O anonimato permanece importante
Depois de um norte-americano admitir ter inventado o personagem “Gay Girl in Damascus”, a validade de blogues tem sido questionada.
Por Jillian C. York
Ao longo das últimas semanas, muito da atenção do mundo foi capturada pela história da suposta blogueira síria Amina Arraf, também conhecida como “Gay Girl em Damasco” (em português, “Garota Gay em Damasco”).
Dos relatos de 6 de junho sobre o alegado sequestro de Arraf pelas forças de segurança sírias à confissão de 12 de junho do americano Tom MacMaster de que ele havia fabricado a persona de Arraf, a história se desenrolou rapidamente, deixando o público confuso.
É central nesta história o papel que a mídia tradicional desempenhou em perpetuar aquilo que agora se sabe ser um boato. Embora a persona de Amina Arraf tenha sido criada em 2007, o blogue de Arraf não ganhou proeminência até o inicio deste ano quando, depois de ganhar um pouco de popularidade na blogosfera, duas grandes publicações – o Guardian e CBS – escreveram artigo traçando um perfil da blogueira.
Enquanto há uma miríade de razões pela qual a história era convincente (diversos escritores sugeriram que era a identidade sexual de Arraf que chamou a audiência), a atenção dada a ela por confiáveis entidades jornalísticas sem dúvida deu credibilidade ao blogue.
O Guardian em particular entrou no fogo cruzado em função de um artigo de março, no qual um jornalista com pseudônimo em Damasco “entrevistou” Arraf, sem mencionar que a jornalista nunca encontrou a blogueira em pessoa. Depois, quando relataram do sequestro de Arraf, o mesmo jornal dos eventos como fatos, sem a segurança de termos como “supostamente” ou “alegadamente”.
Lições para os jornalistas
O tratamento da história de Arraf levanta séries questões a respeito de trabalhar com fontes, bem como a maneira de citar fontes colhidas da mídia social. Jornalistas reportando sobre Arraf deveriam ter notado que não a conheceram pessoalmente. Ao levar a coisa adiante, eles poderiam ter usado a informação fornecida em seu blogue – incluindo aquilo que alegava ser seu nome completo – para tentar verificar sua identidade. O fracasso deles em tomar estas precauções é uma questão de integridade jornalística.
Indo adiante, será vital para os jornalistas que desejam incorporar fontes online aos seus trabalhos que desenvolvam a alfabetização da rede: a habilidade de melhor identificar e usar informação recolhida de redes online.
No Global Voices, onde escrevo desde 2007, autores reportam somente baseados em blogues e mídia social, tornando difícil de verificar o conteúdo. E ainda assim, como os autores escrevem sobre um lugar que eles bem conhecem – tipicamente seu país de origem ou de residência atual – eles podem confiar em suas próprias redes para vetar e verificar conteúdos.
Ao longo dos anos, somente alguns poucos erros foram cometidos (incluindo minha própria reportagem sobre Amina Arraf). Por outro lado, o Global Voices também, em inúmeras ocasiões, desmascarou erros de reportagem da grande mídia por estar seguindo de perto a blogosfera local.
Alguns erros são inevitáveis quando se utiliza fontes online, mas se baseando em redes confiáveis, a vasta maioria – incluindo, sem dúvida, a reportagem de Amina Arraf – são evitáveis.
Blogando com pseudônimos: uma história
Ao mesmo tempo, o caso de Arraf – que não foi um de anonimato, mas um de decepção e falsa identidade – não deveria colocar em questão os direitos dos blogueiros de permanecerem anônimos.
Blogueiros da região há muito confiam em pseudônimos para ficarem a salvo. Quando “Salam Pax” começou a blogar de Bagdá no começo dos 2000, a utilização do pseudônimo era crucial: não somente ele era crítico ao regime, mas era também abertamente gay.
O blogueiro egípcio “Sandmonkey” só recentemente revelou sua verdadeira identidade, depois de ser atacado e espancado pela polícia do estado enquanto tentava entregar suprimentos médicos aos manifestantes na Praça Tahrir. Numa entrevista, ele disse que o ataque foi uma motivação para que ele revelasse sua verdadeira identidade.
Em países autoritários como a Síria, blogueiros que se levantam contra o regime estão se arriscando a serem presos, ou pior. No México, blogueiros – como aqueles por trás do Blog Del Narco – que relatam as ações dos cartéis, usam pseudônimos para se livrarem de retaliações. E em muitos lugares, autoritários como livres, blogueiros que são membros da comunidade LGBT permanecem anônimos por uma questão de segurança pessoal.
O direito ao anonimato
O direito ao anonimato online é vital, mas permanece amplamente desprotegido. No Reino Unido, alguns tribunais decidiram por vezes desmascaras os blogueiros anônimos. E enquanto o anonimato é protegido pela Primeira Emenda nos Estados Unidos, em 2009, uma ordem de um tribunal exigiu que o Google fornecesse o nome de um blogueiro que usava a plataforma do Blogspot para difamar uma modelo.
Enquanto este último exemplo nos lembra que discursos maliciosos tipicamente não são protegidos, mas muitos que confiam no anonimato o fazem não por força de um desejo de disparar insultos com impunidade, mas por uma genuína necessidade de segurança.
O discurso anônimo é, portanto, vital: permite que indivíduos em comunidades marginalizadas ou em situações de risco se levantem e falem quando de outra forma seria arriscado fazê-lo.
Tradução de Cainã Vidor. Publicado por Al Jazeera.
Fonte: http://www.revistaforum.com.br/
terça-feira, 5 de julho de 2011
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