Considerando
que o reino em que vivem está à deriva, um príncipe, um filósofo e um poeta
resolveram deitar falação sobre aquilo que consideram estar errado à sua
volta. “É preciso estar atento e forte”, pensaram, “não temos tempo de
temer a morte”… Irmanados nos versos desta canção de conhecido menestrel do
mesmo grupo litero/musical, o príncipe, o filósofo e o poeta, todos sempre
prontos a disputar espaços nos mais conhecidos jornais do reino, acharam por
bem – do alto de sua sabedoria – botar alguns pingos nos is e descer à ágora
dos sacripantas para discordar do governo e sua corte e lançar um pouco de
lenha na fogueira das vaidades e das intrigas antirepublicanas.
O povo
trabalhador, de volta para casa após mais um dia de labuta, passa por aquelas
figuras exóticas sem entender muito bem o que falam na ágora, mas puderam ouvir
algumas frases soltas.
Dizia o
príncipe envolto em seu fardão com filigranas douradas: “Marina Silva é uma
reserva moral do país”… O filósofo, com cara de bravo, acenava com pedagogias
democráticas: “Que ao menos fique a lição de que nenhuma invenção democrática
neste país será possível sem um processo amplo, geral e irrestrito de combate à
corrupção, no qual o último mensaleiro petista será, enfim, enforcado nas
tripas do último mensaleiro tucano”… E como que a concordar com a animada
retórica acadêmica, o poeta, de longos cabelos grisalhos, soltou o seu canto
ditirâmbico: “Será que esse país tem medo de punir?”
Reserva
moral, processo amplo geral e irrestrito, medo de punir, o que será que diziam
aquelas sumidades, pensava a massa ignara. Alguns poucos passantes pararam para
ouvir, mais pelo exotismo da cena do que propriamente pela peroração do trio.
Estava eu
ali a observar todo o quadro, dividido entre falácias e sofismas de um lado e a
quase perplexidade de cidadãos trabalhadores do outro, quando avistei um pouco
à minha direita um senhor já de idade, atento ao discurso dos três cidadãos.
Aproximei-me do senhor e perguntei-lhe se podia explicar o que diziam aqueles
oradores tão empolgados e cheios de si.
O velho me
olhou por detrás das lentes grossas de seus óculos, que revelavam dois olhinhos
inquietos e percucientes, e disparou numa voz firme e convincente:
– Estão
criticando o que se passa em nossa democracia…
– E quem
são eles? Arrisquei.
– O senhor
não sabe?
Considerei
que fingir minha ignorância sobre tais celebridades pudesse me trazer sua
opinião mais sincera, mesmo que apaixonada.
– Não,
confesso que não os conheço ou, pelo menos, não conheço o que pensam.
– Ali estão
um príncipe, um filósofo e um poeta, respondeu o velho senhor orgulhoso em
mostrar seus conhecimentos. E vou responder em poucas palavras a sua pergunta:
– O
príncipe é um senhor que conseguiu entrar para a Academia de Letras depois de
pedir a todos nós que esquecêssemos o que ele escreveu, entendeu o paradoxo?
Pertence a um partido político onde a honestidade está em baixa e, tal qual
todo bom oportunista, resolveu puxar a brasa de uma moralidade até agora
desconhecida da tal senhora que teve alguns milhões de votos na última eleição
presidencial para tentar dar um respiro ao seu partido em frangalhos…
– Hum,
balbuciei segurando o riso.
– O
filósofo, continuou, não se sabe muito bem o que ele pensa, mas encheu-se de
brios para criticar um caso de suposta corrupção ainda não esclarecido pedindo
o enforcamento dos réus, sem nomeá-los, nas tripas uns dos outros, requentando
uma velha e surrada expressão dos iluministas franceses que gostariam de ver o
último rei enforcado nas tripas do último padre. E veja que ele,
inconscientemente, usa a expressão de um general da nossa ditadura sobre
abertura ampla, geral e irrestrita. Um ato falho, talvez, ou coisas de uma nova
esquerda à qual ele julga pertencer…
– Com uma esquerda assim, não é preciso direita, concorda?
– O velho
senhor encarou-me sem fazer qualquer comentário.
– E o
poeta?
– Bem, o
poeta queria saber, tal qual o filósofo, porque a suprema corte de justiça do
país se acovardou numa de suas últimas decisões e, segundo, ele, esquivou-se de
punir o mais rápido possível, mesmo sem provas, os tais cidadãos que merecem
ser enforcados nas tripas uns dos outros… O curioso é que esse mesmo poeta
disse estar arrependido de ter sido comunista um dia e que se converteu à
democracia. Supõe-se que ele ainda faz parte daquele grupo de pessoas que
identificam democracia com capitalismo e ditadura com socialismo… Se estiver
arrependido de seus pecados deveria se confessar a um padre, não acha?
Ato contínuo,
o velho senhor escafedeu-se…
Fiquei
pensando se não tinha conversado por cinco minutos com o desconhecido Stanley
Burburinho.
PS: Aviso a
alguns poucos comentários escritos com o fígado. Em política só acerta quem
erra, pois é a prática que vai enriquecendo o aprendizado. Como dizia o poeta
espanhol, o caminho se faz caminhando. Ou ainda, como diz o grande filósofo do
STF, Luiz Fux, “A verdade é uma quimera”.
***
Izaías
Almada, mineiro de Belo Horizonte, escritor, dramaturgo e roteirista.
Fonte: http://blogdaboitempo.com.br/
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