GOG: “Roupa suja a gente lava em casa, mas eu não vou voltar a lavar roupa para eles”
Após atividade cultural de campanha no Paraná, em apoio à
candidata Dilma Rousseff, GOG participou de uma roda de conversa com artistas
do rap local, militantes do Levante Popular da Juventude e com o Brasil de Fato
Rapper, escritor e produtor cultural, Genival Oliveira
Gonçalves, mais conhecido como GOG, é um dos nomes artísticos em destaque do
movimento hip hop no Brasil. Durante atividade de campanha em apoio à reeleição
da candidata Dilma Rousseff, GOG esteve em Curitiba e participou de uma roda de
conversa com artistas do rap local, com militantes do Levante Popular da
Juventude e com o jornal Brasil de Fato.
Durante a conversa, GOG fz críticas ao governo, mas defendeu
seu apoio a Dilma como forma de manter os avanços sociais no Brasil. “Roupa
suja a gente lava em casa, mas eu não vou voltar a lavar roupa para eles”,
brinca em relação a uma possível eleição do tucano Aécio Neves. O rapper também
fala sobre o hip hop como ferramenta de mobilização, o enfrentamento ao extermínio
da juventude negra e o racismo institucional do Estado. Sobre o projeto do
Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB) para a população negra, GOG
afirma: “o ‘tucanado’ nunca andou com a gente.
Brasil de Fato- Um levantamento recente realizado pela
Prefeitura de Curitiba nos bairros constatou que a cultura está entre as duas
principais prioridades das pessoas que vivem nos territórios mais pobres da
cidade. Como você vê isso?
GOG- A cultura já foi revolucionada, não é mais aquela coisa
do “livro mais alto da estante”. Ela não está só no teatro ou no cinema. Isso
foi rompido com a cultura de rua, com o break, nós desafiamos isso. Agora, a
próxima ‘cena’ é discutir estratégia. Saber quem está com a gente e quem não
está.
Você apoiou a Dilma em 2010 e também está apoiando a
candidatura dela nestas eleições. Você poderia fazer um balanço do governo do
PT no sentido das políticas para a população negra?
Tivemos duas Conferências Nacionais de Promoção da Igualdade
Racial [CONAPIR]. Foram apresentadas prioridades, o debate foi aberto. Muitos
discutem o fato de elas terem sido consultivas e não deliberativas. Muitas
coisas foram. Precisamos de mais, claro. Também tivemos as Conferências
Nacionais de Cultura. Teríamos isso no governo PSDB? Ou seja, não podemos negar
que uma faixa de diálogo foi aberta com o Governo Federal. Está como a gente
quer? Não está.
Também é importante dizer que a caminhada de parte do
movimento social para os gabinetes provocou um vazio na “quebrada” e todo o
espaço vazio fisicamente vai ser ocupado. É o vácuo. Cadê os nossos parceiros?
Às vezes você chega lá na chefia do gabinete, vê um parceiro que estava com
você naquela luta e que diz “ah GOG, não tem jeito, agora eu entendo porque não
anda e tal”, mas se entende o porquê, então vamos tentar desparafusar isso aí.
Sou super respeitoso com quem acredita no voto nulo, mas tem
uma coisa que o Brown [vocalista da banda Racionais Mc’s] fala: o tempo é rei.
E agora não é tempo do voto nulo. Roupa suja a gente lava em casa, mas eu não
vou voltar a lavar roupa para eles. Essa situação que a gente precisa colocar
para os parceiros.
Racismo institucional
Independente de qualquer governo, o Estado é racista. O
racismo institucional está petrificado no Estado e falta sensibilidade, pois
ele não tem a vivencia. Hoje eu fiz uma participação na campanha da Dilma e
escrevi uma letra na hora: Lágrima escorria quando mamãe dizia/ Barriga quente
espremida no fogão da chefia/ São eles que querem voltar a Brasília/ E para
isso dizem que são a favor do bolsa família/ Não são, você sabe bem, irmão/ Não
vamos deixar acontecer isso não. Então, essa é a nossa convocação de guerra
agora, porque é mesmo uma batalha.
Qual deve ser o foco do debate para a periferia e para a
população negra?
O que interessa para nós é discutir, mesmo dentro da
estrutura, as migalhas que nos deixaram. Por exemplo, a PL 441/12, do deputado
Paulo Teixeira [PT-SP], sobre o fim dos autos de resistência. Esse projeto de
lei discute as situações quando o policial mata e não tem inquérito nos documentos,
não tem laudo, nem investigação, mas só tem registrado “autos de resistência”.
Nós, do território negro, do movimento negro principalmente, achamos que isso é
uma licença para matar. Nosso discurso é o da vida e não o da propriedade. Nós
não temos propriedade. A única propriedade que temos é a intelectual e, no meu
caso, dou a ela o teor de domínio público. Pode usar minhas musicas, pegar meus
textos, levar tudo. Mas então, a PL 441/12 para nós é interessante. E o PT tem
essa discussão, enquanto que o PSDB não tem. O tucanato nunca andou com a
gente. Outra “fita”: dos deputados federais eleitos pelo PSDB, nenhum é negro.
Você acredita que os jovens estejam pouco articulados nas
periferias?
Olha, a geração James Brown querendo ser geração Beatles vai
dar problema. Meu nome é Genival, não é Marcelo. Meu nome não é Ricardo. O que
acontece é que a geração Beatles está, obrigatoriamente, ligada a um caminho
para o centro, ela se estrutura nas ferramentas burguesas, na televisão, nos
jornais de grande porte, nos estúdios potentes. E a gente? Eu gravei músicas
maravilhosas num barraco, com um microfone na mão. Teve um disco que gravei
onde a cabine era o banheiro. Gravei uma música com o Lenine, “A Ponte”, e ele
colocou uma orquestra. Ficou “da hora”, mas eu falei pra ele “a original é
aquela ali”. A geração James Brown é a que vale para mim. Claro que a geração
Beatles também é humana, mas é difícil. A nossa revolução não foi bateria,
baixo e guitarra. Foi toca disco! O DJ é a fotossíntese do hip hop, sem DJ não
tem criadouro.
Nesse sentido, como o hip hop pode ser utilizado enquanto
ferramenta de mobilização política?
O rap é a maior estratégia de ocupação do território dentro
da comunidade. A primeira tarefa do artista de hip hop, do movimento, é sabotar
essa “fita” da geração Beatles, essa coisa de botar hierarquia no artista como
se ele fosse um semi-Deus. A gente tem que desmistificar o artista e colocar o
“artivista” na “fita”. Para mim uma das principais caminhadas do rap,
principalmente da primeira geração, é aquele pensamento: “o cantor de rap
conhecido mora do lado de casa, ele fala parecido comigo, ele ta nos
protestos”. Aos poucos nós fomos criando nossos pretextos e sumimos dos
protestos. Isso é um divã do hip hop, assim como há na política. Não creio que
essa situação não possa mudar. Eu acho que nós, os ativistas sociais do hip
hop, que também é um movimento social, temos que entender nossa caminhada como
um pêndulo. Ele tem que percorrer todo o território, assim: “olha o GOG lá no
congresso, e depois, olha o GOG lá na quebrada”. É difícil a gente falar disso,
mas eu sempre me coloco como instrumento e na mesma hora em que as pessoas me
colocam lá em cima, eu vou me puxando para baixo.
“Guerra preta, estratégia quilombola”
A nossa caminhada é essa, não quero estar aqui nas próximas
eleições discutindo isso. Nelson Maca, um professor de literatura da
Universidade Católica de Salvador [UCSAL] diz : “guerra preta, estratégia
quilombola”. Nós estamos em guerra, em levante. E não é só estar assim em tempos
de eleições, quando o hip hop não pode subir no palco ou quando a prefeitura
não contrata a gente. Temos que estar em guerra contra o extermínio da
juventude negra. A curva da mortalidade dos jovens não negros, no Brasil,
depois das políticas publicas, está descendo. A do negro está subindo. O
racismo institucional impede que se tenha avanços nessa discussão. Só nós que
podemos pressionar o Estado pra que ele mude, mas com a certeza de que estamos
colocando lenha na fogueira e fogo no pavio para as nossas “quebradas”. Às
vezes o Estado é só um trajeto, o importante é o nosso território. Meu pai
sempre falava: “Genival, vá onde quiser, caminhe com quem você quiser, mas
durma em casa”. E eu acho que o hip hop muitas vezes não está dormindo no seu
barraco, mas nas grandes mansões. Muito mais do que letra, o importante é onde
você está focado.
Fonte: http://www.brasildefato.com.br/node/30282
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