quarta-feira, 2 de outubro de 2013

Manifesto sobre o feminismo – por um Homem Anônimo



Manifesto sobre o feminismo – por um Homem Anônimo 
Luto não só por uma sociedade livre da exploração econômica e da opressão política, mas também por uma sociedade em que as pessoas se sintam livres das culpas e dos impedimentos ao prazer. Por um Homem Anônimo

Existe um feminismo de antiga tradição, originário do século XIX, que reivindicava a igualdade das mulheres aos homens no plano salarial, no plano político, com o direito de voto, e no plano social, com a igualdade de tarefas. Foi este feminismo que a esquerda socialista e comunista adoptou e prosseguiu.

Este feminismo não se extinguiu entre as camadas populares, e a igualdade de direitos dos dois sexos passou a constituir uma aspiração incontroversa de praticamente todas as mulheres. Mas ele subsiste hoje de maneira apenas prática, sem ser formalizado ideologicamente pelas intelectuais orgânicas de serviço, que no interior das universidades já conquistaram há muito a igualdade económica e social e pouco se preocupam com a situação das trabalhadoras.

O feminismo que hoje se tornou hegemónico nos meios universitários brasileiros, tanto nos departamentos de estudos de género como entre movimentos políticos de base estudantil, e que talvez não tarde muito a pôr a cabecinha de fora em Portugal também, é completamente diferente.
Este novo tipo de feminismo não provém dos meios populares e fabris nem das ambições de emancipação económica e social. Provém dos meios religiosos puritanos dominantes nas camadas sociais médias dos Estados Unidos, onde a moda nasceu e de onde se expandiu.

Desta sua origem religiosa e puritana este tipo de feminismo traz duas características distintivas.
Por um lado, traz a noção religiosa do pecado original e do inerente complexo de culpa, lançados como um anátema sobre todos os homens. O pecado original dos homens é precisamente terem nascido com pénis e testículos, o que lhes conferiria uma propensão de violência e de autoritarismo, em suma, uma propensão de machismo, contra a qual teriam de lutar permanentemente e durante a vida inteira se quisessem ser aceites pelas feministas num plano menos degradado.
Por outro lado, aquele tipo de feminismo traz a noção puritana de que o sexo está no centro de todos os problemas e é a origem de todo o mal. Mas como este puritanismo passou a vigorar num contexto em que o pecado original é exclusivamente masculino, a perversidade do sexo resume-se ao pénis erecto. As primorosas manifestações civilizacionais formadas em torno da relação sexual entre mulheres e homens, as recíprocas estratégias da sedução, as artes do prazer, são transpostas para os termos de uma agressão, em que seria o homem o agressor e a mulher a vítima.

A conjugação destas duas características lança um ambiente de pesadelo sobre esse tipo de feminismo, os homens tentando libertar-se de uma culpa que sempre os persegue, porque lhes seria inerente; e as mulheres tentando proteger-se entre si de uma sexualidade que emana delas tanto quanto dos homens, mas que a nova moda feminista entende como uma submissão a um vencedor. Nos termos deste novo puritanismo, a homossexualidade deixou de ser uma propensão ou um gosto para se converter numa autodefesa e num dever de militância.

Há quem instale grades nas janelas para se proteger dos ladrões e afinal fez uma prisão para se encerrar. Não há espaços seguros. Há pessoas inseguras. E tanto mais inseguras ficarão quanto mais seguros julgarem que são os espaços.

No plano da ideologia, porém, nada sucede sem uma utilidade prática, neste caso utilidade para alguns, que são algumas. Aquele novo tipo de feminismo é útil para quem usa a culpa lançada sobre os homens para os manipular e conduzir, segundo a velha técnica empregue pelo clero nas épocas áureas do cristianismo, com outras culpas, mas com o mesmo efeito. Não há diferença entre o mea culpa e a exigência de autocrítica permanente. Este tipo de feminismo é igualmente útil para quem usa o medo lançado sobre as mulheres para lhes suscitar a devoção de fiéis seguidoras e as confinar em espaços, o que reproduz a metáfora religiosa do pastor — uma pastora, neste caso — e das ovelhas, e com idêntico efeito. O puritanismo, que no seu íntimo é o medo do outro, move estas mulheres a criarem espaços autoconcentracionários, com as suas hierarquias próprias.

Não é por isto que eu, um anticapitalista, luto. Mais. É contra isto que luto.

Luto por uma igualdade económica, política e social de todos os seres humanos, qualquer que seja o seu sexo.

Luto contra a tentativa de introduzir uma nova desigualdade entre os seres humanos, contra o agravamento das diferenças entre as mulheres e os homens mediante o recurso aos velhos mecanismos religiosos, transpostos para o plano laico da sociedade actual.

Não abolimos um padrão de moral sexual para irmos agora sofrer a imposição de outro padrão, que é o avesso do anterior. Luto não só por uma sociedade livre da exploração económica e da opressão política, mas também por uma sociedade em que as pessoas se sintam livres das culpas e dos impedimentos ao prazer, quaisquer que sejam esses prazeres e com quem quer que sejam.

As ilustrações deste artigo representam duas versões de O Pesadelo, de Füssli, uma de 1781 e a outra dez anos posterior.

Fonte: http://passapalavra.info

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