Desaparecidos: familiares criticam governo de SP por omissão
O governador Geraldo Alckmin vetou projeto de lei que criaria cadastro estadual com características físicas e dados genéticos de pessoas desaparecidas. Para familiares e organizações da sociedade civil, delegacias não estão preparadas e o problema se repete em todo o país. Além da negligência, há casos em que o próprio Estado é responsável pelo desaparecimento forçado de pessoas. São Paulo registra o maior número de desaparecidos no país.
São Paulo – Em novembro de 1992, quando estava indo para a escola, a adolescente Fabiana Renata, de 14 anos, desapareceu. Até hoje, sua família busca notícias de seu paradeiro. Sua mãe, Vera Lúcia Ranu, transformou a dor em uma luta e, desde então, tem atuado em diferentes organizações de busca de pessoas desaparecidas no país. “Nós, mães de desaparecidos, não vivemos, mas sobrevivemos entre a angústia da perda e a dor da espera”, disse na última sexta-feira (01), em uma sessão solene sobre o tema realizada na Assembléia Legislativa de São Paulo.
O estado é o que registra o maior número de desaparecidos no país. Os números, no entanto, são imprecisos e conflitantes. Segundo a Delegacia de Proteção à Pessoa, a única que cuida do assunto em todo o estado, de
Está em funcionamento um cadastro nacional de pessoas desaparecidas, mas que depende da alimentação de dados dos estados para ter eficácia. Para enfrentar este problema, foi apresentado, votado e aprovado
Remetido para sanção do governador Geraldo Alckmin (PSDB), a lei foi vetada em sua integralidade. Os tucanos alegam que não há necessidade do cadastro, já que o nacional já cumpriria este papel. Em resposta, o governo paulista anunciou a criação de um programa para envelhecer fotos de crianças e jovens que estão desaparecidos há muito tempo.
“A medida é importante, mas isso é muito pouco perto do necessário. Nossa luta agora então é para derrubar o veto do governador. A Comissão de Constituição e Justiça da Assembléia já apreciou o veto e nos deu parecer favorável”, explicou o deputado Hamilton Pereira. “Inúmeras famílias vivem diariamente esta angústia, sem saber se seus filhos estão em cativeiros, sob tortura, etc. As informações do cadastro ficariam abertas para todos os órgãos públicos e para a rede de entidades da sociedade civil”, disse.
Na avaliação da Ouvidoria da Defensoria Pública de SP, o cadastro estadual pode ser um caminho para que, além das pessoas, não desapareça também a confiança da sociedade no poder público. Uma CPI realizada em Brasília em 2008 apontou, no entanto, que a existência de cadastros estaduais e de um cadastro nacional, apesar de ajudar, não explica como se deu o desaparecimento e o que foi feito para resolvê-lo. O relatório final da CPI aponta para uma omissão do poder público em geral, incluindo a ausência de dados sobre este problema.
“As delegacias e os policiais não estão preparados para lidar com casos de desaparecimento. Se, por um lado, podem não ter o suporte necessário para fazer o trabalho, por outro recebem as mães e registram burocraticamente os casos. A Academia de Polícia de São Paulo também não tem estudos sobre os desaparecidos”, conta André Feitosa de Alcântara, advogado da Fundação Criança, de São Bernardo do Campo (SP), que desenvolve um programa de enfrentamento ao desaparecimento de crianças e adolescentes.
A ausência de uma definição legal para desaparecimentos é usada muitas vezes pelas autoridades para se desresponsabilizarem pelo problema. Como não necessariamente há um crime em curso – há casos de fuga da família, por exemplo - , não deslocam o aparato policial para solucionar o caso.
Omissão e ação
Além da negligência, há casos em que o próprio Estado é responsável pelo desaparecimento forçado de pessoas. Na sessão solene realizada na última sexta-feira na Assembléia de São Paulo, foi lembrado o caso de maio de 2006, quando, entre apenas 10 dias, cerca de 460 morreram ou foram dadas como desaparecidas numa reação da Polícia Militar a ataques sofridos pelo PCC, facção do crime organizado que atua no estado.
“No começo da matança de 2006, com a autorização do Estado, pessoas foram enterradas em covas coletivas como indigentes. A Secretaria de Direitos Humanos tem a relação de 19 desses corpos. Precisamos saber onde, para fazer o exame de DNA, identificar essas pessoas e acabar com esta tortura das famílias. Do contrário, esses corpos serão incinerados mais pra frente e as pessoas não serão localizadas nunca mais”, explicou Débora Maria, da organização Mães de Maio da Baixada Santista.
Familiares de mortos e desaparecidos políticos do período da ditadura militar também foram homenageados na sessão solene. Laura Petit, que perdeu três irmãos assassinados na Guerrilha do Araguaia, até hoje busca seus restos mortais. Somente o corpo de Maria Lúcia foi encontrado, em 1991. “No dia 16 de junho, completam-se 40 anos que minha irmã foi assassinada, aos 24 anos. Ela viveu menos tempo do que a espera de minha mãe
Em 2010, o Brasil foi condenado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos a devolver às famílias os restos mortais dos guerrilheiros assassinados pelo Estado no Araguaia, e também a punir seus responsáveis. Até hoje a sentença não foi cumprida.
Fotos: Bia Barbosa
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