Governo quer votar Comissão da Verdade com rivais desprevinidosGoverno boicota audiências públicas e comissão especial que discutiria criação da Comissão da Verdade. Objetivo é votar projeto diretamente no plenário, para contornar mobilização de opositores que inviabilizaria aprovar uma lei para investigar crimes contra os direitos humanos. Pedido de urgência para estratégia funcionar deve ir ao Congresso após recesso parlamentar.
André Barrocal
BRASÍLIA – A Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados realizou dia 30 de junho a primeira audiência pública sobre a criação da Comissão da Verdade proposta pelo governo para esclarecer violação de direitos humanos no Brasil. Três ministros haviam sido convidados, mas nenhum apareceu para debater um projeto que chegou ao Congresso há mais de um ano. Até hoje, não se montou comissão especial para discutir e votar a lei. Não há sequer um deputado designado relator para preparar a versão final do texto.
O que para alguns pode parecer descompromisso dos deputados e do governo com a Comissão da Verdade, o governo chama hoje de “estratégia”. Uma estratégia acertada nas últimas semanas com a presidenta Dilma Rousseff como sendo, supostamente, a única possível para garantir a aprovação de uma ideia do tipo em um Congresso ainda sensível a apelos conservadores.
Segundo um articulador político do governo, Dilma quer que a Comissão da Verdade seja votada pelos deputados às pressas, em plenário, sem debates e votações em nenhuma comissão. Para isso, o Planalto apresentará pedido de “urgência urgentíssima” para o projeto. Os deputados vão analisar e votar a urgência no plenário. Se aprovarem, a Comissão da Verdade seria apreciada pelo plenário – de preferência, na mesma sessão da “urgência” - mesmo sem ter passado antes por uma comissão.
A estratégia pressupõe que existem poderosas forças contrárias à criação da Comissão da Verdade que tentariam se mobilizar para barrá-la. E que a articulação dos adversários seria favorecida caso o projeto fosse examinado em uma comissão especial, um universo restrito de parlamentares mais suscetível a pressões e no qual é mais fácil usar regras regimentais para atrapalhar uma votação.
Para o governo, até mesmo alguns partidos aliados escolheriam indicar para uma eventual comissão especial parlamentares sem compromisso com direitos humanos e com uma causa ideológica, como é a Comissão da Verdade. Seria o caso de legendas como PR, PTB e, especialmente, o PP, um dos herdeiros da antiga Aliança Renovadora Nacional (Arena), o partido da ditadura militar.
Uma demonstração de que o receio pode ter fundamento foi dada no dia da audiência pública na Comissão de Direitos Humanos. O deputado Jair Bolsonaro (PP-RJ), militar da reserva conhecido por expor abertamente opiniões conservadoras, foi ao debate defender duas mudanças na Comissão da Verdade. O grupo deveria ter número igual de civis e militares. E foco até 2002, para apurar a tortura e a morte do então prefeito de Santo André, Celso Daniel, que era do PT.
São duas sugestões com potencial para acirrar os ânimos e bagunçar uma comissão especial. Pessoas ligadas ou pertencentes às Forças Armadas certamente apoiariam a primeira sugestão, mas familiares de mortos e desaparecidos não aceitam a presença de militares nas investigações. Os partidos de oposição ao governo, como PSDB e DEM, apoiariam a segunda para desgastar o PT - mesmo que entre suas fileiras haja simpatizantes da comissão -, e isso quem não admite é o governo.
Na hipótese de a Comissão da Verdade ser votada diretamente no plenário, às pressas e sem aviso, o governo acredita que pegaria os adversários de surpresa e desmobilizados. O clima mais “difuso” e “fluido” do plenário favoreceria a estratégia.
Estratégia parecida foi adotada pelo governo na votação de uma lei de licitações especial para a Copa do Mundo. O chamado Regime Diferenciado de Contratações (RDC) foi incluído numa medida provisória (MP) no calor de uma votação no plenário da Câmara, sem aviso ou alardes, também para pegar os adversários desprevenidos. No caso, as empreiteiras, outra força capaz de influenciar o Congresso.
A tendência, segundo Carta Maior apurou, é que a urgência seja pedida no começo do segundo semestre, depois que a Câmara voltar do recesso. Mas não se pode descartar que isso ocorra pouco antes do recesso, quando o Congresso já estará quase esvaziado e, portanto, menos propício para mobilizações.
Fonte: Carta Capital
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário