É necessário fazer uma análise crítica sobre o que significou, para o Brasil, o fenômeno da AGP. Essa análise pode contribuir com uma reflexão acerca dos erros e acertos do movimento. Por Felipe Corrêa
Espero que as idéias aqui defendidas sirvam para ir deixando de lado os vícios do movimento e possamos construir um edifício de bases sólidas e com ar fresco a partir do qual possamos trabalhar pela futura revolução. [...] A crítica e o debate devem ser ferramentas para a construção, antes de tudo.José Antônio Gutierrez Danton
PALAVRAS INICIAIS
Escrevo esta série a convite do site Passa Palavra, buscando contribuir com os debates que vêm sendo feitos com a publicação do artigo “A Esquerda fora do Eixo“, o qual discute a onda de mobilizações que culminou nas Marchas da Liberdade em todo o país.
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Esse balanço crítico tem como intenção constituir mais uma contribuição da minha geração para o registro de uma experiência que, dentre erros e acertos, acumulou muito. Infelizmente, nossa geração ainda não produziu muito sobre o tema, e atribuo a esse fator parte da culpa pelo andamento de diversas mobilizações, que continuam, em grande medida, a carregar distintos elementos promovidos ou mesmo desenvolvidos no contexto da AGP. É certo que, dentre os companheiros que atuaram no movimento do final dos anos 1990 até meados dos anos 2000, talvez minha autocrítica tenha sido uma das mais radicais, dentre aqueles que permaneceram na militância. Muito dessa autocrítica serviu para minha mudança de posição, mas devo reconhecer que formalizei pouco minhas reflexões [1], e é isso o que pretendo fazer aqui. Obviamente o texto refletirá muito daquilo que vi em meu principal local de atuação, São Paulo.
Sinto-me muito à vontade com a crítica, pois, como coloquei, essas posições para mim são, antes de mais nada, uma autocrítica às práticas que tive e que investi muito tempo, dedicação e esforço. Posições que, por uma série de fatores, demorei a assumir e que, com essa discussão, busco contribuir com outros para que não incorram nos mesmos erros e possam corrigi-los. Gostaria, sinceramente, que outros companheiros e companheiras de localidades distintas se posicionassem, nos casos em que as minhas generalizações não derem conta das diversas realidades do movimento ou que os fatos tenham se dado de maneira outra daquela que aqui é colocada. Vale ressaltar que, ainda que essa série trate do movimento brasileiro, ele não difere muito de vários outros lugares do mundo, que tiveram características semelhantes.
Serão, como já se deve ter notado, artigos em tom informal, de depoimento pessoal, “da militância para a militância”, ou mesmo para os setores da esquerda que lêem esse portal e que têm algum interesse político em acordo com as linhas que ele defende. É fundamentalmente uma contribuição para as gerações mais novas, que estão buscando alternativas políticas.
A AÇÃO GLOBAL DOS POVOS
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No Brasil, a idéia da AGP chegou depois das manifestações de 1999, organizando-se pela primeira vez no estado de São Paulo em 2000, primeiro na Baixada Santista e na capital, no Primeiro de Maio, que poderia ser considerado como um ensaio do que seria o S26 (26/09/2000), marco da consolidação do movimento em solo brasileiro. Desenvolve-se a partir daí, uma série de mobilizações e dias de ação global, alguns abertamente inspirados nos princípios da AGP, e outros com alguma influência — como foi o caso do “Dia Sem Compras”, em Belo Horizonte, nos fins de 2000, e os protestos contra a morte de Edson Neris por skinheads fascistas em São Paulo, no início de 2001.
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O ano de 2002 foi marcado pela realização do 1º Carnaval Revolução, em Belo Horizonte, em fevereiro, e pelos protestos contra o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), em Fortaleza, durante o mês de março, com 5 mil pessoas nas ruas e com desdobramentos em São Paulo e Belo Horizonte. Um ano depois do A20, 2 mil manifestantes protestam novamente em São Paulo, entregando uma carta gigante, endereçada ao ministro da Fazenda, no Banco Central, com o dizer “ALCA nem fodendo” e assistindo a um documentário sobre o ato do ano anterior. Nesse contexto, realiza-se em São Paulo, no mês de agosto, a primeira Bicicletada, reunindo “ciclo-ativistas”. Ao final do ano, em 31 de outubro, 2 mil pessoas protestam em São Paulo contra a ALCA com um tour pelo centro da cidade e, no dia seguinte, 500 pessoas ocupam a Praça da República numa festa de rua contra a ALCA. Com o aniversário de um ano da revolta argentina de 2001 realiza-se, em São Paulo, como forma de solidariedade, teatro de rua, panfletagem e 15 ativistas ocupam o Consulado da Argentina, realizando um “panelaço” — ocorrem também protestos em Salvador.
Em fevereiro de 2003, 30 cidades brasileiras mobilizam-se contra a iminente Guerra do Iraque; em março, acontece o 2º Carnaval Revolução, em Belo Horizonte; em 7 de maio, ativistas ligados aos meios de comunicação ocupam a ANATEL em cinco capitais, pregando contra o fechamento de rádios livres. O ano também é marcado, entre os fins de agosto e início de setembro, por protestos de estudantes em Salvador contra o aumento no preço dos transportes, por uma mobilização contra a ALCA e por um encontro de rádios livres em Campinas, durante o mês de novembro.
Em 2004, realiza-se em São Paulo o 1º Encontro Autônomo, no mês de janeiro, reunindo grupos e indivíduos de diversas regiões do país; acontece o 3º Carnaval Revolução, em Belo Horizonte; em março, há protestos massivos contra a ocupação do Iraque em dezenas de cidades brasileiras. Novamente protesta-se no 20 de abril contra a ALCA.
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A partir de meados de 2004 acentua-se uma curva descendente que, dentro de algum tempo, evidenciaria o fim do movimento inspirado na AGP, ainda que iniciativas surgidas nesse contexto tenham continuado a existir.
Para além dos dados bastante sintetizados e praticamente descritivos que citei acima, torna-se necessário fazer uma análise crítica mais aprofundada sobre o que significou, para o Brasil, o fenômeno da AGP. Essa análise pode contribuir com uma reflexão acerca dos erros e acertos do movimento.
Notas:
[1] Eu mesmo, tirando um posfácio publicado na internet voltado aos anarquistas (”Buscar a Transformação Social?“), não produzi muito além de infindáveis conversas com a companheirada da militância.
[2] Essas siglas representam o dia e o mês da mobilização. J18, portanto, significa 18 de junho, N30 significa 30 de novembro e assim por diante.
(Continua)
A Bibliografia virá no final desta série.
Fonte: http://passapalavra.info
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