terça-feira, 8 de outubro de 2013

Noam Chomsky: "Os EUA estão torturando o Irã há 60 anos"

Noam Chomsky: "Os EUA estão torturando o Irã há 60 anos"
Em uma entrevista exclusiva, disponível no Diário Info, o professor emérito do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT, para sua sigla em ingês), Noam Chomsky, fala sobre os últimos 60 anos das relações EUA-Irã, desde o golpe de 1953, organizado pela CIA. “Nos últimos 60 anos, não passou um único dia em que os EUA não tenham torturado iranianos”, disse Chomsky. “Começou com um golpe militar que derrubou o regime parlamentar, em 1953”.

Abaixo, o Vermelho reproduz na íntegra a entrevista que os jornalistas Amy Goodman e Nermeen Shaikh fizeram com Chomsky em 11 de setembro deste ano:

Amy Goodman e Nermeen Shaikh: Noam, poderia referir-se ao Irã e sobre o que o conflito na Síria significa para esse país? O que os EUA poderiam fazer para mudar a dinâmica do Oriente Médio?
 
Noam Chomsky: O fato crucial sobre o Irã, pelo qual devemos começar, é que nos últimos 60 anos, não passou um único dia em que os EUA não tenham torturado iranianos. Faz agora 60 anos. Começou com um golpe militar, que derrubou o regime parlamentar, em 1953, e instalou o Xá, um ditador brutal. A Anistia Internacional descreveu-o como um dos piores e mais extremistas torturadores do mundo, ano após ano. Quando ele foi derrubado, em 1979, os EUA quase imediatamente se viraram para apoiar Saddam Hussein num ataque contra o Irã, que matou centenas de milhares de iranianos, usando extensivamente armas químicas. Claro que, ao mesmo tempo, Saddam atacou a sua população curda com terríveis armas químicas. Os EUA apoiaram isso tudo. A administração Reagan ainda conseguiu evitar punições para o Iraque. Os EUA ganharam, essencialmente, a guerra contra o Irã por meio do seu apoio ao Iraque. Saddam Hussein era um favorito da Administração de Reagan e da primeira administração de Bush, a tal ponto que George H.W. Bush, o primeiro Bush, logo após a guerra, em 1989, convidou engenheiros nucleares iraquianos para virem aos EUA para terem formação avançada na produção de armas nucleares. Era esse o país que havia devastado o Irã, com um terrível ataque e guerra. Logo depois disso, o Irã foi submetido a duras sanções. E isso continua até hoje. Portanto, temos agora um registro de 60 anos de torturas a iranianos. Não prestamos atenção a isso, mas pode ter certeza de que eles o fazem, com razão. Essa é a primeira questão.

Porquê o ataque contra o Irã?
Voltamos ao princípio da Máfia. Em 1979, os iranianos levaram a cabo um ato ilegítimo: derrubaram um tirano que os Estados Unidos havia imposto e apoiado e que tomou um rumo independente, desobedecendo às ordens dos EUA. Isso entra em conflito com a doutrina da Máfia, que de fato governa o mundo. A credibilidade deve ser mantida. O “padrinho” não pode permitir a independência e o sucesso dos que o desafiam, como no caso de Cuba. Portanto, o Irã tinha de ser punido. O pretexto atual é que o Irã tem um programa de armas nucleares. Bem, segundo o jornal New York Times, o Irã está desenvolvendo armas nucleares, mas os serviços de informação nos EUA, por outro lado, desconhecem esse fato. Dizem que “talvez estejam”. Se, de acordo com os sistemas de informação dos EUA, com os seus relatórios periódicos ao Congresso, o Irã está a desenvolver armas nucleares, seria parte de sua estratégia de dissuasão, ou seja, parte da sua estratégia para se defender de um ataque externo. Como os serviços de informação dos EUA apontam, o Irã tem pouca capacidade de se impor pela força. A sua despesa militar é baixa, mesmo para os padrões da região, mas tem uma estratégia de dissuasão e com razão. Está cercado por potências nucleares, que são apoiadas pelos Estados Unidos e recusaram assinar o Tratado de Não Proliferação. Israel, a Índia e o Paquistão desenvolveram armas nucleares com a assistência dos EUA. A Índia e Israel continuam a ter um apoio substancial dos EUA para os seus programas de armas nucleares e outros programas, tais como a ocupação de parte da Síria, em violação das ordens do Conselho de Segurança. E o Irã está constantemente ameaçado. Os Estados Unidos e Israel, duas grandes potências nucleares (quero dizer, um é uma superpotência, o outro uma superpotência regional), estão constantemente a ameaçar o Irã com um ataque. Novamente, isso é uma violação da Carta da ONU, que proíbe a ameaça ou o uso da força, mas os EUA são relativamente imunes ao direito internacional, e os seus clientes herdaram esse direito. Assim, o Irã está sob ameaça constante. Está cercado por estados hostis com capacidade nuclear. E talvez esteja a desenvolver uma capacidade de dissuasão. Não sabemos. O New York Times sabe, mas os serviços de informação não. Esse é o pretexto.

Existe alguma coisa que possamos fazer?
Os EUA encaram o Irã como “a mais grave ameaça à paz mundial”. Esse foi o relatório de imprensa após o debate presidencial final sobre política externa e, descrevendo com bastante precisão o consenso, o acordo entre Obama e Romney sobre as ameaças no Oriente Médio: o Irã é a maior ameaça à paz mundial, a maior ameaça na região, por causa dos seus programas nucleares. Essa é a posição dos EUA.

Qual é a posição do mundo?
Bem, isso é fácil de descobrir. A maioria dos países do mundo pertence ao Movimento de Países Não Alinhados, que acabara de ter, de fato, a sua reunião ordinária, em Teerã, no Irã. E, mais uma vez, apoiou vigorosamente – vigorosamente - o direito do Irã de enriquecer urânio, como signatário do Tratado de Não Proliferação, ao contrário de Israel e da Índia. Este é o Movimento dos Não Alinhados.

E quanto ao mundo árabe?
Bem, no mundo árabe, não gostam do Irã, não gostam nada. As tensões existem há muitos séculos. Mas o Irã não é considerado como uma ameaça. Uma porcentagem muito pequena no mundo árabe encara o Irã como uma ameaça. No mundo árabe, eles reconhecem de fato as ameaças graves: os EUA e Israel. Isso é revelado por pesquisa atrás de pesquisa, feitas pelos principais órgãos ocidentais. Aqui, a informação é de que os árabes apoiam os EUA contra o Irã. Mas a referência não é feita relativamente às populações árabes, que são consideradas irrelevantes, mas aos ditadores. Uma das ditaduras mais extremistas, e a mais importante, do ponto de vista dos EUA, é a Arábia Saudita. A Arábia Saudita é o estado fundamentalista mais extremista no mundo. É também um estado missionário. Despende enormes esforços, de há muitos anos, para divulgar sua versão extremista Wahhabista-salafista do Islã, tudo com o apoio dos EUA. É uma ditadura, não há por lá a chamada Primavera Árabe. E os ditadores, ali e noutros emirados árabes, provavelmente apoiam a política dos EUA em relação ao Irã. E, para os EUA, para a mídia norte-americana e para os comentarista do país, basta que os ditadores nos apoiem. Não importa o que a população pensa. Bem, isso quanto ao mundo árabe. E é o mesmo no resto do mundo. A obsessão com o Irã é uma obsessão dos EUA, e talvez atraia alguns dos seus aliados.

O que poderemos fazer sobre a alegada ameaça?
Bem, há coisas que podem ser feitas. Assim, por exemplo, em 2010, chegou-se a uma solução para o problema das armas nucleares iranianas. Houve um acordo entre Irã, Turquia e Brasil para o que o Irã pudesse expedir todos os seus recursos de urânio para outro país, para a Turquia, para armazenamento. Não continuaria a enriquecer urânio. E, em contrapartida, o Ocidente iria fornecer o Irã com os isótopos de que necessita para os seus reatores de investigação médica. Era esse o acordo. Assim que o acordo foi anunciado, foi duramente condenado pelo presidente Obama, pela imprensa, pelo Congresso; houve duras condenações ao Brasil, em particular, e à Turquia, por concordarem com isto. Obama apressou-se a decretar sanções mais duras. O ministro das Relações Exteriores brasileiro estava bastante irritado com isso e lançou para a imprensa uma carta do presidente Obama em que este havia sugerido exatamente este programa ao Brasil. Obviamente, tinha sugerido no pressuposto de que o Irã nunca iria aceitá-lo e então teria outro motivo para propaganda. Bem, o Irã aceitou, portanto, o Brasil tinha de ser condenado e a Turquia tinha de ser parcialmente condenada, e ameaçados, de fato, pela implementação da política que Obama tinha sugerido. Isso poderia ser reinstituído, talvez, com alguma modificação. Isso seria uma forma de abordar o problema. Houve uma proposta, desde 1974, para estabelecer uma zona livre de armas nucleares na região. Essa seria a melhor maneira de mitigar, talvez pôr um termo a qualquer que seja a ameaça que o Irã é acusado de constituir. E isso tem um enorme apoio internacional, tão grande que os EUA foram obrigados a concordar formalmente, mas acrescentando que não pode ser feito. Essa é uma questão muito atual agora. Em Dezembro passado, haveria uma conferência em Helsinque, na Finlândia, uma conferência internacional para levar esta proposta adiante. Israel anunciou que não iria participar. O Irã anunciou, no início de Novembro, que iria participar da conferência, sem condições. Então, Obama cancelou a conferência. Nada de Conferência de Helsinque. A razão que os EUA deram foi, quase textualmente, a razão de Israel: Nós não podemos ter um acordo de armas nucleares até que haja um acordo geral de paz regional. E isso não vai acontecer enquanto os EUA continuarem a bloquear uma solução diplomática para o conflito Israel-Palestina, como fazem há 35 anos. É nesse ponto que estamos.

Tradução de André Rodrigues, no O Diário Info
(Título original: Noam Chomsky: Os EUA estão há 60 anos a “torturar” o Irão, desde o golpe de 1953 orquestrado pela CIA)

Fonte: http://www.vermelho.org.br

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