A Copa e a Democradura II: Para xs “esquerdistas” entregadxs ao sistema
Iniciemos
por um evento histórico recente, que é apontado por muitos historiadores como o
marco do início de uma nova época: o atentado contra as Torres Gêmeas do World
Trade Center, em Nova Iorque, em 11 de Setembro de 2001. Sem negar que o
fanatismo religioso causa muitos males, pergunto: vocês não têm a menor dúvida
de que o atentado contra as Torres Gêmeas foi cometido por ordem de Bin Laden?!
Vocês sabem que a família de Bin Laden tinha altos negócios com o governo Bush
e que este – o presidente – ficou “impassível” durante algum tempo (conforme
registros em vídeo) após receber a notícia do atentado, durante uma palestra
para estudantes…?! Será que o título do texto que Noam Chomsky publicou logo
após o atentado – que é: “O Atentado de 11 de Setembro é Um Presente Para os
Conservadores” -, não poderia apontar para algo mais do que o seu “valor
facial” (ou seja: algo mais do que a primeira leitura sugere)? Afinal, não foi
esse atentado que deu a justificativa “moral” para os E.U.A. invadirem o
Iraque, como também para recrudescerem as legislações e os expedientes de
controle interno – e externo – sobre as vidas dos cidadãos, com expedientes
como esse controle virtualmente universal da internet, denunciado por Edward
Snowden? E qual é a linha de intervenção externa que os U.S.A. têm adotado, no
período pós-ditaduras da América Latina..? A DEMOCRATIZAÇÃO de países
politicamente “atrasados”…! Para mim, nenhuma destas forças – nem seus modos de
luta – me interessam.
Como penso
que vocês devem saber: anarquistas não são comunistas marxistas, que sonham com
uma “ditadura do proletariado”. Essa tradição de pensamento ditatorial, como
vocês mesmos admitem, é a formação da “esquerda” partidária (daí serem muito
hábeis na utilização dos expedientes autoritários, mesmo nas DEMOCRADURAS)!
Aliás, para mim, bem entendido, anarquismos nem sequer são “esquerda”, porque
“direita” e “esquerda” referem-se a dois lados em luta pelo poder do Estado!
Talvez, seja isto mesmo que os “States” queiram que se torne pensamento único:
a ideia de que em política só existem duas opções, ou as ditaduras (“clássicas”),
ou as democracias representativas, ou seja, a ideia de que fora do Estado não
há “salvação” e de que, dentro do Estado existe uma promessa de paraíso: a
“liberdade política” meramente estatística, ritualística e sazonal do sufrágio
universal e seus corolários de formalismos legislativos promotores da
“equitatividade social”!
Se vocês
são otimistas e acham que estamos caminhando cada vez mais para um mundo melhor
(“um mundo onde todos tenham a mesma oportunidade, de fato e de direito”), eu
lhes digo que penso que estamos sim caminhando para um mundo das melhores
utopias… NEGATIVAS, tais como “pintados” nas obras “1984″ e “Admirável Mundo
Novo”. Ali, se vê populações felizes, com todas as suas necessidades básicas
garantidas, se sentindo espontâneas e confortáveis como… peixes em aquários,
que de tão acostumados com os vidros transparentes das estruturas que os contêm
(faço aqui uma analogia com as estruturas políticas, econômicas e sociais
altamente hierarquizadas e burocráticas dos Estados Modernos), nem sequer
“sonham” com a possibilidade da existência do mar… Poético demais? Então, vamos
aos duros fatos:
Vocês sabem
que, neste momento, governos “democráticos” – inclusive de “esquerda” – de
todos os países ricos estão “tratando” imigrantes pobres com confinamentos em
campos de segregação (Alemanha e Itália), suas polícias (que nem são
militarizadas como a do Brasil) estão “tocando o terror” contra populações de
imigrantes (isso em países com governos social democratas, como a França, onde
se multiplicam casos de agressões policiais a imigrantes pobres), suas
políticas – dos países “democráticos” – concentram-se basicamente em impedir a
qualquer custo – inclusive atirando – a entrada de imigrantes pobres em seus
territórios e que, para os que conseguem entrar, a ordem é deportar
maciçamente…?! Vocês sabem que, também no Brasil, o Governo Federal formou uma
força tarefa para “despachar” (para fora do país), rapidamente, imigrantes
Haitianos ilegais?
Vocês sabem
que, em vários países “democráticos”, as manifestações que REALMENTE incomodam
o Status Quo (ou seja, aquelas que denunciam todos os que fazem o jogo do
poder) vêm sendo duramente reprimidas?! Por exemplo: Na Espanha, foram
divulgadas imagens na internet de policiais algemando manifestantes em postes
na rua e lhes dando longos banhos com os caminhões de água; nos E.U.A. a
polícia já tinha iniciado essa moda que chegou esses dias em São Paulo, de
borrifar gás de pimenta nos olhos de manifestantes já contidos por vários
homens (aliás, a “versão quebra bancos” dos black blocks surgiu lá, devido ao
descaso com que a grande mídia trata estes crimes “oficiais”); aqui no Brasil,
para além da repressão contra as manifestações urbanas, operários grevistas na
“insuspeita” construção da Megausina Hidrelétrica de Belo Monte (na região do
Rio Xingu) receberam a “visita” da Força Nacional que não foi nada “cordial”
com os trabalhadores no exercício do seu “legítimo direito de greve”! Então,
como se vê, o problema da polícia não é ser ou não militarizada, como a do Brasil:
isso é uma questão ilusória! O problema da polícia é SER POLÍCIA! A polícia –
militar ou não – é uma das instituições destinadas a fazer o uso da força para
manter o Status Quo (manter o sistema e os grupos que fazem seu jogo), e ai da
Polícia que não possa fazer uso da força quando isso interessa à manutenção do
sistema!
Vocês já se
questionaram “por que”, justamente num momento em que a internet está servindo
para mobilizar, mundialmente, tantos movimentos de protestos com uma tendência
declarada à reivindicação de uma VERDADEIRA DEMOCRACIA (como foi o lema dos
“Indignados”, na Espanha de 2011) – ou seja, reivindicações de Democracia
Direta -, “por que”, justamente nesse momento, surgem propostas de regulação
governamental da internet, como a do Marco Civil e a da Netmundial? Sei, o papo
é que as grandes corporações de transmissão de dados já estão privatizando os
dados dos usuários… Mas, então, a única escolha aí é entre ter seus dados
virtuais controlados pelas corporações ou controlados pelos governos?! Aliás,
para quem tem olhos para ver, a maioria dos governos mundiais são eleitos com
megacampanhas eleitorais, cada vez mais caras e financiadas por grupos de
grandes interesses econômicos, configurando-se, de fato, em mandatários destes
grupos corporativos. Então, há alguma escolha aí, entre “a cruz” – das ilusões
da religião dos nacionalismos – ou “a espada” – do mercado que fere as
dignidades pessoais em nome do lucro?! Ou seja, parafraseando – não por acaso
-, a música do polêmico Ney Matogrosso: “se correr o bicho pega, se ficar o
bicho come, porque isso vai longe, meninxs isso vai longe…” Vai sofisticar mais
ainda os já tão refinados mecanismos de controle existentes sobre as vidas das
pessoas nas sociedades contemporâneas: e qualquer prática que seja REALMENTE
crítica com relação ao Status Quo, já será detectada e anulada desde o seu
nascedouro, pelo BIG BROTHER! Não é à toa que um dos grandes conhecedores do
mundo da internet, Julian Assange (do WikiLeaks), declarou que a internet está
se tornando uma das maiores ameaças à civilização (ou seja, ao desenvolvimento
do livre pensamento)… E também não é à toa que ele – Assange – está sendo
vítima de uma campanha de difamação e de incriminação… A tal liberdade de
pensamento nas democracias representativas só vai até onde se pensa O QUE SE
PERMITE QUE SEJA PENSADO, ou seja, que a democracia representativa é o único e
o melhor dos mundos políticos! Quem enxerga para além dos vidros do aquário,
“mija fora do balde”, “joga água fora da bacia” – melhor, “do aquário”, porque
perceber que existe o mar e querer se agitar para sair do aquário em direção à
amplitude do horizonte, é crime contra o Estado – ou melhor, é um dano contra
os vidros de contenção (qualquer alusão à estratégia black block não será mera coincidência?)!
E, vejam
que eu me limitei aqui apenas às questões dos imigrantes pobres, dos
manifestantes pró Democracia Direta, das ameaças à liberdade na internet como
consequência da intensificação dos seus usos para fins de mobilizações
realmente críticas… Eu poderia me estender mais tratando, p. ex, da questão dos
estreitos vínculos das indústrias farmacêutica e bélica com a maior parte dos
Estados “democráticos”, de modo que esses Estados submetem suas populações a
políticas de vacinações massivas com substâncias cuja eficácia – e efeitos
colaterais – ainda não são ponto passivo entre a comunidade científica, bem
como estes Estados também são cúmplices – direta ou indiretamente – de boa
parte das guerras do mundo moderno, pelo fato de serem alguns dos maiores
clientes das indústrias armamentistas…
Mas, como
eu já lhes disse, acho sim que estamos caminhando para um mundo digno das
melhores utopias NEGATIVAS: um “Admirável Mundo Novo”, onde os cidadãos cada
vez mais condicionados a viverem em harmonia com as leis e regras sociais – a
se sentirem felizes dentro do aquário – têm as suas capacidades perceptivas e
críticas cada vez mais entorpecidas por uma droga chamada… O acesso ao consumo
em massa de produtos/bugigangas descartáveis, como também ao consumo de
produtos da indústria de entretenimento como o… FUTEBOL!
Se depois
de sabermos de tudo isto, vocês ainda acham que os Estados democráticos
modernos são “racionais”, ou seja, que por dentro de suas instituições se pode
garantir um mundo sem violência nem derramamento de sangue, um mundo melhor,
onde todos tenham a mesma oportunidade de fato e de direito, eu precisarei ir
mais além na minha demonstração e sintetizar todo o quadro apresentado em uma
frase bastante didática: O MUNDO DOS ESTADOS NACIONAIS É UMA GRANDE MÁFIA! E se
mesmo assim vocês continuam acreditando que é interessante brigarmos com o
autoritarismo da FIFA, mas também por melhores sistemas de saúde, educação etc,
sem questionarem a natureza do Estado e da grande propriedade do Capital, enquanto
instrumentos alienadores do poder EFETIVO dos cidadãos “comuns” sobre a sua
vida em coletividade, então, nem conversemos sobre “luta”, porque para mim,
assim como já denunciava Ivan Illich (ainda nos anos setenta) muitos desses
programas de expansão das redes de atendimentos de modernos serviços estatais
e/ou empresariais, são na verdade parte de uma grande estratégia de apagamento
dos modos de vida comunitários tradicionais (de convivialidades não
prioritariamente mediadas por valores monetários), em substituição pelo modo de
vida capitalista moderno (da dominância dos valores do mercado, concorrencial,
produtivista e consumista), sob o argumento de que a “falta de acesso” a esses
serviços modernos configura “pobreza” (quando pode ser apenas um outro modo de
produção e consumo, tal como nos casos de tribos indígenas e comunidades
caboclas e de pescadores). E ainda mais: as Comunidades Zapatistas no México –
onde milhares de pessoas experimentam um modo de vida autogestionário, sem
Estado, sem patrões, mais próxima à natureza e sem miséria – têm denunciado que
o Estado Mexicano tem seduzido muitos dos seus integrantes para saírem das
comunidades, atraídos pelo modo de vida consumista, propiciado por… “Programas
sociais”!
Então, o
que se vê é que os Estados Modernos têm exercido, majoritariamente, um papel
histórico de promover a ampliação da dominação das formas de sociedades de
mercado – um processo de arruinamento dos modos de vida que diferem do moderno
modo de vida ocidental, industrial, produtivista e consumista. Em outras
palavras: uma homogeneização, em escala planetária, das formas humanas de
viver! Então, no âmbito deste modelo civilizatório, não se pode falar em
respeito a tradições e/ou à diversidade! Exemplo disto é o fato de que entre os
jovens de países orientais como o Japão e a China, onde a “moderna economia de
mercado” foi desenvolvida e/ou estimulada (com a adoção de políticas
governamentais específicas, claro), os modos de vestir se assemelham cada vez
mais aos do Ocidente (com a universalização do uso do jeans, p. ex.), os gostos
musicais também (verificando-se uma tendência ao crescimento do gosto pela
música difundida na moderna indústria cultural ocidental, diga-se, estilos como
o rock, o pop, o tecno etc), os hábitos alimentares idem (com a dominância cada
vez maior do estilo alimentar dos “fast foods”) e até os tradicionais jogos
locais tendem a ser secundarizados cada vez mais em favor do… FUTEBOL! E o
futebol é um ótimo fenômeno para exemplificar este processo de homogeneização
universal dos modos humanos de viver, sob a ação dos Estados Nacionais e das
modernas sociedades de mercado:
Vocês sabem
que entre os critérios que compõem o chamado “padrão” FIFA nas “arenas” – este
é o nome, pois agora são europeizadas -, além da expulsão de comunidades pobres
do entorno dos antigos estádios, consta também o da abolição das “gerais” –
aquelas áreas dos estádios onde os ingressos eram mais baratos e que por isso
eram frequentadas pelos torcedores pobres -? Sem falar, no impedimento à
entrada de “fanfarras”, no impedimento ao uso de suportes de bandeiras
(mastros), como também na abolição de cabines de vendas de ingressos no local
etc. Ou seja, a FIFA homogeneiza – “padroniza” – o perfil dos torcedores nos
estádios, configurando assim uma situação em que os grupos que aparecem nas
telas das transmissões mundiais dos jogos são majoritariamente grupos de classe
média (ou seja, os representantes da excrescência chamada “opinião pública
mediana”)… Qualquer semelhança com o projeto de estratificação social sonhado
pelo Governo Federal para a sociedade brasileira, será mera coincidência?!
Aliás, quem diz ser crítico do autoritarismo da FIFA, para ser coerente, deve
ser crítico do Governo Federal também, porque a FIFA não impôs unilateralmente
suas regras ao Brasil, ao contrário, o Governo Federal ACEITOU SEDIAR A COPA,
ou seja, é parceiro da FIFA, tendo o governo, inclusive, oferecido a este Pool
de grandes corporações “agrados” tais como uma completa isenção fiscal para o
megaevento! Em tempo: gosto da arte do futebol, mas rechaço veementemente a
INDÚSTRIA DO ENTRETENIMENTO, que é um dos ramos de negócios mais criminosos do
mundo, posto que é um dos que mais se prestam para a lavagem internacional de
dinheiro oriundo de atividades criminosas (não é à toa a tradição de ligação
entre bicheiros e times de futebol no Brasil).
Então, se,
como vocês mesmos devem admitir e deduzir, só há uma classe de regimes
sócio-políticos onde todos são levados a ver o mundo de forma igual, o que
dizer de um modelo civilizatório como este, dos Estados Nacionais e das
Modernas Sociedades de Mercado, onde domina todo este processo de
homogeneização global dos modos de vida humanos?! Claro que a resposta já foi
antecipada pelo seu próprio raciocínio: DITADURA, aliás, DEMOCRADURA (visto a
existência dos RITUAIS FORMAIS de legitimação – pelo uso do sufrágio universal
– das trocas sazonais de grupos administradores do sistema, bem como a
existência FORMAL de ordenamentos jurídicos que garantem direitos individuais
básicos como a liberdade de expressão e o direito inalienável à vida – que o
digam os manifestantes libertários sistematicamente presos no Brasil e ao redor
do mundo, bem como os imigrantes de países pobres, quando – e se – conseguem
aportar em países democráticos ricos).
Nós,
“progressistas”, subestimamos muito a inteligência dos grandes estrategistas a
serviço da manutenção do sistema: nos achamos tão bons que não conseguimos ver
nada a nossa frente, a não ser os nossos “anseios”, e esquecemos de coisas
simples, tais como o fato de que felicidade e liberdade são duas situações que
não mantêm nenhuma relação de vínculo necessário entre si e que, portanto, um
povo pode ser feliz, mesmo nas mais sofisticadas das servidões (aliás,
principalmente nestas, pois aqui a servidão é mais difícil de ser percebida do
que em autoritarismos clássicos),como os habitantes das utopias negativas de
George Orwell e Aldous Huxley, como o peixe que vive no aquário sem nem
sequer “sonhar” que existe mar.
E é por
compreender que o fundamentalismo da moderna sociedade de mercado é a religião
universal cada vez mais dominante hoje e que, como em toda e qualquer religião,
seus adeptos cada vez mais numerosos se sentem felizes apenas por
co-participarem de seus rituais sagrados – o produtivismo e o consumismo em
massa, inclusive de entretenimento -, e por compreender também, por outro lado,
que existem outras possibilidades de vida humana mais autônomas e que, como diz
Cornelius Castoriadis, “existe sempre a possibilidade dos sujeitos desviarem o
olhar em relação à sua cultura” (e enxergarem diferentemente das visões
dominantes), é por tudo isto que eu não penso mais em termos de revolução
(pois, antes que “outros” a façam, o sistema já “faz”… com a ajuda de vocês)
mas sim em termos de REVOLTA, e ao contrário do que vocês pensam, eu acho que
isso deve ser feito o tempo todo (e não apenas quando não se concorda com o
governo da vez), porque, através disso, se poderia encontrar alguma
ORIGINALIDADE (ao invés de apenas reproduzir modos “enlatados” de vida)!
Quando vejo
que boa parte dos que estão se dispondo a enfrentar o grande império atual –
das modernas sociedades de mercado e dos Estados Nacionais – são muito jovens,
quero me afastar da “razoabilidade” e “maturidade” dos velhos
(independentemente da idade cronológica) que antes eram “críticos” e hoje são
colaboradores do projeto de mundialização deste modelo civilizatório que está
transformando todos em meros cidadãos produtores/consumidores em massa (como
também transformando tudo em mero produto de consumo em massa), e me pego a
repetir o seguinte trecho de uma letra do – agora “outsider” – cantor e
compositor cearense, Belchior (que, também não por acaso, eu lembro aqui):
“Mamãe quando eu crescer eu quero ser adolescente, no planeta juventude haverá
vida inteligente…”
Sim,
sejamos tranquilos, porque existem todos os tipos de vida, mas nem todxs os
seres vivem dispostxs a roubar o fogo da liberdade dxs deusxs, como Prometheus!
Nos vemos
por aí, amigxs.
Vantiê
Clínio Carvalho de Oliveira
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