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A mulher de Strauss-Kahn, a milionária Anne Sinclair, declarou confiar no marido e pagou sua astronômica fiança. Nos últimos dias, informações de que a camareira havia mentido às autoridades americanas, tentando dar um golpe no poderoso francês a fim de conseguir vantagens para si própria e para o namorado, preso por envolvimento com o narcotráfico, encaminharam o ex-diretor do FMI para a liberdade condicional. Ele comemorou com um lauto almoço em um restaurante de luxo, acompanhado da mulher.
Tristane Banon provavelmente será processada e deverá confrontar sua palavra com a dele. A jovem guineana de 32 anos, Nafissatou Diallo, é chamada aos gritos de “prostituta” pela mídia e recebe agora a pressão que antes pesava sobre o francês que ela acusou de estuprá-la. Tudo indica que Strauss-Kahn voltará em breve para a França, podendo dar andamento ao projeto de candidatar-se à presidência da República. As mulheres que o acusam de violência sexual sofrerão as consequências de terem se aproximado de homem tão poderoso. Uma vez mais vence a violência e perde a mulher.
Atualmente, o problema da violência contra a mulher é tão sério que se compara ao da AIDS. Chega a quatro milhões por ano o número de mulheres agredidas pelo companheiro, marido, noivo, ou amante. Entre 15 e 25% estão grávidas, o que torna mais sério ainda o problema. As mulheres maltratadas constituem 20% das que vão aos serviços de emergência com marcas de ferimentos.
Há, porém, um tipo de violência nem sempre fácil de definir ou reconhecer, que poderíamos designar como o uso deliberado da força para controlar ou manipular outro ser humano, mais frágil e indefeso. Trata-se do abuso psicológico, sexual ou físico habitual. Acontece entre pessoas muitas vezes relacionadas afetivamente, como são marido e mulher, ou adultos contra os menores que vivem na mesma casa.
A violência não é somente o abuso físico, os golpes, ou as feridas. São ainda mais terríveis a violência psicológica e a sexual pelo trauma que causam. Há violência quando se ataca a integridade emocional ou espiritual de uma pessoa. Mas sempre a violência física, a mais evidente, é precedida por abuso psicológico, que é usado sistematicamente para degradar a vítima, para erodir e esmagar sua autoestima.
A violência psicológica se detecta com maior dificuldade e muitas vezes precede a violência física durante anos. Quem sofreu violência física tem rastros visíveis e pode obter ajuda mais facilmente. Entretanto, a vítima que leva cicatrizes no psiquismo ou na alma tem muito mais dificuldade em obter compaixão e ajuda.
Há mulheres que se envergonham do que lhes acontece e até se acreditam merecedoras dos abusos. Por isso, preferem manter segredo e assim essa situação pode prolongar-se durante anos. A intimidação é também um abuso: “Se disser algo, te mato.” Ou a ameaça de tirar-lhes o filho. Muitas mulheres não se atrevem a falar com medo dos maridos e/ou companheiros. Os abusos psicológicos precedem o abuso físico e impedem a mulher de deixar o lar violento. A surra psicológica a que são submetidas muitas mulheres é pior que o abuso físico. Os golpes doem e machucam, mas os abusos psicológicos, os insultos, o desprezo ficam cravados no coração.
Quando se é mulher e negra, como Nafissatou Diallo, ou jovem, como Tristane Banon, tudo é mais difícil, pois o desamparo diante da violência masculina é ainda maior. Acresce, no caso de Strauss-Kahn, o fato de o acusado ser rico e poderoso. Outras mulheres o denunciaram também. Será que tantas mentiram ao mesmo tempo?
* Maria Clara Lucchetti Bingemer é teóloga, professora, decana do Centro de Teologia e Ciências Humanas da PUC-Rio e autora de “Simone Weil – A força e a fraqueza do amor” (Ed. Rocco).
Fonte: http://envolverde.com.br/
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