sábado, 30 de julho de 2011

Balanço crítico acerca da Ação Global dos Povos no Brasil (1) - Por Felipe Corrêa

Balanço crítico acerca da Ação Global dos Povos no Brasil (1)

É necessário fazer uma análise crítica sobre o que significou, para o Brasil, o fenômeno da AGP. Essa análise pode contribuir com uma reflexão acerca dos erros e acertos do movimento. Por Felipe Corrêa

Espero que as idéias aqui defendidas sirvam para ir deixando de lado os vícios do movimento e possamos construir um edifício de bases sólidas e com ar fresco a partir do qual possamos trabalhar pela futura revolução. [...] A crítica e o debate devem ser ferramentas para a construção, antes de tudo.José Antônio Gutierrez Danton

PALAVRAS INICIAIS
Escrevo esta série a convite do site Passa Palavra, buscando contribuir com os debates que vêm sendo feitos com a publicação do artigo “A Esquerda fora do Eixo“, o qual discute a onda de mobilizações que culminou nas Marchas da Liberdade em todo o país.Da maneira como entendo, essas mobilizações possuem muitos elementos em comum com aqueles que foram desenvolvidos, alguns anos atrás, pela Ação Global dos Povos (AGP). Portanto, creio que poderia ser interessante iniciar um balanço crítico sobre o que foi essa experiência, no Brasil, do Movimento de Resistência Global ou “Movimento Antiglobalização”, especialmente porque fiz parte de dois coletivos que tiveram papel central nessa experiência: Ação Local por Justiça Global (ALJG) e Centro de Mídia Independente (CMI) — e de outros com menor importância, como o Batukação — os quais me possibilitaram uma atuação e um envolvimento bastante amplos.

Esse balanço crítico tem como intenção constituir mais uma contribuição da minha geração para o registro de uma experiência que, dentre erros e acertos, acumulou muito. Infelizmente, nossa geração ainda não produziu muito sobre o tema, e atribuo a esse fator parte da culpa pelo andamento de diversas mobilizações, que continuam, em grande medida, a carregar distintos elementos promovidos ou mesmo desenvolvidos no contexto da AGP. É certo que, dentre os companheiros que atuaram no movimento do final dos anos 1990 até meados dos anos 2000, talvez minha autocrítica tenha sido uma das mais radicais, dentre aqueles que permaneceram na militância. Muito dessa autocrítica serviu para minha mudança de posição, mas devo reconhecer que formalizei pouco minhas reflexões [1], e é isso o que pretendo fazer aqui. Obviamente o texto refletirá muito daquilo que vi em meu principal local de atuação, São Paulo.

Sinto-me muito à vontade com a crítica, pois, como coloquei, essas posições para mim são, antes de mais nada, uma autocrítica às práticas que tive e que investi muito tempo, dedicação e esforço. Posições que, por uma série de fatores, demorei a assumir e que, com essa discussão, busco contribuir com outros para que não incorram nos mesmos erros e possam corrigi-los. Gostaria, sinceramente, que outros companheiros e companheiras de localidades distintas se posicionassem, nos casos em que as minhas generalizações não derem conta das diversas realidades do movimento ou que os fatos tenham se dado de maneira outra daquela que aqui é colocada. Vale ressaltar que, ainda que essa série trate do movimento brasileiro, ele não difere muito de vários outros lugares do mundo, que tiveram características semelhantes.

Serão, como já se deve ter notado, artigos em tom informal, de depoimento pessoal, “da militância para a militância”, ou mesmo para os setores da esquerda que lêem esse portal e que têm algum interesse político em acordo com as linhas que ele defende. É fundamentalmente uma contribuição para as gerações mais novas, que estão buscando alternativas políticas.

A AÇÃO GLOBAL DOS POVOSA Ação Global dos Povos (AGP) nasceu no início de 1998 e constituía uma “rede global de movimentos sociais de base originalmente criada para combater o livre comércio”. Não era uma “organização formal, mas uma rede de comunicação e coordenação de lutas em escala global baseada apenas em princípios comuns”. [Martín Bergel e Pablo Ortellado. AGP]. Dentre seus princípios, pode-se destacar os seguintes: “1. A AGP é um instrumento de coordenação. Ela não é uma organização. Os seus principais objetivos são: (i) Inspirar o maior número possível de pessoas, movimentos e organizações a agir contra a dominação das empresas através da desobediência civil não-violenta e de ações construtivas voltadas para os povos. (ii) Oferecer um instrumento para coordenação e apoio mútuo a nível mundial para aqueles que resistem ao domínio das empresas e ao paradigma de desenvolvimento capitalista. (iii) Dar maior projeção internacional às lutas contra a liberalização econômica e o capitalismo mundial. 2. A filosofia organizacional da AGP é baseada na descentralização e na autonomia. Por isso, estruturas centrais são mínimas. 3. A AGP não possui membros. 4. [...] Nenhuma organização ou pessoa representa a AGP, nem a AGP representa qualquer organização ou pessoa.” [Manifesto da Ação Global dos Povos]Sendo responsável por convocar e promover os chamados “Dias de Ação Global”, a AGP promoveu uma série de mobilizações em escala global, com destaque para o J18 [2], em junho de 1999, quando mais de 50 cidades manifestaram-se contra a reunião do G7 em Colônia, na Alemanha; o N30, por ocasião das manifestações contra o encontro da OMC em Seattle em novembro de 1999; e, principalmente, o S26, quando mais de 100 cidades em todo o mundo, inclusive na América Latina, protestaram contra o encontro do FMI e do Banco Mundial, em Praga, em setembro de 2000. O S26 provavelmente significou o ponto mais alto do movimento e dos dias de ação global [Bergel e Ortellado. Op.Cit.]. Além desses dias globais de ação, a AGP realizou encontros visando promover a comunicação e o intercâmbio das experiências de luta.

No Brasil, a idéia da AGP chegou depois das manifestações de 1999, organizando-se pela primeira vez no estado de São Paulo em 2000, primeiro na Baixada Santista e na capital, no Primeiro de Maio, que poderia ser considerado como um ensaio do que seria o S26 (26/09/2000), marco da consolidação do movimento em solo brasileiro. Desenvolve-se a partir daí, uma série de mobilizações e dias de ação global, alguns abertamente inspirados nos princípios da AGP, e outros com alguma influência — como foi o caso do “Dia Sem Compras”, em Belo Horizonte, nos fins de 2000, e os protestos contra a morte de Edson Neris por skinheads fascistas em São Paulo, no início de 2001.Um marco importante do movimento foi o chamado A20 (20/04/2001), quando 2 mil pessoas — mobilizando-se contra a Cúpula das Américas, onde se negociava a Área de Livre Comércio das Américas (ALCA) — foram brutalmente atacadas pela polícia na Avenida Paulista, em São Paulo, resultando em muitos presos e feridos. Outros marcos relevantes foram: o J20 (20/07/2001), que articulou protestos contra o G8, reunindo 5 mil pessoas em São Paulo, ocasião em que Carlo Giuliani foi assassinado nos protestos de Gênova. Por razão dos ataques terroristas de 11 de Setembro, o encontro entre Fundo Monetário Internacional (FMI) e Banco Mundial (BM), marcado para acontecer em Washington no fim daquele mês, foi cancelado, fazendo com que o tema das manifestações que se articulavam contra o encontro modificassem a temática da luta, tomando forma de protesto contra a guerra no Afeganistão. Manifestações acontecem em São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte e Curitiba. O fim do ano de 2001 é marcado pelo N9 (09/11/2001), com protestos contra a Organização Mundial do Comércio (OMC), em São Paulo, Rio de Janeiro e Fortaleza.

O ano de 2002 foi marcado pela realização do 1º Carnaval Revolução, em Belo Horizonte, em fevereiro, e pelos protestos contra o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), em Fortaleza, durante o mês de março, com 5 mil pessoas nas ruas e com desdobramentos em São Paulo e Belo Horizonte. Um ano depois do A20, 2 mil manifestantes protestam novamente em São Paulo, entregando uma carta gigante, endereçada ao ministro da Fazenda, no Banco Central, com o dizer “ALCA nem fodendo” e assistindo a um documentário sobre o ato do ano anterior. Nesse contexto, realiza-se em São Paulo, no mês de agosto, a primeira Bicicletada, reunindo “ciclo-ativistas”. Ao final do ano, em 31 de outubro, 2 mil pessoas protestam em São Paulo contra a ALCA com um tour pelo centro da cidade e, no dia seguinte, 500 pessoas ocupam a Praça da República numa festa de rua contra a ALCA. Com o aniversário de um ano da revolta argentina de 2001 realiza-se, em São Paulo, como forma de solidariedade, teatro de rua, panfletagem e 15 ativistas ocupam o Consulado da Argentina, realizando um “panelaço” — ocorrem também protestos em Salvador.

Em fevereiro de 2003, 30 cidades brasileiras mobilizam-se contra a iminente Guerra do Iraque; em março, acontece o 2º Carnaval Revolução, em Belo Horizonte; em 7 de maio, ativistas ligados aos meios de comunicação ocupam a ANATEL em cinco capitais, pregando contra o fechamento de rádios livres. O ano também é marcado, entre os fins de agosto e início de setembro, por protestos de estudantes em Salvador contra o aumento no preço dos transportes, por uma mobilização contra a ALCA e por um encontro de rádios livres em Campinas, durante o mês de novembro.

Em 2004, realiza-se em São Paulo o 1º Encontro Autônomo, no mês de janeiro, reunindo grupos e indivíduos de diversas regiões do país; acontece o 3º Carnaval Revolução, em Belo Horizonte; em março, há protestos massivos contra a ocupação do Iraque em dezenas de cidades brasileiras. Novamente protesta-se no 20 de abril contra a ALCA.Pode-se destacar também, no período de 2001 a 2003, as participações de pessoas e coletivos ligados à AGP nos três encontros do Fórum Social Mundial (FSM), fundamentalmente em atividades paralelas, como Intergaláctika e Vida Após o Capitalismo. Entre 2001 e 2004, utiliza-se também uma tática de jogar tortas na cara de pessoas que representavam inimigos: em 2001, no capitão Francisco Roher, responsável pela repressão ao A20; em 2002, contra representantes do BM; em 2003, em José Genoíno, contra o aparelhamento do FSM por parte do PT, em um representante da ALCA e no governador do MT. Em 2004 foi a vez de Rubens Ricupero, representante da UNCTAD, contra o discurso desenvolvimentista. [André Ryoki e Pablo Ortellado. Estamos Vencendo]

A partir de meados de 2004 acentua-se uma curva descendente que, dentro de algum tempo, evidenciaria o fim do movimento inspirado na AGP, ainda que iniciativas surgidas nesse contexto tenham continuado a existir.

Para além dos dados bastante sintetizados e praticamente descritivos que citei acima, torna-se necessário fazer uma análise crítica mais aprofundada sobre o que significou, para o Brasil, o fenômeno da AGP. Essa análise pode contribuir com uma reflexão acerca dos erros e acertos do movimento.

Notas:
[1] Eu mesmo, tirando um posfácio publicado na internet voltado aos anarquistas (”Buscar a Transformação Social?“), não produzi muito além de infindáveis conversas com a companheirada da militância.
[2] Essas siglas representam o dia e o mês da mobilização. J18, portanto, significa 18 de junho, N30 significa 30 de novembro e assim por diante.
(Continua)
A Bibliografia virá no final desta série.
Fonte: http://passapalavra.info

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