O que resta à direita latino-americana
Na falta de
projetos, ela se refugia em setores da mídia para formar cadeias que resistem a
transformações democráticas
A direita
latino-americana já teve várias fisionomias: economias primário-exportadoras e
regimes políticos oligárquicos, ditaduras e governos neoliberais. Nenhuma
parece suficientemente atraente para fazê-la voltar ao governo onde deixou de
sê-lo. O modelo primário exportador sofreu golpe mortal com a crise de 1929. As
ditaduras serviram para brecar avanços políticos das esquerdas surgidas ou
fortalecidas na reação àquela crise.
O projeto
neoliberal parecia ser a boia de salvação das forças mais retrógradas das
sociedades latino-americanas, permitindo que a direita trocasse de roupa,
aparecendo como força “modernizadora”. Contra um Estado qualificado como
parasitário, pela livre circulação dos capitais que supostamente permitiria
reativar economias e promover o mercado e o grande empresariado como os agentes
mais dinâmicos da sociedade, surgia uma “nova direita”.
Essa
fisionomia foi ajudada pela adesão de forças antes próximas ao campo popular.
Partidos de origem nacionalista como o PRI mexicano e o peronismo,
social-democratas como a Ação Democrática da Venezuela, o Partido Socialista do
Chile, o PSDB no Brasil, entre outros, seguiram a trilha dos partidos
socialista da França e da Espanha, pioneiros a “aderir”. O historiador Perry
Anderson constatou em seu texto Balanço do Neoliberalismo que não tinha havido
um modelo tão abrangente como o neoliberal. Se ainda no começo dos anos 1970 um
conservador como Richard Nixon tinha afirmado “somos todos keynesianos” –
confessando a hegemonia do modelo conhecido pelo Estado indutor do
desenvolvimento e do bem-estar social –, não muito tempo depois até a
social-democracia internacional dizia o oposto: “Somos todos neoliberais”.
A esquerda
histórica era desqualificada como superada, marginalizada dos grandes
movimentos da globalização. Políticos oligárquicos eram reciclados para o
liberalismo de mercado. Projetava-se o século 21 como o século da nova
direita.
O modelo,
pujante no seu início, revelou no entanto seus limites. As crises financeiras
se multiplicaram – do México à Coreia do Sul, do Brasil à Rússia, da Argentina
à Grécia.Depois de ter sido o continente que teve mais governos neoliberais e
nas suas modalidades mais radicais – com os de Pinochet no Chile (1973-1990) e
Menem na Argentina (1990-2000) –, a América Latina viu florescer governos
antineoliberais. Esses governos ocuparam lugares amplos no campo político,
deslocando a direita tradicional, agora associada à nova direita. Diante do
pacto político na região de não aceitar governos que se estabelecessem pela
força, como tentou-se, sem sucesso, na Venezuela, esse segmento teve de buscar
outras vias e espaços.
Novos
governos – Venezuela, Brasil, Argentina, Uruguai, Bolívia, Equador – se
consolidaram por atuar nos pontos mais frágeis do neoliberalismo: promovendo a
centralidade das políticas sociais no lugar da dos ajustes fiscais. Recuperando
o papel do Estado como indutor de crescimento e de direitos sociais, no lugar
da centralidade do mercado. Priorizando diálogo regional em vez de tratados com
os Estados Unidos.
A direita
teve de se refugiar onde mantém espaços de poder privilegiados – os meios de
comunicação. Em situação monopolista, pelo poder do dinheiro e pela articulação
com lobbies internacionais, se criam cadeias de formação antidemocrática da
opinião pública, com poder de pressão sobre governos. A direita consegue
desgastá-los, mas não vencê-los eleitoralmente, pois faltam-lhe plataforma,
capacidade de projetar líderes e de conquistar bases de apoio além de
decadentes setores das classes médias.
Resta à
direita latino-americana promover formas de desestabilização, combinando
campanhas terroristas na mídia, mobilizações de setores que resistem às
transformações democráticas e apoio internacional, buscar brecar os impulsos
desses governos e, eventualmente, ganhar eleições. Essas formas de ação, já
derrotadas em várias ocasiões na Bolívia, Equador e Brasil, se concentram agora
especialmente na Venezuela e na Argentina. Aí jogam todas suas cartas.
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