que pode ser valioso para lançar as bases de um projeto de transformação social cada dia mais urgente.
Livro: “Fragmentos de Antropología Anarquista”, de David Graeber
Ano de edição: 2011
Virus Editorial: www.viruseditorial.net
agência de notícias anarquistas-ana
Cigarras cantam
Nos grandes arvoredos;
Depois perecem.
Ze de Bonifácio
O anarquismo sempre foi acusado de falta de solidez teórica, ao que David Graeber responde: “Mais do que uma grande teoria, poderíamos dizer que o que falta ao anarquismo é uma base teórica: um mecanismo para enfrentar os problemas reais e imediatos emergentes a partir de qualquer proposta de transformação”. Assim, o propósito deste ensaio não é outro senão responder à pergunta: “que tipo de teoria social pode realmente ser de interesse àqueles que tentam criar um mundo no qual as pessoas são livres para gerir seus próprios assuntos?”.
A Antropologia sempre teve afinidade com o anarquismo - com quem tinha laços estreitos, mais ou menos no início do século XX - pois “os antropólogos são o único grupo de cientistas sociais que conhecem as sociedades sem Estado que existem na atualidade; muitos têm vivido em algumas partes do mundo onde os Estados têm deixado de funcionar ou pelo menos temporariamente desapareceu, e onde as pessoas se organizam de forma autônoma”. A Antropologia dispõe de algumas ferramentas e de um conhecimento que pode ser valioso para lançar as bases de um projeto de transformação social cada dia mais urgente.
Livro: “Fragmentos de Antropología Anarquista”, de David Graeber
Ano de edição: 2011
Virus Editorial: www.viruseditorial.net
agência de notícias anarquistas-ana
Cigarras cantam
Nos grandes arvoredos;
Depois perecem.
Ze de Bonifácio
Recorrências e incertezas - por José Luís Fiori
Recorrências e incertezas
O atual “impasse da dívida pública” americana não passa de um detalhe, dentro de uma luta longa e sem quartel que deverá definir os novos objetivos e caminhos estratégicos dos EUA. Como no mundo físico, estas conjunturas são momentos de grande incerteza e indeterminação, dentro de um sistema mundial que se expande e se transforma.
“Ao longo das últimas décadas, um conceito novo tem conhecido êxito cada vez maior: a noção de instabilidade dinâmica associada ao 'caos'. Este último sugere desordem, imprevisibilidade, mas veremos que não é assim. É possível (...) incluir o caos nas leis da natureza, mas contanto que generalizemos essa noção para nela incluirmos as noções de probabilidade e de irreversibilidade ”.Ilya Prigogine, “As leis do caos”, Unesp, SP, 2002, p:8
Fica muito difícil de entender a intensidade do conflito e o impasse nas negociações sobre o “aumento do limite da dívida pública americana”, quando se lê apenas a análise dos economistas, sejam eles democratas ou republicanos, ortodoxos ou keynesianos. Uma vez que todos estão de acordo com o aumento do teto da dívida, e com a necessidade de cortar gastos e aumentar impostos. Ainda que discordem sobre as dimensões e sobre o ritmo de implementação destas medidas e, mais ainda, sobre a distribuição dos seus custos, dentro da sociedade americana, que apesar disto, segundo as pesquisas, permanece indiferente com relação ao debate. Talvez, porque a população intua que o conflito não tem a ver com a questão da “dívida pública” e dos “desequilíbrios fiscais”, e envolva desacordos muito mais sérios, que transcendem o campo da economia e das disputas partidárias convencionais.
Divergências profundas, dentro do próprio establishment americano, que só reaparecem periodicamente, em momentos de grandes mudanças mundiais, e, como consequência, na hora de redefinição da estratégia política e econômica, nacional e internacional, do estado norte-americano. Ou, pelo menos, foi o que aconteceu em três momentos cruciais da histórias americana do século XX. Começando pela divisão da sociedade e da elite política norte-americana - antes e depois da Primeira Guerra Mundial - que acabou afastando os EUA da Liga das Nações, e de todas as negociações internacionais que poderiam ter impedido a Grande Crise Econômica, da década de 30, que acabou atingindo em cheio a própria economia americana.
O mesmo voltou a acontecer, antes e depois da Segunda Guerra Mundial, quando o establishment e a sociedade americana dividiram-se de cima abaixo, com relação à própria Guerra, e depois da II Guerra, com relação à estratégia de cerco e isolamento da URSS, e com relação à ordem econômica desenhada em Bretton Woods. Depois da década de 50, a estratégia geopolítica americana pacificou a Europa, e os acordos de Bretton Woods, permitiram a reconstrução do Velho Continente e do Japão, promovendo um crescimento econômico assimétrico mas contínuo, da economia mundial.
Na década de 70, entretanto, os Estados Unidos foram derrotados no Vietnã e sofreram sucessivos revezes políticos e diplomáticos. E no campo econômico, tiveram que abandonar o sistema monetário que tinham criado, em Bretton Woods. Foi uma crise dura e profunda, mas foi também o momento e a oportunidade, em que os Estados Unidos mudaram a sua política econômica internacional. A nova estratégia levou à superação da crise e à uma reviravolta dentro do sistema mundial, mas sua definição tomou uma década – pelo menos – de divisão e de lutas intestinas, em torno da Guerra do Vietnã, da crise do Dólar, do Petróleo, do Oriente Médio, etc. Passando pela retirada da Indochina, pelo fim da convertibilidade ouro-dólar, pela renúncia do presidente Nixon, e pela imensa fragilidade e desorientação dos governos de Gerald Ford e Jimmy Carter, que abriram as portas para a restauração conservadora de Ronald Reagan.
Agora de novo, na primeira década do século XXI, os revezes da política externa americana, somados aos efeitos nacionais e internacionais de sua crise econômica implodiram a coalizão de poder e o consenso dominante, desde a década de 1980, incluindo republicanos e democratas. O mais provável é que esta implosão dê lugar a um longo período de fragmentação de forças e posições, com um nível crescente de conflito e radicalidade, até que seja possível a formação de um novo consenso, como ocorreu no passado. Desta vez, entretanto, o processo será mais complexo, porque apesar das semelhanças, agora o poder americano é muito maior, e sua inserção internacional envolve disjuntivas diferentes, e incompatíveis, nos vários tabuleiros geopolíticos e econômicos do mundo.
Pode parecer paradoxal, mas o aumento do poder global dos EUA, internacionalizou sua política e sua economia, mais do que em qualquer outro país, aumentando a complexidade e confundindo seus conflitos externos, com suas lutas internas. Por isto, não existe a possibilidade, de uma simples repetição do passado, e o único absolutamente seguro, é que o atual “impasse da dívida pública” americana não passa de um incidente e de um detalhe, dentro de uma luta longa e sem quartel que deverá definir os novos objetivos e caminhos estratégicos dos EUA. Como no mundo físico, estas conjunturas são momentos de grande incerteza e indeterminação, dentro de um sistema mundial que se expande e transforma, apesar de suas recorrências.
José Luís Fiori, cientista político, é professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
Fonte: Carta Maior
O atual “impasse da dívida pública” americana não passa de um detalhe, dentro de uma luta longa e sem quartel que deverá definir os novos objetivos e caminhos estratégicos dos EUA. Como no mundo físico, estas conjunturas são momentos de grande incerteza e indeterminação, dentro de um sistema mundial que se expande e se transforma.
“Ao longo das últimas décadas, um conceito novo tem conhecido êxito cada vez maior: a noção de instabilidade dinâmica associada ao 'caos'. Este último sugere desordem, imprevisibilidade, mas veremos que não é assim. É possível (...) incluir o caos nas leis da natureza, mas contanto que generalizemos essa noção para nela incluirmos as noções de probabilidade e de irreversibilidade ”.Ilya Prigogine, “As leis do caos”, Unesp, SP, 2002, p:8
Fica muito difícil de entender a intensidade do conflito e o impasse nas negociações sobre o “aumento do limite da dívida pública americana”, quando se lê apenas a análise dos economistas, sejam eles democratas ou republicanos, ortodoxos ou keynesianos. Uma vez que todos estão de acordo com o aumento do teto da dívida, e com a necessidade de cortar gastos e aumentar impostos. Ainda que discordem sobre as dimensões e sobre o ritmo de implementação destas medidas e, mais ainda, sobre a distribuição dos seus custos, dentro da sociedade americana, que apesar disto, segundo as pesquisas, permanece indiferente com relação ao debate. Talvez, porque a população intua que o conflito não tem a ver com a questão da “dívida pública” e dos “desequilíbrios fiscais”, e envolva desacordos muito mais sérios, que transcendem o campo da economia e das disputas partidárias convencionais.
Divergências profundas, dentro do próprio establishment americano, que só reaparecem periodicamente, em momentos de grandes mudanças mundiais, e, como consequência, na hora de redefinição da estratégia política e econômica, nacional e internacional, do estado norte-americano. Ou, pelo menos, foi o que aconteceu em três momentos cruciais da histórias americana do século XX. Começando pela divisão da sociedade e da elite política norte-americana - antes e depois da Primeira Guerra Mundial - que acabou afastando os EUA da Liga das Nações, e de todas as negociações internacionais que poderiam ter impedido a Grande Crise Econômica, da década de 30, que acabou atingindo em cheio a própria economia americana.
O mesmo voltou a acontecer, antes e depois da Segunda Guerra Mundial, quando o establishment e a sociedade americana dividiram-se de cima abaixo, com relação à própria Guerra, e depois da II Guerra, com relação à estratégia de cerco e isolamento da URSS, e com relação à ordem econômica desenhada em Bretton Woods. Depois da década de 50, a estratégia geopolítica americana pacificou a Europa, e os acordos de Bretton Woods, permitiram a reconstrução do Velho Continente e do Japão, promovendo um crescimento econômico assimétrico mas contínuo, da economia mundial.
Na década de 70, entretanto, os Estados Unidos foram derrotados no Vietnã e sofreram sucessivos revezes políticos e diplomáticos. E no campo econômico, tiveram que abandonar o sistema monetário que tinham criado, em Bretton Woods. Foi uma crise dura e profunda, mas foi também o momento e a oportunidade, em que os Estados Unidos mudaram a sua política econômica internacional. A nova estratégia levou à superação da crise e à uma reviravolta dentro do sistema mundial, mas sua definição tomou uma década – pelo menos – de divisão e de lutas intestinas, em torno da Guerra do Vietnã, da crise do Dólar, do Petróleo, do Oriente Médio, etc. Passando pela retirada da Indochina, pelo fim da convertibilidade ouro-dólar, pela renúncia do presidente Nixon, e pela imensa fragilidade e desorientação dos governos de Gerald Ford e Jimmy Carter, que abriram as portas para a restauração conservadora de Ronald Reagan.
Agora de novo, na primeira década do século XXI, os revezes da política externa americana, somados aos efeitos nacionais e internacionais de sua crise econômica implodiram a coalizão de poder e o consenso dominante, desde a década de 1980, incluindo republicanos e democratas. O mais provável é que esta implosão dê lugar a um longo período de fragmentação de forças e posições, com um nível crescente de conflito e radicalidade, até que seja possível a formação de um novo consenso, como ocorreu no passado. Desta vez, entretanto, o processo será mais complexo, porque apesar das semelhanças, agora o poder americano é muito maior, e sua inserção internacional envolve disjuntivas diferentes, e incompatíveis, nos vários tabuleiros geopolíticos e econômicos do mundo.
Pode parecer paradoxal, mas o aumento do poder global dos EUA, internacionalizou sua política e sua economia, mais do que em qualquer outro país, aumentando a complexidade e confundindo seus conflitos externos, com suas lutas internas. Por isto, não existe a possibilidade, de uma simples repetição do passado, e o único absolutamente seguro, é que o atual “impasse da dívida pública” americana não passa de um incidente e de um detalhe, dentro de uma luta longa e sem quartel que deverá definir os novos objetivos e caminhos estratégicos dos EUA. Como no mundo físico, estas conjunturas são momentos de grande incerteza e indeterminação, dentro de um sistema mundial que se expande e transforma, apesar de suas recorrências.
José Luís Fiori, cientista político, é professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
Fonte: Carta Maior
quarta-feira, 27 de julho de 2011
Estado Assassino: Israel cogita revogar os Acordos de Oslo - por Barak Ravid - Haaretz
Israel cogita revogar os Acordos de Oslo
O gabinete do primeiro ministro confirmou que o Conselho Nacional de Segurança está discutindo alternativas com vistas a antecipar setembro, quando a Autoridade Palestina tentará obter o reconhecimento de um estado independente na Assembleia Geral da ONU. Uma resolução convocará as Nações Unidas para reconhecer um estado palestino com base nas fronteiras de 1967, como membro pleno da ONU. Um grupo liderado pelo conselheiro de Segurança Nacional, Ya’akov Amidror, está querendo revogar os Acordos de Oslo em resposta ao plano palestino.
Um grupo liderado pelo conselheiro de Segurança Nacional, Ya’akov Amidror, está querendo revogar os Acordos de Oslo em resposta ao plano unilateral da Autoridade Palestina de obter o reconhecimento de um estado independente.
O gabinete do primeiro ministro confirmou dia 24 de julho que o NSC [Conselho Nacional de Segurança, na sigla em inglês] estava discutindo várias alternativas antes de setembro, e as estaria apresentando, assim que elaboradas, aos representantes políticos para uma a tomada de uma decisão.
Membros do governo israelense confirmaram que discussões recentes lideradas por Amidror tinham mencionado a opção de invalidar os Acordos de Oslo. No entanto, esta não é considerada a principal alternativa, disseram. “É uma das opções que serão apresentadas aos representantes do governo”.
Enquanto isso, a Autoridade Palestina (AP) continua suas preparações para a Assembleia Geral da ONU em setembro. Os embaixadores que se encontraram em Istambul durante dois dias foram informados de que um encontro, assim que a versão final do esboço da resolução da ONU estiver pronta, teria lugar em Doha, no Qatar, com representantes da AP, do Qatar, do Egito e da Arábia Saudita, em 4 de agosto.
A resolução convocará as Nações Unidas para reconhecer um estado palestino com base nas fronteiras de 1967, como membro pleno da ONU.
Os diplomatas palestinos foram instruídos a lançarem uma campanha de relações públicas dentre as comunidades judaicas no exterior, numa tentativa de explicar a importância desse movimento.
Enquanto isso, Israel está trabalhando para agregar apoio de estados que se opõem ao movimento da ONU. E também está se preparando para “o dia seguinte”.
Um membro sênior do governo israelense disse que há três semanas o primeiro ministro Benjamin Netanyahu falou para Armidror que começasse a redigir um esboço dos planos para o dia seguinte, com outros organismos do governo. Isso inclui a recomendação de uma potencial resposta política israelense.
Evitando o Conselho de Segurança
Os representantes do governo acreditam que os palestinos vão adotar uma postura evasiva em relação ao Conselho de Segurança, a fim de evitar um potencial veto estadunidense. A proposta palestina tem uma expectativa de receber o apoio de mais de 140 membros da ONU.
Outro representante do alto escalão de Israel disse que Amidror deu início a discussões no CNS com ministros de relações exteriores, da defesa, de finanças, da indústria e do comércio, da justiça, assim como com o Gabinete de Planejamento das Forças de Defesa de Israel e com o advogado militar do Departamento de Direito Internacional.
O Conselho Nacional de Segurança pediu a vários gabinetes de governos que considerem as implicações para Israel em caso deste anunciar que considera os Acordos de Oslo nulos, dado o movimento unilateral dos palestinos, e se a Assembleia Geral aprovaria o movimento israelense.
Israel está preocupado com que os palestinos possam usar a resolução a Assembleia Geral para dar inicio a uma luta legal na Corte Internacional de Justiça em Haia, ou tentar alterar os acordos econômicos e de segurança obtidos ao longo dos últimos 18 anos.
Representantes do CNS disseram a vários governos e a organismos militares que Israel não iniciaria um movimento como esse, mas pode fazê-lo em resposta às ações palestinas. Os vários organismos foram solicitados para que apresentem suas perspectivas e opiniões legais e a oferecerem possíveis respostas. O assunto ainda não foi discutido pelos ministros.
“Netanyahu se opõe a ações como anexar assentamentos a Israel em resposta aos passos palestinos na ONU”, disse uma fonte militar israelense que tem familiaridade com as discussões. “Portanto, o CNS está avaliando outras possibilidades, sendo uma delas declarar nulos os Acordos de Oslo. Em todo caso, não há decisão, ainda”.
Os Acordos de Oslo entre Israel e a Organização para a Libertação da Palestina – OLP – foram celebrados entre 1993 e 1995, e compõem o marco legal para a relação entre Israel e a Autoridade Palestina, em matéria de segurança, economia e infraestrutura.
Abandonar os Acordos implicaria reexaminar questões-chave, principalmente o status da Autoridade Palestina na Cisjordânia.
O ministro relações exteriores Avigdor Lieberman tinha mencionado o abandono dos Acordos de Oslo num encontro com a Alta Representante da União Europeia Catherine Ashton, em 17 de junho.
Embora Lieberman apoie uma resposta como essa a um movimento unilateral por parte dos palestinos, membros do seu gabinete consideram esse tipo de ação “contra produtiva”.
Tradução: Katarina Peixoto
Fonte: Carta Maior
O gabinete do primeiro ministro confirmou que o Conselho Nacional de Segurança está discutindo alternativas com vistas a antecipar setembro, quando a Autoridade Palestina tentará obter o reconhecimento de um estado independente na Assembleia Geral da ONU. Uma resolução convocará as Nações Unidas para reconhecer um estado palestino com base nas fronteiras de 1967, como membro pleno da ONU. Um grupo liderado pelo conselheiro de Segurança Nacional, Ya’akov Amidror, está querendo revogar os Acordos de Oslo em resposta ao plano palestino.
Um grupo liderado pelo conselheiro de Segurança Nacional, Ya’akov Amidror, está querendo revogar os Acordos de Oslo em resposta ao plano unilateral da Autoridade Palestina de obter o reconhecimento de um estado independente.
O gabinete do primeiro ministro confirmou dia 24 de julho que o NSC [Conselho Nacional de Segurança, na sigla em inglês] estava discutindo várias alternativas antes de setembro, e as estaria apresentando, assim que elaboradas, aos representantes políticos para uma a tomada de uma decisão.
Membros do governo israelense confirmaram que discussões recentes lideradas por Amidror tinham mencionado a opção de invalidar os Acordos de Oslo. No entanto, esta não é considerada a principal alternativa, disseram. “É uma das opções que serão apresentadas aos representantes do governo”.
Enquanto isso, a Autoridade Palestina (AP) continua suas preparações para a Assembleia Geral da ONU em setembro. Os embaixadores que se encontraram em Istambul durante dois dias foram informados de que um encontro, assim que a versão final do esboço da resolução da ONU estiver pronta, teria lugar em Doha, no Qatar, com representantes da AP, do Qatar, do Egito e da Arábia Saudita, em 4 de agosto.
A resolução convocará as Nações Unidas para reconhecer um estado palestino com base nas fronteiras de 1967, como membro pleno da ONU.
Os diplomatas palestinos foram instruídos a lançarem uma campanha de relações públicas dentre as comunidades judaicas no exterior, numa tentativa de explicar a importância desse movimento.
Enquanto isso, Israel está trabalhando para agregar apoio de estados que se opõem ao movimento da ONU. E também está se preparando para “o dia seguinte”.
Um membro sênior do governo israelense disse que há três semanas o primeiro ministro Benjamin Netanyahu falou para Armidror que começasse a redigir um esboço dos planos para o dia seguinte, com outros organismos do governo. Isso inclui a recomendação de uma potencial resposta política israelense.
Evitando o Conselho de Segurança
Os representantes do governo acreditam que os palestinos vão adotar uma postura evasiva em relação ao Conselho de Segurança, a fim de evitar um potencial veto estadunidense. A proposta palestina tem uma expectativa de receber o apoio de mais de 140 membros da ONU.
Outro representante do alto escalão de Israel disse que Amidror deu início a discussões no CNS com ministros de relações exteriores, da defesa, de finanças, da indústria e do comércio, da justiça, assim como com o Gabinete de Planejamento das Forças de Defesa de Israel e com o advogado militar do Departamento de Direito Internacional.
O Conselho Nacional de Segurança pediu a vários gabinetes de governos que considerem as implicações para Israel em caso deste anunciar que considera os Acordos de Oslo nulos, dado o movimento unilateral dos palestinos, e se a Assembleia Geral aprovaria o movimento israelense.
Israel está preocupado com que os palestinos possam usar a resolução a Assembleia Geral para dar inicio a uma luta legal na Corte Internacional de Justiça em Haia, ou tentar alterar os acordos econômicos e de segurança obtidos ao longo dos últimos 18 anos.
Representantes do CNS disseram a vários governos e a organismos militares que Israel não iniciaria um movimento como esse, mas pode fazê-lo em resposta às ações palestinas. Os vários organismos foram solicitados para que apresentem suas perspectivas e opiniões legais e a oferecerem possíveis respostas. O assunto ainda não foi discutido pelos ministros.
“Netanyahu se opõe a ações como anexar assentamentos a Israel em resposta aos passos palestinos na ONU”, disse uma fonte militar israelense que tem familiaridade com as discussões. “Portanto, o CNS está avaliando outras possibilidades, sendo uma delas declarar nulos os Acordos de Oslo. Em todo caso, não há decisão, ainda”.
Os Acordos de Oslo entre Israel e a Organização para a Libertação da Palestina – OLP – foram celebrados entre 1993 e 1995, e compõem o marco legal para a relação entre Israel e a Autoridade Palestina, em matéria de segurança, economia e infraestrutura.
Abandonar os Acordos implicaria reexaminar questões-chave, principalmente o status da Autoridade Palestina na Cisjordânia.
O ministro relações exteriores Avigdor Lieberman tinha mencionado o abandono dos Acordos de Oslo num encontro com a Alta Representante da União Europeia Catherine Ashton, em 17 de junho.
Embora Lieberman apoie uma resposta como essa a um movimento unilateral por parte dos palestinos, membros do seu gabinete consideram esse tipo de ação “contra produtiva”.
Tradução: Katarina Peixoto
Fonte: Carta Maior
Europol se compromete a "evitar que a violência dos extremistas pelos direitos dos animais se estenda" - por ANA
Europol se compromete a "evitar que a violência dos extremistas pelos direitos dos animais se estenda"A União Européia deveria combater a violência crescente por parte dos extremistas pelos direitos dos animais renovando um diálogo que permita que possam arejar suas opiniões de forma democrática - concluiu uma conferência das agências de aplicação da lei.
Cinqüenta e oito especialistas de agências da UE - Europol e a Eurojust - reunidos na semana passada em Haia, recomendaram que os Estados-Membros da União Européia cooperem ainda mais para lidar com a violência, que, cada vez, mais inclui uso de artefatos explosivos e incendiários improvisados.
Provas forenses mostram semelhanças nos métodos empregados por ativistas de diferentes países, indicando que essas operações são organizadas internacionalmente. Na conferência também foi dito que agora, mais do que nunca, os ativistas focados em um único tema, como aqueles que atacam a indústria de pele ou aqueles que atacam a indústria farmacêutica, estão trabalhando juntos, inclusive com grupos anarquistas, para alcançar o máximo impacto possível. Seus métodos incluem ameaças telefônicas e via e-mail, intimidação de familiares de seus objetivos, atacando suas propriedades, e libertação de animais em cativeiro.
Rob Wainwright, Diretor da Europol, afirmou em um comunicado que: “Estamos preocupados com os crescentes níveis de violência usados por extremistas pelos direitos dos animais e a sua tendência a cooperar com outros extremistas da sociedade. A Europol está empenhada em ajudar as autoridades de aplicação da lei da União Européia e os responsáveis por esses setores para evitar que tal atividade se estenda. A conferência na nova sede da Europol foi um marco importante nestes esforços”.
Entre suas recomendações, a conferência disse que um novo diálogo sobre o bem-estar animal, para fornecer um fórum de opinião para ativistas, deve ser realizado pela União Européia; mais informações técnicas devem ser compartilhadas internacionalmente e deve ser implementada uma estratégia comum com a comunidade de segurança corporativa. Ressaltou-se que a defesa pacífica dos animais é legítima e a União Européia a apóia totalmente.
Por Daniel Mason
Fonte: agências de notícias internacionais
agência de notícias anarquistas-ana
de tantos instantes
para mim lembrança
as flores de cerejeira.
Matsuo Bashô
Cinqüenta e oito especialistas de agências da UE - Europol e a Eurojust - reunidos na semana passada em Haia, recomendaram que os Estados-Membros da União Européia cooperem ainda mais para lidar com a violência, que, cada vez, mais inclui uso de artefatos explosivos e incendiários improvisados.
Provas forenses mostram semelhanças nos métodos empregados por ativistas de diferentes países, indicando que essas operações são organizadas internacionalmente. Na conferência também foi dito que agora, mais do que nunca, os ativistas focados em um único tema, como aqueles que atacam a indústria de pele ou aqueles que atacam a indústria farmacêutica, estão trabalhando juntos, inclusive com grupos anarquistas, para alcançar o máximo impacto possível. Seus métodos incluem ameaças telefônicas e via e-mail, intimidação de familiares de seus objetivos, atacando suas propriedades, e libertação de animais em cativeiro.
Rob Wainwright, Diretor da Europol, afirmou em um comunicado que: “Estamos preocupados com os crescentes níveis de violência usados por extremistas pelos direitos dos animais e a sua tendência a cooperar com outros extremistas da sociedade. A Europol está empenhada em ajudar as autoridades de aplicação da lei da União Européia e os responsáveis por esses setores para evitar que tal atividade se estenda. A conferência na nova sede da Europol foi um marco importante nestes esforços”.
Entre suas recomendações, a conferência disse que um novo diálogo sobre o bem-estar animal, para fornecer um fórum de opinião para ativistas, deve ser realizado pela União Européia; mais informações técnicas devem ser compartilhadas internacionalmente e deve ser implementada uma estratégia comum com a comunidade de segurança corporativa. Ressaltou-se que a defesa pacífica dos animais é legítima e a União Européia a apóia totalmente.
Por Daniel Mason
Fonte: agências de notícias internacionais
agência de notícias anarquistas-ana
de tantos instantes
para mim lembrança
as flores de cerejeira.
Matsuo Bashô
O terror dos ressentidos - Entrevista com Nicolas Lebourg
O terror dos ressentidosEstudioso da extrema-direita mostra de que modo a rejeição ao não-europeu e ao Islã alimenta atos extremos como os atentados em Oslo
Entrevista com Nicolas Lebourg*, no blog Droite(s) Extreme(s), do Le Monde | Tradução: Antonio Martins
A partir dos primeiros elementos da investigação sobre a matança de Oslo, surge a impresssão de que o cado de Anders Behring Breivik destaca o imaginário do “logo solitário”, difundido e transformado em mito pela extrema direita radical americana. Qual é a origem do “lobo solitário”?
A tática do “lobo solitário” foi inventada pelo norte-americano Joseph Tommasi em 1974, quando ele fundou o grupúsculo Frente de Libertação Nacional-Socialista. Com o “lobo solitário”, Tommasi pretendeu transformar a fraqueza dos neo-nazis em força. Já que não existe apoio algum à extrema-direita radical; já que o governo de Washington é apenas um fantoche atrás do qual se esconde o “Governo Sionista de Ocupação” (ZOG, em inglês); já que qualquer militar de extrema-direita é um possível espião do governo ou um agente sionista, é preciso passar a um terrorismo individual. Não há nenhum risco de fuga ou traição: trabalha-se sozinho, cada um se encarrega solitariamente de promover uma ação terrorista. Tommasi foi, ele mesmo, assassinado em 1975. A metodologia só se difunde a partir dos anos 1980.
O explosivo empregado, a mistura nitrato-carburante, também é característica desta cultura, não?
É um clássico terrorista inventado nos Estados Unidos em 1970. Um carro carregado com uma mistura de nitrato de amônio, um insumo agrícola fácil de encontrar, e de óleo. Para um “lobo solitário”, é um método simples e ideal. Foi o modo de operação básico para o atentato de Oklahoma, em 1995. Este atentado foi inspirado nos Diários de Turner1, a bíblia do terrorismo neo-nazi, publicada por William Pierce, co-fundador (com Tommasi) do Partido Nacional Socialista do Povo Branco, em 1969. Em Oklahora, um carro carregado com nitrato-carburante produziu 168 mortes, feridos num raio de 800 metros, mais de 300 imóveis destruídos. Obtém-se resultados quase-militares sem sequer dispor de aparato logístico ou de redes clandestinas para fornecimento de explosivos.
Há uma mudança na natureza da violência política de extrema direita, na Europa?
Na França, após a guerra da Argélia, a OAS [Organização Armada Secreta, frente de grupos de terroristas de extrema-direita que chegou a promover atentado contra o presidente De Gaulle], promoveu diversos atentados, mas havia forças de moderação em seu interior. Quando um quadro do grupo propôs que se metralhassem pessoas ou lançassem granadas em locais de concentração popular, outros ponderaram que tais meios não eram apropriados. Depois de 1968, houve um grande período de atividade, com enfrentamentos de rua contra os esquerdistas, que se estendeu até a dissolução do grupo Ordre Nouveau [organização francesa de extrema-direita criada em 1969], em 1973. Então, sem freios políticos, alguns ativistas tornaram-se soldados perdidos, passado do enfrentamnto ritualizado entre extremistas a atos terroristas racistas
Houve em seguida casos de violência racista praticados por indivíduos ou bandos. Em todo caso, do terrorismo pós-1973 aos ataques contra minorias étnicas, o alvo não é mais o Estado, ou um grupo político. A violência instala-se no seio da sociedade, sobretudo contra populações imigrantes. E há alguns anos, surgem pequenos grupos que querem destruir os símbolos da “islamização” da Europa, como as mesquitas.
Deve-se notar que, desde os anos 1990, a extrema direita radical europeia sofreu, por meio da internet, uma grande influência da norte-americana. Os Diários de Turner foram traduzidos e difundidos livremente. O tema do “Governo Sionista de Ocupação”, contra o qual seria preciso entrar em “Resistência”, tornou-se clássico. Maxime Brunerie, um “lobo solitário” mal-sucedido, justificou sua tentativa de assassinar o presidente Jacques Chirac atribuindo-lhe a condição de “agente ZOG”. Após o 11 de setembro, a islamofobia cresceu nos Estados Unidos e se hibridizou com os elementos anteriores. No manifesto atribuído ao terrorista norueguês, ele evoca esta “Resistência” como forma de opor-se ao Islã.
Qual o papel jogado pelas temáticas islamofóbicas?
Há diversas fases, porque a islamofobia é uma mitologia vasta, que serve a diversas clientelas políticas.
Com guerra da ex-Iugoslávia difundiram-se, a partir da extrema-direita radical e da esquerda reacionária, argumentos sérvios atacando a “islamização da Europa” e associando o islamismo ao nazismo. Após o 11 de setembro, os neo-conservadores norte-americanos desencadearam uma luta contra o “islamo-fascismo” e deslocaram, para o Islã, o antigo discurso sobre a “subversão comunista” (“agentes infiltrados” no interior da sociedade, “centralização” do terrorismo etc). Estes argumentos tiveram grande sucesso – ainda que nenhum historiador confirme esta assimilação polêmica, e que o islamismo seja um fenômeno muito diferente dos fascismos.
O discurso do terrorista norueguês, que atribui a responsabilidade pela “islamização da Europa” à esquerda, não está muito distante do que costumamos ouvir na França. Nos anos 1970, de maneira marginal, o Ordre Nouveau e o Front National [partido francês de extrema-direita] asseguravam que a esquerda apoiava a imigração para poder contar com um exército revolucionário de reserva.
Há alguns anos, a galáxia arabófoba e os a ultra direita israelense desenvolveram um discurso que associava as populações europeias de origem árabe ao islamismo, este aos fascismos (os “nazislamitas”) e a esquerda ao colaboracionismo [apoio aos invasores nazistas, por governos e partidos políticos, durante a II Guerra Mundia].
Criou-se o mito da “Eurábia”, uma espécie de similar islamofóbico ao mito anti-semita dos Protocolos dos Sábios de Sião. Este conspiracionismo e este horror ao outro difundem-se mais facilmente quando são apresentados como a “resistência” contra um “fascismo” ou uma “ocupação”. Tal discurso não se restringe à extrema direita radical: é compartilhado por intelectuais e políticos. A islamofobia torna-se, na Europa uma ideologia popular, um mito mobilizador capaz de alimentar os “lobos solitários” radicais.
–
* Nicolas Lebourg é historiador e especialistas em extrema direita e violência política no Centro de Pesquisa Histórica sobre as Sociedades Mediterrâneas (CRHiSM), da Universidade de Perpignan, França
1 “Diários de Turner”, romance escrito em 1978 por William Luther Pierce, líder da organização nacionalista branca National Alliance. Foi associado a diversos atentados terroristas, inclusive a explosão do prédio do FMI em Oklahoma (1995), que matou 168 pessoas e feriu 680.
Fonte: http://www.outraspalavras.net/
Entrevista com Nicolas Lebourg*, no blog Droite(s) Extreme(s), do Le Monde | Tradução: Antonio Martins
A partir dos primeiros elementos da investigação sobre a matança de Oslo, surge a impresssão de que o cado de Anders Behring Breivik destaca o imaginário do “logo solitário”, difundido e transformado em mito pela extrema direita radical americana. Qual é a origem do “lobo solitário”?
A tática do “lobo solitário” foi inventada pelo norte-americano Joseph Tommasi em 1974, quando ele fundou o grupúsculo Frente de Libertação Nacional-Socialista. Com o “lobo solitário”, Tommasi pretendeu transformar a fraqueza dos neo-nazis em força. Já que não existe apoio algum à extrema-direita radical; já que o governo de Washington é apenas um fantoche atrás do qual se esconde o “Governo Sionista de Ocupação” (ZOG, em inglês); já que qualquer militar de extrema-direita é um possível espião do governo ou um agente sionista, é preciso passar a um terrorismo individual. Não há nenhum risco de fuga ou traição: trabalha-se sozinho, cada um se encarrega solitariamente de promover uma ação terrorista. Tommasi foi, ele mesmo, assassinado em 1975. A metodologia só se difunde a partir dos anos 1980.
O explosivo empregado, a mistura nitrato-carburante, também é característica desta cultura, não?
É um clássico terrorista inventado nos Estados Unidos em 1970. Um carro carregado com uma mistura de nitrato de amônio, um insumo agrícola fácil de encontrar, e de óleo. Para um “lobo solitário”, é um método simples e ideal. Foi o modo de operação básico para o atentato de Oklahoma, em 1995. Este atentado foi inspirado nos Diários de Turner1, a bíblia do terrorismo neo-nazi, publicada por William Pierce, co-fundador (com Tommasi) do Partido Nacional Socialista do Povo Branco, em 1969. Em Oklahora, um carro carregado com nitrato-carburante produziu 168 mortes, feridos num raio de 800 metros, mais de 300 imóveis destruídos. Obtém-se resultados quase-militares sem sequer dispor de aparato logístico ou de redes clandestinas para fornecimento de explosivos.
Há uma mudança na natureza da violência política de extrema direita, na Europa?
Na França, após a guerra da Argélia, a OAS [Organização Armada Secreta, frente de grupos de terroristas de extrema-direita que chegou a promover atentado contra o presidente De Gaulle], promoveu diversos atentados, mas havia forças de moderação em seu interior. Quando um quadro do grupo propôs que se metralhassem pessoas ou lançassem granadas em locais de concentração popular, outros ponderaram que tais meios não eram apropriados. Depois de 1968, houve um grande período de atividade, com enfrentamentos de rua contra os esquerdistas, que se estendeu até a dissolução do grupo Ordre Nouveau [organização francesa de extrema-direita criada em 1969], em 1973. Então, sem freios políticos, alguns ativistas tornaram-se soldados perdidos, passado do enfrentamnto ritualizado entre extremistas a atos terroristas racistas
Houve em seguida casos de violência racista praticados por indivíduos ou bandos. Em todo caso, do terrorismo pós-1973 aos ataques contra minorias étnicas, o alvo não é mais o Estado, ou um grupo político. A violência instala-se no seio da sociedade, sobretudo contra populações imigrantes. E há alguns anos, surgem pequenos grupos que querem destruir os símbolos da “islamização” da Europa, como as mesquitas.
Deve-se notar que, desde os anos 1990, a extrema direita radical europeia sofreu, por meio da internet, uma grande influência da norte-americana. Os Diários de Turner foram traduzidos e difundidos livremente. O tema do “Governo Sionista de Ocupação”, contra o qual seria preciso entrar em “Resistência”, tornou-se clássico. Maxime Brunerie, um “lobo solitário” mal-sucedido, justificou sua tentativa de assassinar o presidente Jacques Chirac atribuindo-lhe a condição de “agente ZOG”. Após o 11 de setembro, a islamofobia cresceu nos Estados Unidos e se hibridizou com os elementos anteriores. No manifesto atribuído ao terrorista norueguês, ele evoca esta “Resistência” como forma de opor-se ao Islã.
Qual o papel jogado pelas temáticas islamofóbicas?
Há diversas fases, porque a islamofobia é uma mitologia vasta, que serve a diversas clientelas políticas.
Com guerra da ex-Iugoslávia difundiram-se, a partir da extrema-direita radical e da esquerda reacionária, argumentos sérvios atacando a “islamização da Europa” e associando o islamismo ao nazismo. Após o 11 de setembro, os neo-conservadores norte-americanos desencadearam uma luta contra o “islamo-fascismo” e deslocaram, para o Islã, o antigo discurso sobre a “subversão comunista” (“agentes infiltrados” no interior da sociedade, “centralização” do terrorismo etc). Estes argumentos tiveram grande sucesso – ainda que nenhum historiador confirme esta assimilação polêmica, e que o islamismo seja um fenômeno muito diferente dos fascismos.
O discurso do terrorista norueguês, que atribui a responsabilidade pela “islamização da Europa” à esquerda, não está muito distante do que costumamos ouvir na França. Nos anos 1970, de maneira marginal, o Ordre Nouveau e o Front National [partido francês de extrema-direita] asseguravam que a esquerda apoiava a imigração para poder contar com um exército revolucionário de reserva.
Há alguns anos, a galáxia arabófoba e os a ultra direita israelense desenvolveram um discurso que associava as populações europeias de origem árabe ao islamismo, este aos fascismos (os “nazislamitas”) e a esquerda ao colaboracionismo [apoio aos invasores nazistas, por governos e partidos políticos, durante a II Guerra Mundia].
Criou-se o mito da “Eurábia”, uma espécie de similar islamofóbico ao mito anti-semita dos Protocolos dos Sábios de Sião. Este conspiracionismo e este horror ao outro difundem-se mais facilmente quando são apresentados como a “resistência” contra um “fascismo” ou uma “ocupação”. Tal discurso não se restringe à extrema direita radical: é compartilhado por intelectuais e políticos. A islamofobia torna-se, na Europa uma ideologia popular, um mito mobilizador capaz de alimentar os “lobos solitários” radicais.
–
* Nicolas Lebourg é historiador e especialistas em extrema direita e violência política no Centro de Pesquisa Histórica sobre as Sociedades Mediterrâneas (CRHiSM), da Universidade de Perpignan, França
1 “Diários de Turner”, romance escrito em 1978 por William Luther Pierce, líder da organização nacionalista branca National Alliance. Foi associado a diversos atentados terroristas, inclusive a explosão do prédio do FMI em Oklahoma (1995), que matou 168 pessoas e feriu 680.
Fonte: http://www.outraspalavras.net/
terça-feira, 26 de julho de 2011
Ustra, torturador do DOI-CODI e colaborador da Folha, vai a julgamento nesta quarta - por Idelber Avelar
Ustra, torturador do DOI-CODI e colaborador da Folha, vai a julgamento nesta quarta.Quem diz que Carlos Alberto Brilhante Ustra é torturador não é a Revista Fórum, é a Justiça brasileira. Em ação movida pela família Teles, em 2007, o coronel reformado do Exército que comandou o DOI-CODI de São Paulo entre 1970 e 1974 foi declarado culpado do crime de tortura. Ele poderá, a partir de amanhã, acrescentar “assassino” ao seu currículo. Haverá audiência no Fórum João Mendes, no centro de São Paulo, a partir das 14h30min, em que testemunhas da morte do jornalista Luiz Eduardo da Rocha Merlino, militante assassinado no DOI-CODI em julho de 1971, terão a oportunidade de confrontar o torturador. Os movimentos de repúdio à tortura pedem comparecimento em massa.
A ação movida pela família de Merlino é de natureza civil e já é a segunda. No primeira, o torturador conseguiu escapar graças a um artifício jurídico. Uma das várias pessoas que havia acusado Ustra não anexou documentos que comprovassem que ela havia sido, realmente, companheira de Merlino, como afirmara. Com base nesse detalhe técnico, o processo foi descartado.
O processo não visa indenização material, mas o reconhecimento, por parte do Estado brasileiro, de que o Coronel Ustra é o responsável pela morte. Merlino foi torturado durante 24 horas seguidas em julho de 1971, logo depois de ser capturado. Foi deixado sem socorro pelos militares do DOI-CODI e veio a morrer gangrenado depois de ser levado ao Hospital Geral do Exército.
O Coronel Ustra foi reconhecido em 1985 pela atriz Bete Mendes como um de seus torturadores. Estarão presentes amanhã como testemunhas cinco companheiros de Merlino no Partido Operário Comunista (Otacílio Cecchini, Eleonora Menicucci de Oliveira, Laurindo Junqueira Filho, Leane de Almeida e Ricardo Prata Soares); o ex-ministro da Secretaria Especial de Direitos Humanos, Paulo de Tarso Vanucchi; e o historiador e escritor Joel Rufino dos Santos.
As testemunhas do torturador serão José Sarney, Jarbas Passarinho, um coronel e três generais da reserva do Exécito, todo eles através de cartas precatórias. A ação é subscrita pelos advogados Fábio Konder Comparato, Claudineu de Melo e Aníbal Castro de Souza. Recentemente, o torturador Ustra foi convidado pela Folha de São Paulo para publicar artigo de opinião no jornal.
A sessão acontece nesta quarta, dia 27 de julho, às 14h30, no Fórum João Mendes, Praça João Mendes, Centro de São Paulo. É uma oportunidade raríssima de passar a limpo pelo menos uma das incontáveis atrocidades cometidas pelos torturadores e asassinos da ditadura brasileira. O movimento Tortura Nunca Mais pede comparecimento em massa.
Fonte: http://revistaforum.com.br
A ação movida pela família de Merlino é de natureza civil e já é a segunda. No primeira, o torturador conseguiu escapar graças a um artifício jurídico. Uma das várias pessoas que havia acusado Ustra não anexou documentos que comprovassem que ela havia sido, realmente, companheira de Merlino, como afirmara. Com base nesse detalhe técnico, o processo foi descartado.
O processo não visa indenização material, mas o reconhecimento, por parte do Estado brasileiro, de que o Coronel Ustra é o responsável pela morte. Merlino foi torturado durante 24 horas seguidas em julho de 1971, logo depois de ser capturado. Foi deixado sem socorro pelos militares do DOI-CODI e veio a morrer gangrenado depois de ser levado ao Hospital Geral do Exército.
O Coronel Ustra foi reconhecido em 1985 pela atriz Bete Mendes como um de seus torturadores. Estarão presentes amanhã como testemunhas cinco companheiros de Merlino no Partido Operário Comunista (Otacílio Cecchini, Eleonora Menicucci de Oliveira, Laurindo Junqueira Filho, Leane de Almeida e Ricardo Prata Soares); o ex-ministro da Secretaria Especial de Direitos Humanos, Paulo de Tarso Vanucchi; e o historiador e escritor Joel Rufino dos Santos.
As testemunhas do torturador serão José Sarney, Jarbas Passarinho, um coronel e três generais da reserva do Exécito, todo eles através de cartas precatórias. A ação é subscrita pelos advogados Fábio Konder Comparato, Claudineu de Melo e Aníbal Castro de Souza. Recentemente, o torturador Ustra foi convidado pela Folha de São Paulo para publicar artigo de opinião no jornal.
A sessão acontece nesta quarta, dia 27 de julho, às 14h30, no Fórum João Mendes, Praça João Mendes, Centro de São Paulo. É uma oportunidade raríssima de passar a limpo pelo menos uma das incontáveis atrocidades cometidas pelos torturadores e asassinos da ditadura brasileira. O movimento Tortura Nunca Mais pede comparecimento em massa.
Fonte: http://revistaforum.com.br
Em torno da bandeira anti-capitalista - por Eduardo Sales de Lima
Em torno da bandeira anti-capitalista
Apesar das últimas agitações no acampamento da Praça do Sol, em Madrid, forças progressistas se mostram fragmentadas
Eduardo Sales de Lima - Da Redação
Reféns de bancos e decepcionados com a omissão de seus governantes políticos frente à crise econômica, surge na Espanha o movimento 15 de Maio (15-M), em referência a manifestação convocada por meio da internet, há cerca de dois meses.
Livre de referências partidárias, os agrupamentos reuniram milhares pessoas de diversas matizes ideológicas anti-capitalistas. Assim, a Praça do Sol, em Madrid, inspirou-se na Praça Tahir, de Cairo, no Egito.
Mas qual o significado desse movimento? Como tem sido o comportamento dos partidos progressistas espanhóis mais tradicionais diante desse processo? Para responder essas e outras questões, conversamos com o historiador Jorge Costa Delgado, da Universidade de Cádiz e membro da movimento 15M.Brasil de Fato - Qual o significado do movimento dos “indignados” na Espanha? Possuem força política real? Qual sua formação
Jorge Costa Delgado - Não entendo bem a que se refere quando fala de “força política real”. Posso dizer que as mobilizações que tem convocado o movimento vem tendo um apoio massivo, que goza da simpatia de um setor muito amplo da população e que, até agora, tem tido aumento dessa participação, com o seu conteúdo político bastante indefinido.
Em termos eleitorais, não creio que teve um efeito notável sobre as eleições municipais e autonômicas do 22-M, mas tão pouco o movimento colocou isso como objetivo. É certo que pode influir – ainda não exclusivamente – em algumas mudanças politicas pós-eleitorais: o giro à esquerda no programa do candidato do PSOE (Pérez Rubalcaba) às próximas eleições gerais, ou a decisão da “Esquerda Unida” (partido político) de Extremadura de respeitar a decisão de suas bases contra os compromissos adquiridos pela direção nacional.
À margem de resultados eleitorais, em breve veremos as repercussões deste movimento e a orientação que tomarão as distintas vias que surgirão dele. Mas há uma sensação de esperança muito estendida (não isenta de receios), muito acima do que logrou qualquer outro movimento social na esfera política espanhola dos últimos anos.
Como tem sido a reação dos partidos de esquerda em relação à crise econômica na Espanha?
O Partido Socialista Obrero Espanhol (PSOE), no governo, tem se apegado às “recomendações” do Banco Central Europeu (BCE) e do Fundo Monetário Internacional (FMI), ante a pressão dos mercados, modificando um programa que, até o irrompimento da crise, incluía medidas sociais (se bem que, no plano econômico, não se suponha um giro substancial em relação às políticas aplicadas anteriormente e que desembocaram na crise).
A reforma trabalhista provocou uma greve geral convocada pelos sindicatos majoritários (e secundada por sindicatos minoritários, muito críticos com os primeiros) e um forte rechaço à reforma das pensões (essa ainda foi aprovada após as negociações com a Confederação Sindical de Comissões de Trabalhadores [CC.OO] e com União Geral de Trabalhadores da Espanha [UGT], talvez inseguros de seu potencial mobilizador). Mas há setores do PSOE que se mostram solidários com o 15-M, apesar do rechaço frontal de grande parte do movimento sobre o partido e sobre o governo.E a “Esquerda Unida?
A “Esquerda Unida” se opôs aos cortes do governo do PSOE, apesar de que governava em coalizão em muitos municípios e em algumas comunidades autônomas, onde a oposição era, forçadamente, muito menos marcada que em nível nacional. Apoiaram a greve geral de 29 de setembro de 2010 e rechaçaram a reforma das pensões. Muitas outras iniciativas (reforma da lei eleitoral, rechaço dos resgates bancários, oposição à intervenção na Líbia...) têm escassa repercussão política devido a sua limitada representação no Congresso (quase 1 milhão de votos e somente dois assentos). Muitos de seus militantes (especialmente os integrados nas Juventudes Comunistas) estão tendo uma grande implicação no 15-M, ao menos na cidade de onde tiveram presença). Supondo que sua implicação em outros movimentos sociais varia segundo o contexto.
Diria que há sinais de um maior distanciamento entre PSOE e “Esquerda Unida” a raiz da crise, ainda teremos que ver o que ocorre nos próximos meses. E, sobretudo, quando o PSOE perder o governo, como parece que vai ocorrer.
Como os partidos menores tem se comportado?
Há outros partidos de extrema esquerda muito minoritários, de tradição comunista. Por exemplo, a Esquerda Anticapitalista, onde eu militei até princípio deste ano. Nenhum possui presença institucional, mesmo nos movimentos sociais, onde tentam ser (é variável de acordo com o partido) muito ativos.
A posição em relação à gestão da crise é uma oposição frontal, acompanhada de uma característica que também aparece, em menor medida, mas significativamente, na “Esquerda Unida”: sua nula repercussão institucional. Com um nível de exigência ideológica muito forte, impossível de ser assumido pela maioria da população, as mobilizações marginalizam e se apagam.
Algo similar caberia dizer da extrema esquerda de tradição libertária, que não se agrupa em partidos, mas que forma associações, sobretudo em zonas urbanas, que é de onde o 15-M tem se desenvolvido. Entretanto a tendência endogâmica se agrava por causa de seu rechaço a qualquer tipo de compromisso político institucional (em teoria, haveria que ver como se resolve isso na prática) e a tendência a criar espaços supostamente à margem da ordem social hegemônico. O universalismo abstrato próprio deste modelo de participação política, que paradoxalmente se resolve em uma obsessão pelas questões puramente logísticas, também se incorpora aos movimentos em que participam.
De fato, essa tem sido uma das características dos acampamentos relacionados ao 15-M, ao menos antes de terem estendido à periferia (onde as condições sociais dos participantes modificam por completo as formas de manifestação). Ainda mais se se tem em conta que em caráter declaradamente “apartidário e assindical” dessas mobilizações se sucediam formalmente, dentro de um contexto onde os níveis de discussão política eram muito baixos e o intercâmbio de informações muito confuso, com este discurso libertário.
Existe uma aproximação entre organizações políticas de esquerda da Espanha, Portugal e Grécia?
Com relação a Portugal e Grécia não saberia te dizer. Me parece que na Grécia, a fratura entre o PASOK (Movimento Socialista Pan-Helênico) e o resto da esquerda grega é evidente, mas, desde então, não sei muito ao respeito.
Crédito das fotos: Movimento 15M e http://m.publico.pt/
Fonte: http://www.brasildefato.com.br/
Apesar das últimas agitações no acampamento da Praça do Sol, em Madrid, forças progressistas se mostram fragmentadas
Eduardo Sales de Lima - Da Redação
Reféns de bancos e decepcionados com a omissão de seus governantes políticos frente à crise econômica, surge na Espanha o movimento 15 de Maio (15-M), em referência a manifestação convocada por meio da internet, há cerca de dois meses.
Livre de referências partidárias, os agrupamentos reuniram milhares pessoas de diversas matizes ideológicas anti-capitalistas. Assim, a Praça do Sol, em Madrid, inspirou-se na Praça Tahir, de Cairo, no Egito.
Mas qual o significado desse movimento? Como tem sido o comportamento dos partidos progressistas espanhóis mais tradicionais diante desse processo? Para responder essas e outras questões, conversamos com o historiador Jorge Costa Delgado, da Universidade de Cádiz e membro da movimento 15M.Brasil de Fato - Qual o significado do movimento dos “indignados” na Espanha? Possuem força política real? Qual sua formação
Jorge Costa Delgado - Não entendo bem a que se refere quando fala de “força política real”. Posso dizer que as mobilizações que tem convocado o movimento vem tendo um apoio massivo, que goza da simpatia de um setor muito amplo da população e que, até agora, tem tido aumento dessa participação, com o seu conteúdo político bastante indefinido.
Em termos eleitorais, não creio que teve um efeito notável sobre as eleições municipais e autonômicas do 22-M, mas tão pouco o movimento colocou isso como objetivo. É certo que pode influir – ainda não exclusivamente – em algumas mudanças politicas pós-eleitorais: o giro à esquerda no programa do candidato do PSOE (Pérez Rubalcaba) às próximas eleições gerais, ou a decisão da “Esquerda Unida” (partido político) de Extremadura de respeitar a decisão de suas bases contra os compromissos adquiridos pela direção nacional.
À margem de resultados eleitorais, em breve veremos as repercussões deste movimento e a orientação que tomarão as distintas vias que surgirão dele. Mas há uma sensação de esperança muito estendida (não isenta de receios), muito acima do que logrou qualquer outro movimento social na esfera política espanhola dos últimos anos.
Como tem sido a reação dos partidos de esquerda em relação à crise econômica na Espanha?
O Partido Socialista Obrero Espanhol (PSOE), no governo, tem se apegado às “recomendações” do Banco Central Europeu (BCE) e do Fundo Monetário Internacional (FMI), ante a pressão dos mercados, modificando um programa que, até o irrompimento da crise, incluía medidas sociais (se bem que, no plano econômico, não se suponha um giro substancial em relação às políticas aplicadas anteriormente e que desembocaram na crise).
A reforma trabalhista provocou uma greve geral convocada pelos sindicatos majoritários (e secundada por sindicatos minoritários, muito críticos com os primeiros) e um forte rechaço à reforma das pensões (essa ainda foi aprovada após as negociações com a Confederação Sindical de Comissões de Trabalhadores [CC.OO] e com União Geral de Trabalhadores da Espanha [UGT], talvez inseguros de seu potencial mobilizador). Mas há setores do PSOE que se mostram solidários com o 15-M, apesar do rechaço frontal de grande parte do movimento sobre o partido e sobre o governo.E a “Esquerda Unida?
A “Esquerda Unida” se opôs aos cortes do governo do PSOE, apesar de que governava em coalizão em muitos municípios e em algumas comunidades autônomas, onde a oposição era, forçadamente, muito menos marcada que em nível nacional. Apoiaram a greve geral de 29 de setembro de 2010 e rechaçaram a reforma das pensões. Muitas outras iniciativas (reforma da lei eleitoral, rechaço dos resgates bancários, oposição à intervenção na Líbia...) têm escassa repercussão política devido a sua limitada representação no Congresso (quase 1 milhão de votos e somente dois assentos). Muitos de seus militantes (especialmente os integrados nas Juventudes Comunistas) estão tendo uma grande implicação no 15-M, ao menos na cidade de onde tiveram presença). Supondo que sua implicação em outros movimentos sociais varia segundo o contexto.
Diria que há sinais de um maior distanciamento entre PSOE e “Esquerda Unida” a raiz da crise, ainda teremos que ver o que ocorre nos próximos meses. E, sobretudo, quando o PSOE perder o governo, como parece que vai ocorrer.
Como os partidos menores tem se comportado?
Há outros partidos de extrema esquerda muito minoritários, de tradição comunista. Por exemplo, a Esquerda Anticapitalista, onde eu militei até princípio deste ano. Nenhum possui presença institucional, mesmo nos movimentos sociais, onde tentam ser (é variável de acordo com o partido) muito ativos.
A posição em relação à gestão da crise é uma oposição frontal, acompanhada de uma característica que também aparece, em menor medida, mas significativamente, na “Esquerda Unida”: sua nula repercussão institucional. Com um nível de exigência ideológica muito forte, impossível de ser assumido pela maioria da população, as mobilizações marginalizam e se apagam.
Algo similar caberia dizer da extrema esquerda de tradição libertária, que não se agrupa em partidos, mas que forma associações, sobretudo em zonas urbanas, que é de onde o 15-M tem se desenvolvido. Entretanto a tendência endogâmica se agrava por causa de seu rechaço a qualquer tipo de compromisso político institucional (em teoria, haveria que ver como se resolve isso na prática) e a tendência a criar espaços supostamente à margem da ordem social hegemônico. O universalismo abstrato próprio deste modelo de participação política, que paradoxalmente se resolve em uma obsessão pelas questões puramente logísticas, também se incorpora aos movimentos em que participam.
De fato, essa tem sido uma das características dos acampamentos relacionados ao 15-M, ao menos antes de terem estendido à periferia (onde as condições sociais dos participantes modificam por completo as formas de manifestação). Ainda mais se se tem em conta que em caráter declaradamente “apartidário e assindical” dessas mobilizações se sucediam formalmente, dentro de um contexto onde os níveis de discussão política eram muito baixos e o intercâmbio de informações muito confuso, com este discurso libertário.
Existe uma aproximação entre organizações políticas de esquerda da Espanha, Portugal e Grécia?
Com relação a Portugal e Grécia não saberia te dizer. Me parece que na Grécia, a fratura entre o PASOK (Movimento Socialista Pan-Helênico) e o resto da esquerda grega é evidente, mas, desde então, não sei muito ao respeito.
Crédito das fotos: Movimento 15M e http://m.publico.pt/
Fonte: http://www.brasildefato.com.br/
A crise ideológica do capitalismo ocidental - Por Joseph Stiglitz - Sin Permiso
A crise ideológica do capitalismo ocidental
Realmente precisamos de outro experimento custoso com ideias que fracassaram repetidamente? Não deveríamos precisar, no entanto, parece cada vez mais que teremos que suportar outro fracasso. Um fracasso na Europa ou nos Estados Unidos para voltar ao crescimento sólido seria ruim para a economia mundial. Um fracasso em ambos os lugares seria desastroso – inclusive se os principais países emergentes conseguirem um crescimento autossustentável. Lamentavelmente, a menos que prevaleçam as mentes sábias, este é o caminho para o qual o mundo se dirige.
Há apenas alguns anos atrás, uma poderosa ideologia – a crença nos mercados livres e sem restrições – levou o mundo à beira da ruína. Mesmo em seus dias de apogeu, desde o princípio dos anos oitenta até o ano de 2007, o capitalismo desregulado ao estilo estadunidense trouxe maior bem estar material só para os mais ricos no país mais rico do mundo. De fato, ao longo dos 30 anos de ascensão desta ideologia, a maioria dos estadunidenses viram suas receitas diminuir ou estancar ano após ano.
Mais do que isso, o crescimento da produção nos Estados Unidos não foi economicamente sustentável. Com tanto da receita nacional dos EUA sendo destinada para tão poucos, o crescimento só podia continuar por meio do consumo financiado por uma crescente acumulação da dívida. Eu estava entre aqueles que esperavam que, de alguma maneira a crise financeira pudesse ensinar aos estadunidenses (e a outros) uma lição acerca da necessidade de maior igualdade, uma regulação mais forte e um melhor equilíbrio entre o mercado e o governo. Desgraçadamente, isso não ocorreu. Ao contrário, um ressurgimento da economia da direita, impulsionado como sempre, por ideologia e interesses especiais, uma vez mais ameaça a economia mundial – ou, ao menos, as economias da Europa e dos EUA, onde estas ideias continuam florescendo.
Nos EUA, este ressurgimento da direita, cujos partidários, evidentemente, pretendem derrogar as leis básicas da matemática e da economia, ameaça provocar uma moratória da dívida nacional. Se o Congresso ordena gastos que superam as receitas, haverá um déficit e esse déficit deve ser financiado. Em vez de equilibrar cuidadosamente os benefícios da cada programa de gasto público com os custos de aumentar os impostos para financiar tais benefícios, a direita procura utilizar um pesado martelo – não permitir que a dívida nacional aumente, forçando os gastos a limitarem-se aos impostos.
Isso deixa aberta a interrogação sobre quais gastos terão prioridade – e se os gastos para pagar juros da dívida nacional não forem prioridade, uma moratória é inevitável. Além disso, cortar os gastos agora, em meio de uma crise em curso provocada pela ideologia de livre mercado, simples e inevitavelmente só prolongaria a recessão.
Há uma década, em meio a um período de auge econômico, os EUA enfrentavam um superávit tão grande que ameaçou eliminar a dívida nacional. Reduções de impostos insustentáveis e guerras, uma recessão importante e crescentes custos de atenção com saúde – impulsionados em parte pelo compromisso da administração de George W. Bush de outorgar às companhias farmacêuticas liberdade para a fixação de preços, inclusive com dinheiro do governo em jogo – rapidamente transformaram um enorme superávit em déficits recordes em tempos de paz.
Os remédios para o déficit dos EUA surgem imediatamente deste diagnóstico: os EUA devem trabalhar para estimular sua economia; deve-se por um fim às guerras sem sentido; controlar os custos militares e com medicamentos; aumentar impostos, ao menos para os mais ricos. Mas a direita não quer saber nada disso e está pressionando para obter ainda mais reduções de impostos para as corporações e os ricos, juntamente com os cortes de gastos em investimentos e proteção social, o que coloca o futuro da economia dos EUA em perigo e destrói o que resta do contrato social. Enquanto isso, o setor financeiro dos EUA pressiona fortemente para libertar-se das regulações, para que possa voltar às suas anteriores práticas desastrosas e despreocupadas.
Mas as coisas estão um pouco melhores na Europa. Enquanto a Grécia e outros países enfrentam crises a medicina em voga consiste simplesmente em pacotes de austeridade e privatização desgastados pelo tempo, os quais só deixarão os países que os adotarem mais pobres e vulneráveis. Esse remédio fracassou no leste da Ásia, na América Latina e em outros lugares e fracassará também na Europa. De fato, já fracassou na Irlanda, Letônia e Grécia.
Há uma alternativa: uma estratégia de crescimento econômico apoiada pela Uniçao Europeia e pelo Fundo Monetário Internacional. O crescimento restauraria a confiança de que a Grécia poderia pagar suas dívidas, fazendo com que as taxas de juros baixem e deixando mais espaço fiscal para mais investimentos que propiciem o crescimento. O crescimento por si mesmo aumenta as receitas por meio dos impostos e reduz a necessidade de gastos sociais, como o pagamento de seguro desemprego, por exemplo. Além disso, a confiança que isso engendra conduz a mais crescimento ainda.
Lamentavelmente, os mercados financeiros e os economistas de direita entenderam o problema exatamente ao contrário. Eles acreditam que a austeridade produz confiança e que a confiança produz crescimento. Mas a austeridade solapa o crescimento, piorando a situação fiscal do governo ou ao menos produzindo menos melhorias que as prometidas pelos promotores da austeridade. Em ambos os casos, se solapa a confiança e uma espiral descendente é posta em marcha.
Realmente precisamos de outro experimento custoso com ideias que fracassaram repetidamente? Não deveríamos precisar, no entanto, parece cada vez mais que teremos que suportar outro fracasso. Um fracasso na Europa ou nos Estados Unidos para voltar ao crescimento sólido seria ruim para a economia mundial. Um fracasso em ambos os lugares seria desastroso – inclusive se os principais países emergentes conseguirem um crescimento autossustentável. Lamentavelmente, a menos que prevaleçam as mentes sábias, este é o caminho para o qual o mundo se dirige.
(*) Joseph Stiglitz foi Prêmio Nobel de Economia em 2001
Tradução: Katarina Peixoto
Fonte: www.sinpermiso.info
Retirado: Carta Maior
Realmente precisamos de outro experimento custoso com ideias que fracassaram repetidamente? Não deveríamos precisar, no entanto, parece cada vez mais que teremos que suportar outro fracasso. Um fracasso na Europa ou nos Estados Unidos para voltar ao crescimento sólido seria ruim para a economia mundial. Um fracasso em ambos os lugares seria desastroso – inclusive se os principais países emergentes conseguirem um crescimento autossustentável. Lamentavelmente, a menos que prevaleçam as mentes sábias, este é o caminho para o qual o mundo se dirige.
Há apenas alguns anos atrás, uma poderosa ideologia – a crença nos mercados livres e sem restrições – levou o mundo à beira da ruína. Mesmo em seus dias de apogeu, desde o princípio dos anos oitenta até o ano de 2007, o capitalismo desregulado ao estilo estadunidense trouxe maior bem estar material só para os mais ricos no país mais rico do mundo. De fato, ao longo dos 30 anos de ascensão desta ideologia, a maioria dos estadunidenses viram suas receitas diminuir ou estancar ano após ano.
Mais do que isso, o crescimento da produção nos Estados Unidos não foi economicamente sustentável. Com tanto da receita nacional dos EUA sendo destinada para tão poucos, o crescimento só podia continuar por meio do consumo financiado por uma crescente acumulação da dívida. Eu estava entre aqueles que esperavam que, de alguma maneira a crise financeira pudesse ensinar aos estadunidenses (e a outros) uma lição acerca da necessidade de maior igualdade, uma regulação mais forte e um melhor equilíbrio entre o mercado e o governo. Desgraçadamente, isso não ocorreu. Ao contrário, um ressurgimento da economia da direita, impulsionado como sempre, por ideologia e interesses especiais, uma vez mais ameaça a economia mundial – ou, ao menos, as economias da Europa e dos EUA, onde estas ideias continuam florescendo.
Nos EUA, este ressurgimento da direita, cujos partidários, evidentemente, pretendem derrogar as leis básicas da matemática e da economia, ameaça provocar uma moratória da dívida nacional. Se o Congresso ordena gastos que superam as receitas, haverá um déficit e esse déficit deve ser financiado. Em vez de equilibrar cuidadosamente os benefícios da cada programa de gasto público com os custos de aumentar os impostos para financiar tais benefícios, a direita procura utilizar um pesado martelo – não permitir que a dívida nacional aumente, forçando os gastos a limitarem-se aos impostos.
Isso deixa aberta a interrogação sobre quais gastos terão prioridade – e se os gastos para pagar juros da dívida nacional não forem prioridade, uma moratória é inevitável. Além disso, cortar os gastos agora, em meio de uma crise em curso provocada pela ideologia de livre mercado, simples e inevitavelmente só prolongaria a recessão.
Há uma década, em meio a um período de auge econômico, os EUA enfrentavam um superávit tão grande que ameaçou eliminar a dívida nacional. Reduções de impostos insustentáveis e guerras, uma recessão importante e crescentes custos de atenção com saúde – impulsionados em parte pelo compromisso da administração de George W. Bush de outorgar às companhias farmacêuticas liberdade para a fixação de preços, inclusive com dinheiro do governo em jogo – rapidamente transformaram um enorme superávit em déficits recordes em tempos de paz.
Os remédios para o déficit dos EUA surgem imediatamente deste diagnóstico: os EUA devem trabalhar para estimular sua economia; deve-se por um fim às guerras sem sentido; controlar os custos militares e com medicamentos; aumentar impostos, ao menos para os mais ricos. Mas a direita não quer saber nada disso e está pressionando para obter ainda mais reduções de impostos para as corporações e os ricos, juntamente com os cortes de gastos em investimentos e proteção social, o que coloca o futuro da economia dos EUA em perigo e destrói o que resta do contrato social. Enquanto isso, o setor financeiro dos EUA pressiona fortemente para libertar-se das regulações, para que possa voltar às suas anteriores práticas desastrosas e despreocupadas.
Mas as coisas estão um pouco melhores na Europa. Enquanto a Grécia e outros países enfrentam crises a medicina em voga consiste simplesmente em pacotes de austeridade e privatização desgastados pelo tempo, os quais só deixarão os países que os adotarem mais pobres e vulneráveis. Esse remédio fracassou no leste da Ásia, na América Latina e em outros lugares e fracassará também na Europa. De fato, já fracassou na Irlanda, Letônia e Grécia.
Há uma alternativa: uma estratégia de crescimento econômico apoiada pela Uniçao Europeia e pelo Fundo Monetário Internacional. O crescimento restauraria a confiança de que a Grécia poderia pagar suas dívidas, fazendo com que as taxas de juros baixem e deixando mais espaço fiscal para mais investimentos que propiciem o crescimento. O crescimento por si mesmo aumenta as receitas por meio dos impostos e reduz a necessidade de gastos sociais, como o pagamento de seguro desemprego, por exemplo. Além disso, a confiança que isso engendra conduz a mais crescimento ainda.
Lamentavelmente, os mercados financeiros e os economistas de direita entenderam o problema exatamente ao contrário. Eles acreditam que a austeridade produz confiança e que a confiança produz crescimento. Mas a austeridade solapa o crescimento, piorando a situação fiscal do governo ou ao menos produzindo menos melhorias que as prometidas pelos promotores da austeridade. Em ambos os casos, se solapa a confiança e uma espiral descendente é posta em marcha.
Realmente precisamos de outro experimento custoso com ideias que fracassaram repetidamente? Não deveríamos precisar, no entanto, parece cada vez mais que teremos que suportar outro fracasso. Um fracasso na Europa ou nos Estados Unidos para voltar ao crescimento sólido seria ruim para a economia mundial. Um fracasso em ambos os lugares seria desastroso – inclusive se os principais países emergentes conseguirem um crescimento autossustentável. Lamentavelmente, a menos que prevaleçam as mentes sábias, este é o caminho para o qual o mundo se dirige.
(*) Joseph Stiglitz foi Prêmio Nobel de Economia em 2001
Tradução: Katarina Peixoto
Fonte: www.sinpermiso.info
Retirado: Carta Maior
segunda-feira, 25 de julho de 2011
Crime ambiental: cães abandonados e humilhados na Serra do Mar, em Cubatão (SP) - por Moésio Rebouças
Crime ambiental: cães abandonados e humilhados na Serra do Mar, em Cubatão (SP)As imagens em anexo falam por si mesmas. Eu as cliquei neste sábado, dia 23, no meio da tarde, quando retornava de uma caminhada até o Parque Ecológico Itutinga-Pilões, em Cubatão, no litoral paulista.São cães que ficaram para trás, literalmente abandonados pelos seus tutores e pelo Poder Público - estadual (PSDB) e municipal (PT) - durante a remoção de moradores dos bairros Cota para conjuntos da Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano (CDHU), dentro do Programa de Recuperação Socioambiental da Serra do Mar, promovido pelo Governo do Estado.
Conversei com alguns residentes das Cotas e da Água Fria, e segundo eles são centenas de cachorros abandonados que perambulam naquela região. E o pior: cada vez mais. Estão sobrevivendo pelo uso de seus instintos.Somente num raio de 200 metros, perto da Fabril, eu contei mais de 40 cachorros, alguns no cio, expostos a condições absurdas: fome, frio, açoite, desprezo, sujeira, humilhação... A tristeza no olhar destes animais é de partir o coração. É revoltante!
Este discursinho verde, sobre ecologia que tanto vemos no governo estadual e municipal é só da boca para fora.
Não tem cabimento que no Estado mais rico do Brasil, numa das cidades mais ricas do Estado de São Paulo, ainda não se tenha construído um abrigo decente para estes cachorros. É muito descaso!Por outro lado, enquanto estes animais sobrevivem sob condições degradantes, as autoridades – todas – devem estar num lugar quentinho, amplo, limpinho, comendo do bom e do melhor.
E nós, quando vamos perder o medo, deixar as lamentações “virtuais”, e efetivamente “colocar contra a parede” os governantes?
Basta de humilhação! Rebele-se, pelos animais, pela vida, todas as formas de vida!
Moésio Rebouças
• Matéria relacionada:
http://www.anda.jor.br/2010/09/06/moradores-que-sao-obrigados-a-abandonar-seus-animais-em-cubatao-sp/
Conversei com alguns residentes das Cotas e da Água Fria, e segundo eles são centenas de cachorros abandonados que perambulam naquela região. E o pior: cada vez mais. Estão sobrevivendo pelo uso de seus instintos.Somente num raio de 200 metros, perto da Fabril, eu contei mais de 40 cachorros, alguns no cio, expostos a condições absurdas: fome, frio, açoite, desprezo, sujeira, humilhação... A tristeza no olhar destes animais é de partir o coração. É revoltante!
Este discursinho verde, sobre ecologia que tanto vemos no governo estadual e municipal é só da boca para fora.
Não tem cabimento que no Estado mais rico do Brasil, numa das cidades mais ricas do Estado de São Paulo, ainda não se tenha construído um abrigo decente para estes cachorros. É muito descaso!Por outro lado, enquanto estes animais sobrevivem sob condições degradantes, as autoridades – todas – devem estar num lugar quentinho, amplo, limpinho, comendo do bom e do melhor.
E nós, quando vamos perder o medo, deixar as lamentações “virtuais”, e efetivamente “colocar contra a parede” os governantes?
Basta de humilhação! Rebele-se, pelos animais, pela vida, todas as formas de vida!
Moésio Rebouças
• Matéria relacionada:
http://www.anda.jor.br/2010/09/06/moradores-que-sao-obrigados-a-abandonar-seus-animais-em-cubatao-sp/
domingo, 24 de julho de 2011
O Horror: Homofobia à africana - Por Luís F. C. Nagao
Homofobia à africanaMinistro católico de Gana quer rastrear e prender gays e lésbicas. Enriquecido, país enfrenta desigualdade e fundamentalismo cristão
Em novo sinal de como o conservadorismo moral atormenta a África, o ministro responsável pela região ocidental de Gana, Paul Evans Aidoo, pediu ao serviço de inteligência para rastrear e prender todos os gays e lésbicas.“Todos os esforços estão sendo feitos para livrar a sociedade destas pessoas”, afirmou o católico Aidoo, que também pediu aos proprietários de terra e imóveis para informar sobre pessoas suspeitas de serem homossexuais.
Aidoo parece usar como pretexto um artigo do Código Penal de Gana (de 1992), que condena “relações carnais não naturais”. Embora a Constituição garanta a não-discriminação por motivos de raça, local de origem, opinião política, religião, credo ou sexo, não menciona opção sexual.
A declaração ocorre no contexto de preparativos para as eleições, marcadas para fevereiro próximo de que no ano que vem haverá eleições no país. A Convenção Nacional do Povo (PNC), partido de Aidoo, está no poder. Tem havido eleições regulares desde 1992, quando uma nova Constituição pôs fim a 26 anos de golpes militares e instabilidade.
Ouro e domínio europeu: Localizada no Oeste da África (Golfo da Guiné), com 11,5 milhões de habitantes, Gana é parte de uma região que sofreu, desde o século 15, ocupações europeias. Aos portugueses, primeiros a chegar, sucederam-se holandeses. Rica em ouro, a região foi também explorada por ingleses, dinamarqueses e suecos. Em 1896, a Inglaterra assumiu seu controle, que manteve até a independência (1957). Um governo nacionalista, que contribuiu para a criação da União Africana, foi deposto em 1966, num golpe em que há suspeita de participação da CIA.
As jazidas importantes de ouro, ainda não esgotadas, e exportações de manganês, diamantes, chumbo e bauxita, fazem do país uma nação de renda média. Descobriu-se um grande campo de petróleo em 2007. A economia cresceu 14,33% em 2010 – o segundo maior índice do mundo. No entanto, há enorme desigualdade: 65% dos adultos são analfabetos e a expectativa de vida é de 60 anos.
Religiões africanas, que predominavam até a colonização, são ainda praticadas em certas regiões, mas o islamismo (15%) e cristianismo (69%) predominam. Assim como em outras partes da África, é desta última matriz religiosa que partem as pressões homofóbicas.
Fonte: http://www.outraspalavras.net/
Em novo sinal de como o conservadorismo moral atormenta a África, o ministro responsável pela região ocidental de Gana, Paul Evans Aidoo, pediu ao serviço de inteligência para rastrear e prender todos os gays e lésbicas.“Todos os esforços estão sendo feitos para livrar a sociedade destas pessoas”, afirmou o católico Aidoo, que também pediu aos proprietários de terra e imóveis para informar sobre pessoas suspeitas de serem homossexuais.
Aidoo parece usar como pretexto um artigo do Código Penal de Gana (de 1992), que condena “relações carnais não naturais”. Embora a Constituição garanta a não-discriminação por motivos de raça, local de origem, opinião política, religião, credo ou sexo, não menciona opção sexual.
A declaração ocorre no contexto de preparativos para as eleições, marcadas para fevereiro próximo de que no ano que vem haverá eleições no país. A Convenção Nacional do Povo (PNC), partido de Aidoo, está no poder. Tem havido eleições regulares desde 1992, quando uma nova Constituição pôs fim a 26 anos de golpes militares e instabilidade.
Ouro e domínio europeu: Localizada no Oeste da África (Golfo da Guiné), com 11,5 milhões de habitantes, Gana é parte de uma região que sofreu, desde o século 15, ocupações europeias. Aos portugueses, primeiros a chegar, sucederam-se holandeses. Rica em ouro, a região foi também explorada por ingleses, dinamarqueses e suecos. Em 1896, a Inglaterra assumiu seu controle, que manteve até a independência (1957). Um governo nacionalista, que contribuiu para a criação da União Africana, foi deposto em 1966, num golpe em que há suspeita de participação da CIA.
As jazidas importantes de ouro, ainda não esgotadas, e exportações de manganês, diamantes, chumbo e bauxita, fazem do país uma nação de renda média. Descobriu-se um grande campo de petróleo em 2007. A economia cresceu 14,33% em 2010 – o segundo maior índice do mundo. No entanto, há enorme desigualdade: 65% dos adultos são analfabetos e a expectativa de vida é de 60 anos.
Religiões africanas, que predominavam até a colonização, são ainda praticadas em certas regiões, mas o islamismo (15%) e cristianismo (69%) predominam. Assim como em outras partes da África, é desta última matriz religiosa que partem as pressões homofóbicas.
Fonte: http://www.outraspalavras.net/
sábado, 23 de julho de 2011
Estão esperando acontecer em São Paulo: Neonazistas suspeitos dos atentados na Noruega - por Esquerda.net
Neonazistas suspeitos dos atentados na NoruegaA polícia já excluiu a hipótese de terrorismo internacional e estabeleceu a ligação entre o suspeito preso, um norueguês, e os dois ataques que provocaram pelo menos 16 mortos e muitos feridos graves. Nesta sexta à tarde, uma bomba explodiu junto à sede do governo em Oslo, fazendo sete mortos e nove feridos graves. Pouco depois, pelo menos um atirador semeou o pânico a poucos quilômetros da capital, no acampamento dos jovens do partido trabalhista, com nove mortos confirmados ao princípio da noite.
O suspeito dos ataques claramente dirigidos politicamente é norueguês e segundo a polícia terá ligações a um "meio circunscrito adversário do sistema político", a terminologia usada para referências aos movimentos neonazis e de extrema-direita.
Esta sexta à tarde, uma bomba explodiu junto à sede do governo em Oslo, fazendo sete mortos e nove feridos graves. Pouco depois, pelo menos um atirador semeou o pânico a poucos quilômetros da capital, no acampamento dos jovens do partido trabalhista, com nove mortos confirmados ao princípio da noite. No local do acampamento foram também encontrados explosivos por detonar.
A polícia norueguesa prendeu um suspeito do ataque ao acampamento desta se e diz já ter estabelecido uma ligação entre os dois ataques. O suspeito é norueguês, o que afasta a hipótese de um atentado com origem internacional.
O edifício do governo ficou muito destruído quando uma ou mais bombas explodiram por volta das 15h30 locais. O primeiro-ministro trabalhista Jens Stoltenberg não se encontrava no local e veio mais tarde classificar a situação de "muito grave".
A vinte quilômetros da capital, realizava-se o acampamento dos jovens do partido trabalhista, quando um atirador disparou sobre os presentes.
Fonte: http://www.cartamaior.com.br
O suspeito dos ataques claramente dirigidos politicamente é norueguês e segundo a polícia terá ligações a um "meio circunscrito adversário do sistema político", a terminologia usada para referências aos movimentos neonazis e de extrema-direita.
Esta sexta à tarde, uma bomba explodiu junto à sede do governo em Oslo, fazendo sete mortos e nove feridos graves. Pouco depois, pelo menos um atirador semeou o pânico a poucos quilômetros da capital, no acampamento dos jovens do partido trabalhista, com nove mortos confirmados ao princípio da noite. No local do acampamento foram também encontrados explosivos por detonar.
A polícia norueguesa prendeu um suspeito do ataque ao acampamento desta se e diz já ter estabelecido uma ligação entre os dois ataques. O suspeito é norueguês, o que afasta a hipótese de um atentado com origem internacional.
O edifício do governo ficou muito destruído quando uma ou mais bombas explodiram por volta das 15h30 locais. O primeiro-ministro trabalhista Jens Stoltenberg não se encontrava no local e veio mais tarde classificar a situação de "muito grave".
A vinte quilômetros da capital, realizava-se o acampamento dos jovens do partido trabalhista, quando um atirador disparou sobre os presentes.
Fonte: http://www.cartamaior.com.br
sexta-feira, 22 de julho de 2011
Gênova 2001-2011: 10 anos do assassinato de Carlo Giuliani - por ANA
Gênova 2001-2011: 10 anos do assassinato de Carlo Giuliani(Mortos são os policiais que o mataram e seus superiores, que, escondidos atrás de seus escudos e capacetes, tentam preencher suas vidas de morte diariamente. Os mortos são os indiferentes, aqueles que se conformam e não lutam. Para nós, só estão mortos os companheiros e companehiras que caem no esquecimento. Carlo vive!)
Gênova, 20 de julho de 2001, Piazza Alimonda - Carlo Giuliani foi morto por um policial, com um tiro na cabeça, nos protestos contra a cúpula do G8.
Carlo tinha 23 anos. Filho do conhecido sindicalista Giuliano Giuliani, havia herdado uma forte consciência política de seu pai, e esteve envolvido no movimento antiglobalização.
Naqueles dias acontecia em Gênova a cúpula do G8 que reuniu os oito países mais poderosos do mundo, para decidir o destino do mundo e de milhões de pessoas; neste contexto, o movimento antiglobalização organizou de 19 a 22 de julho massivos protestos em oposição à cúpula.
Durante esses dias, centenas de milhares de pessoas tomaram as ruas e aconteceram confrontos entre manifestantes e as centenas de policiais e soldados, armados até os dentes, que reprimiram os protestos a golpes de cassetete e gás lacrimogêneo.
Na contra-cúpula, os anarquistas e integrantes dos diferentes Black Block tentaram acessar a zona vermelha onde se reuniam os dirigentes mundiais, que eram protegidos por um exército de policiais. Em 20 de julho, dia da morte de Carlo, a repressão foi brutal, registraram-se centenas de detidos, feridos - a polícia disparou com armas de fogo pelo menos 18 vezes contra os manifestantes... e matou Carlo Giuliani.
Os acontecimentos se desenrolaram às 17h, na Piazza Alimonda. A companhia policial comandada pelo capitão Claudio Cappello (acusado de tortura durante a missão italiana na Somália) investiu duramente contra os manifestantes. Os manifestantes responderam jogando todos os tipos de objetos e pedras contra os Land Rover da polícia.
O veículo de Mario Placanica fica para trás e um grupo de manifestantes, em que Carlo está, tenta quebrar o vidro. O policial mata, com um tiro na cabeça, Carlo Giuliani. O Land Rover esmaga o corpo de Carlo por duas vezes, antes de deixar a cena do crime a toda velocidade. Vários manifestantes tentam socorrer Carlo, mas uma nova investida policial impede. O corpo do jovem permanece no chão por quase meia hora, sem receber os primeiros socorros e custodiado pela polícia. Nos primeiros minutos seu coração ainda batia.
Os líderes que estavam reunidos na cúpula continuam normalmente, no Palácio Ducal em Gênova; Silvio Berlusconi saúda os objetivos do conclave por a sua "alma humanitária" e "coração generoso", enquanto Carlo Giuliani, ativista antiglobalização, sangrava e morria em uma rua próxima. 10 anos depois, o policial que o assassinou foi liberado recentemente. Apesar de muitos vídeos e documentos disponíveis, de acordo com a Justiça, uma "pedra de origem desconhecida" causou sua morte.
Diversos atos o recordarão esses dias, tanto em Gênova como em outras cidades européias. Em Berlim uma manifestação aconteceu na área de Kreuzberg. Um Black Block composto por cerca de 1000 pessoas surgiu do nada, surpreendendo os policiais implantados, e tomando a área de Kreuzberg. Houve confrontos com a polícia.
Em sua cidade natal, ontem começou o “Gênova 2011”, para comemorar os motins de 2001 e a morte de Carlo por um mês. Na quarta-feira uma homenagem reuniu familiares e amigos no lugar do crime, a Piazza Alimonda, 10 anos após a morte do jovem.
Hoje, quinta-feira, uma marcha passará pela escola Diaz, em que foi instalado em 2001 o Fórum Social de Gênova, que foi invadido pela polícia durante os protestos.
No próximo sábado será realizado o ato principal, uma massiva marcha pelo centro de Gênova, que deverá envolver cerca de 10.000 pessoas.
Carlo vive!
agência de notícias anarquistas-ana
Num atalho da montanha
Sorrindo
uma violeta
Matsuo Bashô
Gênova, 20 de julho de 2001, Piazza Alimonda - Carlo Giuliani foi morto por um policial, com um tiro na cabeça, nos protestos contra a cúpula do G8.
Carlo tinha 23 anos. Filho do conhecido sindicalista Giuliano Giuliani, havia herdado uma forte consciência política de seu pai, e esteve envolvido no movimento antiglobalização.
Naqueles dias acontecia em Gênova a cúpula do G8 que reuniu os oito países mais poderosos do mundo, para decidir o destino do mundo e de milhões de pessoas; neste contexto, o movimento antiglobalização organizou de 19 a 22 de julho massivos protestos em oposição à cúpula.
Durante esses dias, centenas de milhares de pessoas tomaram as ruas e aconteceram confrontos entre manifestantes e as centenas de policiais e soldados, armados até os dentes, que reprimiram os protestos a golpes de cassetete e gás lacrimogêneo.
Na contra-cúpula, os anarquistas e integrantes dos diferentes Black Block tentaram acessar a zona vermelha onde se reuniam os dirigentes mundiais, que eram protegidos por um exército de policiais. Em 20 de julho, dia da morte de Carlo, a repressão foi brutal, registraram-se centenas de detidos, feridos - a polícia disparou com armas de fogo pelo menos 18 vezes contra os manifestantes... e matou Carlo Giuliani.
Os acontecimentos se desenrolaram às 17h, na Piazza Alimonda. A companhia policial comandada pelo capitão Claudio Cappello (acusado de tortura durante a missão italiana na Somália) investiu duramente contra os manifestantes. Os manifestantes responderam jogando todos os tipos de objetos e pedras contra os Land Rover da polícia.
O veículo de Mario Placanica fica para trás e um grupo de manifestantes, em que Carlo está, tenta quebrar o vidro. O policial mata, com um tiro na cabeça, Carlo Giuliani. O Land Rover esmaga o corpo de Carlo por duas vezes, antes de deixar a cena do crime a toda velocidade. Vários manifestantes tentam socorrer Carlo, mas uma nova investida policial impede. O corpo do jovem permanece no chão por quase meia hora, sem receber os primeiros socorros e custodiado pela polícia. Nos primeiros minutos seu coração ainda batia.
Os líderes que estavam reunidos na cúpula continuam normalmente, no Palácio Ducal em Gênova; Silvio Berlusconi saúda os objetivos do conclave por a sua "alma humanitária" e "coração generoso", enquanto Carlo Giuliani, ativista antiglobalização, sangrava e morria em uma rua próxima. 10 anos depois, o policial que o assassinou foi liberado recentemente. Apesar de muitos vídeos e documentos disponíveis, de acordo com a Justiça, uma "pedra de origem desconhecida" causou sua morte.
Diversos atos o recordarão esses dias, tanto em Gênova como em outras cidades européias. Em Berlim uma manifestação aconteceu na área de Kreuzberg. Um Black Block composto por cerca de 1000 pessoas surgiu do nada, surpreendendo os policiais implantados, e tomando a área de Kreuzberg. Houve confrontos com a polícia.
Em sua cidade natal, ontem começou o “Gênova 2011”, para comemorar os motins de 2001 e a morte de Carlo por um mês. Na quarta-feira uma homenagem reuniu familiares e amigos no lugar do crime, a Piazza Alimonda, 10 anos após a morte do jovem.
Hoje, quinta-feira, uma marcha passará pela escola Diaz, em que foi instalado em 2001 o Fórum Social de Gênova, que foi invadido pela polícia durante os protestos.
No próximo sábado será realizado o ato principal, uma massiva marcha pelo centro de Gênova, que deverá envolver cerca de 10.000 pessoas.
Carlo vive!
agência de notícias anarquistas-ana
Num atalho da montanha
Sorrindo
uma violeta
Matsuo Bashô
Racismo sem racistas - por Ana Maria Gonçalves
Racismo sem racistas, por Ana Maria Gonçalves“Hoje em dia, com exceção de membros de organizações brancas supremacistas, poucos brancos nos Estados Unidos se proclamam “racistas”. A maioria dos brancos afirma que “não vê cor alguma, apenas pessoas”; que embora a face feia do racismo ainda esteja entre nós, não é mais fator central determinando as oportunidades de vida das minorias; e, finalmente, que, como Dr. Martin Luther King Jr, eles sonham em viver em uma sociedade na qual as pessoas sejam julgadas pelo caráter, não pela cor da pele. Mais incisivamente, a maioria dos brancos insiste que as minorias (especialmente os negros) são os responsáveis por “playing the race card” (expressão usada para apontar uso vitimizador e mal intencionado da diferença racial), por exigirem a manutenção de programas desnecessários e divisivos baseados em raças, como ações afirmativas, e por bradar “racismo” sempre que são criticados por brancos. A maioria dos brancos acredita que se os negros e outras minorias simplesmente parassem de pensar no passado, trabalhassem duro e reclamassem menos (particularmente de discriminação racial), então americanos de todas as cores poderiam viver em paz.”
O texto acima é o parágrafo inicial do livro Racism without racists, de Eduardo Bonilla-Silva, sobre o que nos EUA está sendo chamado de “color-blind racism”, ou apenas “color blindness” (algo como o racismo que não leva em conta a cor/raça). Este é apenas um dos muitos estudos publicados sobre esse novo tipo de racismo (para os norte-americanos) que, segundo Bonilla-Silva, é muito parecido com o racismo existente nos países caribenhos e latino-americanos, Brasil incluido. Esse tipo de racismo permite manter os privilégios dos brancos sem alarde, sem nomear aqueles a quem ele submete e aqueles a quem beneficia. Ele deu cobertura para que o ex-presidente Bush (filho), por exemplo, expressando a opinião de muitos norte-americanos, dissesse “Eu apoio enfaticamente todo tipo de diversidade, inclusive a diversidade racial no ensino superior”, ao mesmo tempo em que chamava o programa de ação afirmativa da Universidade de Michingan de “falho”, “inconstitucional” e “discriminatório” contra os brancos.
A universidade de Michigan usa um sistema de pontuação para aprovar seus candidatos, em uma escala que vai até 150 pontos. Se o aluno gabaritar o SAT (uma prova que geralmente envolve matemática, escrita e leitura crítica), ganha 12 pontos, ou 20, no caso de pertencer a alguma minoria. Bush, ao chamar esse sistema de injusto e inconstitucional, esqueceu-se de mencionar o tipo de ação afirmativa do qual se beneficiou, o “legacy admittee”. Através desse sistema, presente nas principais universidades norte-americanas, filhos de ex-alunos, quase todos brancos e ricos, têm preferência na admissão. Isso permitiu que Bush, um aluno média C durante o colegial e com um SAT de 180 pontos abaixo da média norte-americana, fosse admitido em YALE, uma das universidades mais disputadas e bem ranqueadas, seguindo os passos de Bush pai e Bush avô. Esse sistema preferencial ganhou força após a Primeira Guerra Mundial, sob um regime de segregação racial e quando os Estados Unidos estavam recebendo grande fluxo de imigrantes, e ainda hoje garante de 10 a 30% das vagas para filhos de ex-alunos. No livro The Shape of the river, os autores e ex-presidentes de Harvard e de Princeton admitem que os “legacy students” têm quase o dobro de chance de serem admitidos se comparados a alunos sem laços familiares anteriores com as instituições. Embora esse programa seja do tipo de reserva de vagas ele raramente foi citado ao lado de argumentos como “os alunos negros estão tirando vagas de alunos mais capacitados”. Talvez o “color-blind racism” impeça muitos de verem a cor dos privilegiados, assim como a dos desprivilegiados, afinal de contas, “we are all Americans”.
O “color-blind racism” permite que certos privilégios sejam mantidos na era pós Direitos Civis, sem que sejam vistos como tais, já que ninguém é impedido de entrar onde quiser, de frequentar as escolas para as quais se qualifica, de usar os banheiros públicos mais convenientes, de se casar com a pessoa pela qual se apaixona (embora mais de um terço dos norte-americanos desaprove os casamentos inter-raciais, porque estão preocupados com o bem-estar dos filhos dessas uniões), ou de ocupar qualquer acento vago nos ônibus, trens e metrôs. A eleição do primeiro negro presidente dos Estados Unidos da América, como afirmaram muitos americanos, inclusive negros, era a prova de que o país não era mais racista, que os negros não teriam mais desculpas para explicar as desigualdades sociais, políticas, culturais e econômicas em relação aos brancos. Era a prova, festejavam muitas mães negras, de que o “american dream” também estava disponível para seus filhos, que seriam os únicos responsáveis pelo próprio sucesso ou fracasso. Enfim, chegava ao país a tão sonhada democracia racial.
Em sua análise sobre a eleição de Obama, Bonilla-Silva diz que seu sucesso foi ter “adotado uma persona e uma política pós-racial. Ele se distanciou da maioria dos líderes dos Movimentos Civis, de seu próprio reverendo, de sua igreja e de qualquer um que o fizesse parecer “muito preto” e “muito político”. O que o fez ser visto pelos seus eleitores brancos como “o primeiro líder negro que eles se sentiam confortáveis em apoiar, porque ele não fala de racismo; porque ele os faz lembrar, sempre que tem a oportunidade, que é metade branco; porque ele é, nas palavras do senador Biden, (…), ‘o primeiro afro-americano influente que é articulado, inteligente, virtuoso e bem apessoado.’ ; porque Obama fala sobre unidade nacional; e porque ele, diferente de líderes negros odiados pelos brancos, como Jesse Jakson e Al Sharpton, não os faz se sentirem culpados pela situação das relações raciais no país.”
Acho interessante, principalmente, essa última frase, pois ela me remete ao significado do mito da democracia racial brasileira para a elite que estava tentando salvar o Brasil de seu destino de país condenado pela miscigenação, de seu racismo velado (na época, nem tanto) e segregador. O que me faz lembrar de uma entrevista de Gilberto Freyre ao JB, em 14/04/1979. Perguntado quem chegaria primeira à presidência da república no Brasil, o negro ou a mulher, ele respondeu: “O negro. Acho que ele tem mais possibilidades de chegar a essa culminância.” Gostaria que ele tivesse vivido para ver.; e que todos soubessem o casal Obama foi beneficiado por programas de ações afirmativas quando na universidade. Se Barack não tivesse recebido essa forcinha, quem seria hoje a presidenta dos EUA?
Fonte: http://revistaforum.com.br/
O texto acima é o parágrafo inicial do livro Racism without racists, de Eduardo Bonilla-Silva, sobre o que nos EUA está sendo chamado de “color-blind racism”, ou apenas “color blindness” (algo como o racismo que não leva em conta a cor/raça). Este é apenas um dos muitos estudos publicados sobre esse novo tipo de racismo (para os norte-americanos) que, segundo Bonilla-Silva, é muito parecido com o racismo existente nos países caribenhos e latino-americanos, Brasil incluido. Esse tipo de racismo permite manter os privilégios dos brancos sem alarde, sem nomear aqueles a quem ele submete e aqueles a quem beneficia. Ele deu cobertura para que o ex-presidente Bush (filho), por exemplo, expressando a opinião de muitos norte-americanos, dissesse “Eu apoio enfaticamente todo tipo de diversidade, inclusive a diversidade racial no ensino superior”, ao mesmo tempo em que chamava o programa de ação afirmativa da Universidade de Michingan de “falho”, “inconstitucional” e “discriminatório” contra os brancos.
A universidade de Michigan usa um sistema de pontuação para aprovar seus candidatos, em uma escala que vai até 150 pontos. Se o aluno gabaritar o SAT (uma prova que geralmente envolve matemática, escrita e leitura crítica), ganha 12 pontos, ou 20, no caso de pertencer a alguma minoria. Bush, ao chamar esse sistema de injusto e inconstitucional, esqueceu-se de mencionar o tipo de ação afirmativa do qual se beneficiou, o “legacy admittee”. Através desse sistema, presente nas principais universidades norte-americanas, filhos de ex-alunos, quase todos brancos e ricos, têm preferência na admissão. Isso permitiu que Bush, um aluno média C durante o colegial e com um SAT de 180 pontos abaixo da média norte-americana, fosse admitido em YALE, uma das universidades mais disputadas e bem ranqueadas, seguindo os passos de Bush pai e Bush avô. Esse sistema preferencial ganhou força após a Primeira Guerra Mundial, sob um regime de segregação racial e quando os Estados Unidos estavam recebendo grande fluxo de imigrantes, e ainda hoje garante de 10 a 30% das vagas para filhos de ex-alunos. No livro The Shape of the river, os autores e ex-presidentes de Harvard e de Princeton admitem que os “legacy students” têm quase o dobro de chance de serem admitidos se comparados a alunos sem laços familiares anteriores com as instituições. Embora esse programa seja do tipo de reserva de vagas ele raramente foi citado ao lado de argumentos como “os alunos negros estão tirando vagas de alunos mais capacitados”. Talvez o “color-blind racism” impeça muitos de verem a cor dos privilegiados, assim como a dos desprivilegiados, afinal de contas, “we are all Americans”.
O “color-blind racism” permite que certos privilégios sejam mantidos na era pós Direitos Civis, sem que sejam vistos como tais, já que ninguém é impedido de entrar onde quiser, de frequentar as escolas para as quais se qualifica, de usar os banheiros públicos mais convenientes, de se casar com a pessoa pela qual se apaixona (embora mais de um terço dos norte-americanos desaprove os casamentos inter-raciais, porque estão preocupados com o bem-estar dos filhos dessas uniões), ou de ocupar qualquer acento vago nos ônibus, trens e metrôs. A eleição do primeiro negro presidente dos Estados Unidos da América, como afirmaram muitos americanos, inclusive negros, era a prova de que o país não era mais racista, que os negros não teriam mais desculpas para explicar as desigualdades sociais, políticas, culturais e econômicas em relação aos brancos. Era a prova, festejavam muitas mães negras, de que o “american dream” também estava disponível para seus filhos, que seriam os únicos responsáveis pelo próprio sucesso ou fracasso. Enfim, chegava ao país a tão sonhada democracia racial.
Em sua análise sobre a eleição de Obama, Bonilla-Silva diz que seu sucesso foi ter “adotado uma persona e uma política pós-racial. Ele se distanciou da maioria dos líderes dos Movimentos Civis, de seu próprio reverendo, de sua igreja e de qualquer um que o fizesse parecer “muito preto” e “muito político”. O que o fez ser visto pelos seus eleitores brancos como “o primeiro líder negro que eles se sentiam confortáveis em apoiar, porque ele não fala de racismo; porque ele os faz lembrar, sempre que tem a oportunidade, que é metade branco; porque ele é, nas palavras do senador Biden, (…), ‘o primeiro afro-americano influente que é articulado, inteligente, virtuoso e bem apessoado.’ ; porque Obama fala sobre unidade nacional; e porque ele, diferente de líderes negros odiados pelos brancos, como Jesse Jakson e Al Sharpton, não os faz se sentirem culpados pela situação das relações raciais no país.”
Acho interessante, principalmente, essa última frase, pois ela me remete ao significado do mito da democracia racial brasileira para a elite que estava tentando salvar o Brasil de seu destino de país condenado pela miscigenação, de seu racismo velado (na época, nem tanto) e segregador. O que me faz lembrar de uma entrevista de Gilberto Freyre ao JB, em 14/04/1979. Perguntado quem chegaria primeira à presidência da república no Brasil, o negro ou a mulher, ele respondeu: “O negro. Acho que ele tem mais possibilidades de chegar a essa culminância.” Gostaria que ele tivesse vivido para ver.; e que todos soubessem o casal Obama foi beneficiado por programas de ações afirmativas quando na universidade. Se Barack não tivesse recebido essa forcinha, quem seria hoje a presidenta dos EUA?
Fonte: http://revistaforum.com.br/
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