“Machismo estrutural”, oculto e terrível.
Opressão caricatural reduziu-se. Mas mulheres seguem discriminadas em posições de liderança ou forçadas a “ser como eles”. Por que?
No
domingo passado, cerca de 7 milhões de pessoas, em sua maioria estudantes do
ensino médio, realizaram as provas do Exame Nacional do Ensino Médio. Cerca de 58%
delas eram mulheres. Em 2012, a proporção de mulheres entre os
participantes foi quase um ponto percentual maior (cerca de 59%). Esses dados
não surpreendem, quando consideramos a proporção de mulheres entre os
estudantes de ensino médio no Brasil: segundo o INEP elas representam 54%.
Já no ensino superior, são cerca de 55%
do corpo estudantil. Será que estaríamos diante de uma situação em que a
igualdade de gênero foi atingida (ou a desigualdade invertida)?
Parece que
não.
Diversos
estudos apontam que esse fenômeno é bastante comum em um bom tanto de países. A
“ultrapassagem” das mulheres em relação aos homens no sistema escolar foi bem
estudada nos EUA, na Argentina, no México, na Holanda, na Austrália, na França
e em outros países mais (uma visita ao Google Acadêmico rende excelentes
artigos sobre o tema). O sociólogo Christian Baudelot é um dos pesquisadores
que mostram:
a suposta “vantagem” das mulheres em relação à obtenção de diplomas não se
converte em vantagens sociais como melhores salários ou acesso a posições de
maior poder no mercado de trabalho.
No Brasil,
diversos dados evidenciam que a situação também é essa: nós, mulheres, ganhamos
cerca de 30%
menos que os homens, para exercermos as mesmas funções, com as mesmas
qualificações (às vezes até com qualificação superior)… Ocupamos menos
de 1/4 das posições de liderança em empresas. Entre as 250 maiores empresas
brasileiras, apenas 4% têm mulheres no comando, e os homens têm 20
vezes mais chances de se tornarem executivos-chefes (CEOs) do que as
mulheres no país.
A
discrepância entre escolarização feminina e acesso das mulheres a posições de
prestígio e poder no mercado de trabalho mostra que melhores diplomas não são
suficientes para que sejamos consideradas “iguais” a nossos colegas de
profissão homens. Segundo a francesa Marlaine Cacouault-Bitaud, o mercado de
trabalho é mais
rígido com as mulheres do que com os homens. Homens com diplomas menos prestigiosos
conseguem alcançar postos de trabalho inatingíveis para mulheres com o mesmo
atestado. Para acessar altos cargos, além de possuírem diplomas do mais alto
prestígio, as mulheres, em geral, precisam passar numa espécie de provação
moral muito rígida. Isso acontece de maneira praticamente insconsciente – é o
que chamamos de “machismo estrutural”. Ele funciona mais ou menos da seguinte
maneira:
Todas e
todos somos socializados na mesma sociedade, certo? Adquirimos, por meio da
cultura, uma série de informações consolidadas socialmente. Essas informações
nos dizem como classificar e hierarquizar coisas, ideias, pessoas, seres vivos
ou inanimados, etc. Embora haja variações nessas classificações e hierarquias
dentro de uma mesma cultura, aprendemos em geral as mesmas coisas. Desde
sempre, estabelecemos as definições das coisas também pela sua posição em
relação às outras. Quer dizer, em grande medida “ser mulher” significa, no
nosso esquema de pensamento, “não ser homem”, e vice-versa. Esse esquema de pensamento
também associa “ser mulher” e “ser homem” com uma série de características
comportamentais, maneiras de pensar, escolhas que se pode ou não fazer ao longo
da vida (não vou nem entrar na discussão sobre o corpo e expressões do corpo;
essa fica pra outra hora). Até aí tudo bem? Pois continuemos.
Quando
dizemos que nossa sociedade é “machista” em geral, não estamos falando de
indivíduos declaradamente machistas. Nem de atitudes isoladas de machismo
explícito, ou de discriminação proposital, racionalizada, das mulheres. Estamos
falando das associações que fazemos com “ser mulher” e “ser homem” e o que elas
significam em nossa sociedade. Por exemplo, nós associamos “ser mulher” a uma
característica de “emotividade” e ensinamos as mulheres a “serem mulheres”
portanto “emotivas”, reforçando positivamente esse tipo de comportamento. Isso
poderia ser apenas uma diferença de gênero – e não uma desigualdade. A suposta
diferença se converte em desigualdade quando essa “emotividade” (por exemplo)
que associamos ao “ser mulher” é entendida como negativa em espaços que
concentram poder e prestígio em nossa sociedade (topo da carreira corporativa e
política, por exemplo).
Isso é,
senhoras e senhores, o machismo estrutural: nossos esquemas mentais mais
elementares entendem que diversas características que associamos às mulheres
sejam negativas nas posições de maior poder em nossa sociedade. Assim,
discriminamos sem perceber candidatas mulheres, exigindo mais delas do que de
candidatos homens, especialmente em carreiras pouco feminizadas.
A escola,
por outro lado, tem um sistema que, mal ou bem, avalia prioritariamente com
base no desempenho acadêmico. Embora meninas sofram cotidianamente diversos
tipos de opressão no ambiente escolar (de professores/as inclusive e talvez principalmente),
na hora da avaliação – que é o que dá acesso aos diplomas –, o efeito do gênero
é suavizado. Já numa entrevista de emprego, pelo contrário, o efeito do gênero
é em geral maximizado. Essa percepção também explicaria por que 22% das mulheres
empregadas no Brasil eram funcionárias
públicas em 2011, enquanto apenas 10% dos homens ocupavam o mesmo tipo de
cargo.
O fato de
sermos maioria entre participantes do Enem, portanto, não denota uma vantagem
social ou o prelúdio do fim das desigualdades de gênero. Infelizmente, essa
ascensão feminina no sistema escolar só mostra que, sem romper de fato com a
mentalidade machista e as categorias mais básicas do nosso entendimento sobre
homens e mulheres, patinaremos nos primeiros degraus de uma escadaria
quilométrica rumo ao verdadeiro buraco – que é (bem) mais embaixo.
Mulher Alternativa
Fonte: http://outraspalavras.net/
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