segunda-feira, 25 de junho de 2012

“Não plantamos por lucro, mas para preservar nosso território”, diz ativista palestino – por João Novaes

“Não plantamos por lucro, mas para preservar nosso território”, diz ativista palestino

Taha Rifai conta uma história de resistência de agricultores contra décadas de abusos e invasões

Além de partilhar com as tradicionais lutas e desafios das organizações camponesas espalhadas por todo o mundo, os trabalhadores agrícolas nos territórios ocupados da Palestina são obrigados a lidar com o desafio de uma ocupação estrangeira que, ao longo de décadas, tem minado a economia local e gerado conflitos em razão da expansão contínua das colônias israelenses. A situação chegou a um ponto em que insistir em se manter como agricultor deixou de ser um meio de vida, mas uma forma de resistência para se preservar o território e a identidade de um povo.

Esta é a situação relatada por Taha Rifai, diretor da UAWC (sigla em inglês para União dos Comitês de Trabalhadores Agrícolas palestinos), uma das mais antigas associações de agricultores da região, fundada desde 1986.

Praticamente toda a área arável da Cisjordânia está sob total controle israelense. Nesse cenário, agravado pelos bloqueios e expansão das colônias, a situação dos trabalhadores rurais é quase insustentável. “Todo agricultor palestino vive em situação precária, é quase impossível obter lucro nesse setor. Somos todos endividados e nosso mercado não tem potencial. Mas continuamos a trabalhar nas terras. Porque se as abandonarmos, elas serão confiscadas [por Israel] assim como nossa identidade. Continuamos na agricultura não apenas como meio econômico, mas como estratégia para proteger nosso território”, explica.
Taha Rifai participou da Marcha dos Povos, que reuniu 100 mil pessoas nas ruas do Rio de Janeiro

Rifai esteve no Rio de Janeiro para participar da Cúpula dos Povos, que se encerrou neste sábado (23/06) como convidado da Via Campesina, e concedeu uma entrevista à reportagem de
Opera Mundi durante uma manifestação de cem mil pessoas contra as decisões da Rio+20 e a ascensão do conceito da economia verde – sendo a soberania alimentar uma das alternativas apresentadas. Mas, para Rifai, não é possível haver soberania alimentar sem a soberania de um povo em relação à sua própria terra – e muito menos à água ou ao próprio mercado interno.

“A Palestina é, essencialmente, uma terra agrícola. E a agricultura é nossa principal fonte de renda. Não temos como desenvolver indústrias em razão das restrições israelenses”, explica.  O principal produto de exportação é, de longe, o azeite de oliva, voltado para o mercado exterior, em especial os países árabes, europeus e o Brasil em um nível considerado simbólico. “Chegamos à Coreia do Sul e agora esperamos agora expandir para a Alba”, afirma.

No entanto, não só as exportações, mas o próprio ato de plantar em terras palestinas está se tornando cada vez mais simbólico, segundo o ativista. Isso porque há gerações tem ocorrido uma massiva ocupação de terras e expulsão dos residentes. “É muito difícil encontrar as terras que nossos tataravós plantaram e ver alguns colonos simplesmente chegarem e as tomarem. A intenção deles não é apenas tomar a terra, é mudar nosso conceito de terra natal. Eles apagam os vestígios do que havia antes e a transformam em outra coisa”.

A situação, segundo Rifai, é ainda mais critica para os camponeses que vivem próximos às colônias de ocupação. “Em muitos desses locais, durante centenas de anos tivemos oliveiras, que agora estão perto das colônias ou do muro de separação. Os colonos são muito agressivos e atacam os fazendeiros palestinos. Assim, impedem nosso acesso às nossas próprias terras fazendo com que as oliveiras sequem e morram. Dessa maneira fica muito mais fácil para eles confiscarem-nas depois”, explica.

Para Rifai, é uma situação única, pois os agricultores não tem qualquer proteção legal e a violação dos direitos humanos contra eles é uma constante.

Além dos colonos, há ainda mais um fator que pesa a favor do confisco das terras: as ações do exército israelense. “Basta um soldado de qualquer patente dar uma ordem alegando que você está plantando em uma zona militar e você está impedido de entrar em suas terras.  Depois elas são desapropriadas”, conta Rifai.

Esta realidade, depois das duas intifadas, tem se degradado a cada ano. “Porém, optamos por resistir pacificamente, assim conseguimos escancarar a cara feia do regime”.

Dificuldades
Outro fator que dificulta muito o cultivo nas terras palestinas é o acesso à água, controlado por Israel. “Não temos o suficiente para nossos cultivos. Roubam a água de nosso subsolo e a direcionam para eles. Dos territórios palestinos, o governo tira anualmente 625 milhões de metros cúbicos de água e dá aos palestinos apenas 25 milhões de metros cúbicos”, afirma.
Palestino trabalhando em agricultura perto do Muro da Separação na cidade de Qalqilyia, na Cisjordânia 

Se, depois disso, eles ainda conseguem realizar uma colheita de sucesso, podem ter ela toda destruída pelas restrições de mobilidade. “Nossos produtos, depois de tanta dificuldade para serem cultivados, são impedidos de chegar aos mercados. Eles chegam aos pontos de controle frescos e são destruídos ou apodrecem lá, após horas, às vezes dias de espera”. Ele conta que, quando se chega a períodos difíceis como a Intifada, todos os produtos são barrados, especialmente no Vale do Jordão.

“E, para piorar, tem a falta de regulação do mercado. Os produtos israelenses chegam a nossos mercados sem qualquer proteção e destroem nossa concorrência com preços mais baixos. Depois que eles nos quebram, sobem esses preços de maneira estratosférica e obtêm um tremendo lucro”, diz.

Nesse cenário, Rifai considera muito difícil que, no futuro, a “solução dos dois estados” consiga ser efetivada no futuro. “Com todas essas colônias, muros, pontos de controle e enclaves, não há possibilidade de um estado palestino viável. Os procedimentos de Israel enterram o caminho para a possibilidade de um Estado palestino. Porém, podemos sonhar com um estado democrático para todos, onde judeus, muçulmanos, e cristãos tenham todos direitos e deveres. Isso é mais realista do que os dois estados. Não porque uma ideia seja certa e a outra errada. Estou falando da realidade, pois, todo o território palestino está cortado”.

Fonte: http://operamundi.uol.com.br/

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