terça-feira, 26 de julho de 2011

Em torno da bandeira anti-capitalista - por Eduardo Sales de Lima

Em torno da bandeira anti-capitalista

Apesar das últimas agitações no acampamento da Praça do Sol, em Madrid, forças progressistas se mostram fragmentadas
Eduardo Sales de Lima - Da Redação

Reféns de bancos e decepcionados com a omissão de seus governantes políticos frente à crise econômica, surge na Espanha o movimento 15 de Maio (15-M), em referência a manifestação convocada por meio da internet, há cerca de dois meses.

Livre de referências partidárias, os agrupamentos reuniram milhares pessoas de diversas matizes ideológicas anti-capitalistas. Assim, a Praça do Sol, em Madrid, inspirou-se na Praça Tahir, de Cairo, no Egito.

Mas qual o significado desse movimento? Como tem sido o comportamento dos partidos progressistas espanhóis mais tradicionais diante desse processo? Para responder essas e outras questões, conversamos com o historiador Jorge Costa Delgado, da Universidade de Cádiz e membro da movimento 15M.Brasil de Fato - Qual o significado do movimento dos “indignados” na Espanha? Possuem força política real? Qual sua formação
Jorge Costa Delgado - Não entendo bem a que se refere quando fala de “força política real”. Posso dizer que as mobilizações que tem convocado o movimento vem tendo um apoio massivo, que goza da simpatia de um setor muito amplo da população e que, até agora, tem tido aumento dessa participação, com o seu conteúdo político bastante indefinido.

Em termos eleitorais, não creio que teve um efeito notável sobre as eleições municipais e autonômicas do 22-M, mas tão pouco o movimento colocou isso como objetivo. É certo que pode influir – ainda não exclusivamente – em algumas mudanças politicas pós-eleitorais: o giro à esquerda no programa do candidato do PSOE (Pérez Rubalcaba) às próximas eleições gerais, ou a decisão da “Esquerda Unida” (partido político) de Extremadura de respeitar a decisão de suas bases contra os compromissos adquiridos pela direção nacional.

À margem de resultados eleitorais, em breve veremos as repercussões deste movimento e a orientação que tomarão as distintas vias que surgirão dele. Mas há uma sensação de esperança muito estendida (não isenta de receios), muito acima do que logrou qualquer outro movimento social na esfera política espanhola dos últimos anos.

Como tem sido a reação dos partidos de esquerda em relação à crise econômica na Espanha?
O Partido Socialista Obrero Espanhol (PSOE), no governo, tem se apegado às “recomendações” do Banco Central Europeu (BCE) e do Fundo Monetário Internacional (FMI), ante a pressão dos mercados, modificando um programa que, até o irrompimento da crise, incluía medidas sociais (se bem que, no plano econômico, não se suponha um giro substancial em relação às políticas aplicadas anteriormente e que desembocaram na crise).

A reforma trabalhista provocou uma greve geral convocada pelos sindicatos majoritários (e secundada por sindicatos minoritários, muito críticos com os primeiros) e um forte rechaço à reforma das pensões (essa ainda foi aprovada após as negociações com a Confederação Sindical de Comissões de Trabalhadores [CC.OO] e com União Geral de Trabalhadores da Espanha [UGT], talvez inseguros de seu potencial mobilizador). Mas há setores do PSOE que se mostram solidários com o 15-M, apesar do rechaço frontal de grande parte do movimento sobre o partido e sobre o governo.E a “Esquerda Unida?
A “Esquerda Unida” se opôs aos cortes do governo do PSOE, apesar de que governava em coalizão em muitos municípios e em algumas comunidades autônomas, onde a oposição era, forçadamente, muito menos marcada que em nível nacional. Apoiaram a greve geral de 29 de setembro de 2010 e rechaçaram a reforma das pensões. Muitas outras iniciativas (reforma da lei eleitoral, rechaço dos resgates bancários, oposição à intervenção na Líbia...) têm escassa repercussão política devido a sua limitada representação no Congresso (quase 1 milhão de votos e somente dois assentos). Muitos de seus militantes (especialmente os integrados nas Juventudes Comunistas) estão tendo uma grande implicação no 15-M, ao menos na cidade de onde tiveram presença). Supondo que sua implicação em outros movimentos sociais varia segundo o contexto.

Diria que há sinais de um maior distanciamento entre PSOE e “Esquerda Unida” a raiz da crise, ainda teremos que ver o que ocorre nos próximos meses. E, sobretudo, quando o PSOE perder o governo, como parece que vai ocorrer.

Como os partidos menores tem se comportado?
Há outros partidos de extrema esquerda muito minoritários, de tradição comunista. Por exemplo, a Esquerda Anticapitalista, onde eu militei até princípio deste ano. Nenhum possui presença institucional, mesmo nos movimentos sociais, onde tentam ser (é variável de acordo com o partido) muito ativos.

A posição em relação à gestão da crise é uma oposição frontal, acompanhada de uma característica que também aparece, em menor medida, mas significativamente, na “Esquerda Unida”: sua nula repercussão institucional. Com um nível de exigência ideológica muito forte, impossível de ser assumido pela maioria da população, as mobilizações marginalizam e se apagam.

Algo similar caberia dizer da extrema esquerda de tradição libertária, que não se agrupa em partidos, mas que forma associações, sobretudo em zonas urbanas, que é de onde o 15-M tem se desenvolvido. Entretanto a tendência endogâmica se agrava por causa de seu rechaço a qualquer tipo de compromisso político institucional (em teoria, haveria que ver como se resolve isso na prática) e a tendência a criar espaços supostamente à margem da ordem social hegemônico. O universalismo abstrato próprio deste modelo de participação política, que paradoxalmente se resolve em uma obsessão pelas questões puramente logísticas, também se incorpora aos movimentos em que participam.

De fato, essa tem sido uma das características dos acampamentos relacionados ao 15-M, ao menos antes de terem estendido à periferia (onde as condições sociais dos participantes modificam por completo as formas de manifestação). Ainda mais se se tem em conta que em caráter declaradamente “apartidário e assindical” dessas mobilizações se sucediam formalmente, dentro de um contexto onde os níveis de discussão política eram muito baixos e o intercâmbio de informações muito confuso, com este discurso libertário.

Existe uma aproximação entre organizações políticas de esquerda da Espanha, Portugal e Grécia?
Com relação a Portugal e Grécia não saberia te dizer. Me parece que na Grécia, a fratura entre o PASOK (Movimento Socialista Pan-Helênico) e o resto da esquerda grega é evidente, mas, desde então, não sei muito ao respeito.

Crédito das fotos: Movimento 15M e http://m.publico.pt/
Fonte: http://www.brasildefato.com.br/

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