DISPARATE ISRAELENSE - por Paulo Moreira Leite
Ao dizer que Brasil é "anão diplomático" porta-voz da chancelaria de Israel esconde papel brasileiro na fundação de Israel
A reação de um porta-voz da chancelaria do governo de Benjamin
Netanyaou à notas de repúdio do governo brasileiro diante do massacre de
Gaza reflete uma reação insolente, pela diplomacia, e absurda, do ponto
de vista histórico.
Definir o Brasil – e qualquer outro país – como "anão diplomático" é
um gesto mal educado em qualquer caso mas puro delírio nas relações
entre Israel e Brasil.
Isso porque a delegação brasileira presente a Conferência da ONU em
San Francisco, em 1948, teve um papel importante na decisão que permitiu
a partilha da Palestina, medida que deu origem ao Estado Judeu.
Vamos recapitular o que houve. Encarregado de presidir a sessão da
ONU, entidade então em seus rascunhos, o antigo chanceler Oswaldo
Aranha, um dos homens fortes durante a maior parte do governo Vargas,
foi a San Francisco como chefe da delegação brasileira. Estávamos no
governo de Eurico Dutra, bastante alinhado com os Estados Unidos.
Em San Francisco, Aranha fez um levantamento prévio das preferências
entre os países presentes. Descobriu que a partilha da Palestina, que o
Brasil apoiava, não reunia o mínimo de 2/3 de votos necessários para ser
aprovada. Atuando em sua própria lógica, os soviéticos de Josef Stalin
apoiavam Israel porque ajudava a prejudicar os inglêses. Os
norte-americanos tinham alguma simpatia pela ideia, mas não podiam
assumir um alinhamento aberto. Aranha fez, então, uma pequena manobra
diplomática.
Adiou a decisão, dando tempo para que os aliados de Israel
conquistassem os votos necessários. Foi assim que os israelenses
venceram e a ideia de instalar um Estado de fora para dentro numa terra
habitada, há pelo menos dois mil anos, por uma população árabe, foi
aprovada. A noção de dar uma terra sem povo para um povo sem terra, uma
das frases mais absurdas do marketing político mundial – mesmo com a
imigração massiva promovida por entidades sionistas nas décadas
anteriores a demografia do lugar apresentava dois árabes para cada judeu
– ganhou legitimidade internacional. O prestígio de Oswaldo Aranha
entre a comunidade israelense tornou-se gigangesto, a ponto de seu nome
virar nome de rua em Tel Aviv.
Pesquisas nos arquivos do Itamaraty vieram a demonstrar, décadas
depois, que no final da década de 1930 Aranha foi um dos responsáveis
pela postura anti-judeus da política de imigração que o governo
brasileiro assumiu durante a maior parte da Segunda Guerra. Ainda que na
prática tenha ocorrido – por vias legais e também pelo contrabando –
uma imigração judaica muito maior do que os textos escritos sugerem, não
faltam ordens e resoluções assinadas por Aranha que envergonham quem as
lê. Mesmo considerando que refletem um mundo no qual noções de
hierarquia racial faziam parte da ideologia vigente, são inaceitáveis.
Mas, em 1948, ele assumiu outra postura, viabilizando um projeto que o
movimento sionista buscava desde 1897. Ao contrário do que disse o
porta-voz do governo de Israel, que chegou a lembrar a derrota de 7 a 1
para a Alemanha na Copa!, foi, do ponto de vista israelense, um gesto de
gigante.
A reação disparatada, 66 anos depois, só não é estranha porque faz
parte do comportamento dos governantes israelenses há muito tempo.
Ajuda, no plano externo, a evitar a discussão que interessa: a
necessidade de interromper um novo ataque brutal a população palestina,
massacrada numa região de onde não pode sequer escapar. A nota do
governo brasileiro lembra, corretamente, os direitos da população
palestina, atacada cotidianamente.
Também ajuda a estimular o nacionalismo judaico, um elemento importante na política israelense desde sempre.
Já em 1949, o drama dos refugiados palestinos – milhares foram
retirados e expulsos de suas casas e conduzidos até a fronteira –
tornou-se um assunto da diplomacia internacional.
Interessado em encontrar uma saída negociada, o governo do presidente
americano Harry Truman mostrou-se decepcionado com a postura de Israel,
que não exibia a menor disposição de encontrar uma saída satisfatória
para a situação. Fazendo uma analogia dramática, mas que seria usada com
frequencia pelos críticos e adversários de Israel nos anos seguintes,
Truman usou um emissário para informar Ben Gurion, ministro da Defesa de
Israel e seu patrono, para registrar uma mudança em sua visão do
problema naquela região que ia muito além de uma simples querela
diplomática. Truman mandou dizer que "agora estava inclinado a apoiar os
árabes, da mesma forma que anterioramente havia suportado a causa
sionista porque tinha simpatia com com os refugiados judeus,
sobreviventes do Holocausto." ("1949 – the first israelis," de Tom
Segev, página 35 e seguintes).
O mesmo Tom Segev, historiador registra a reação de Ben Gurion a
mensagem do presidente dos EUA. Em seu diário, Ben Gurion sustenta que
Israel foi criado por conta própria e não deve satisfação a ninguém –
nem a aliados internacionais, nem a ONU. "O Estado de Israel não foi
estabelecido como consequencia da resolução da ONU," escreve ele. Mais
adiante: "a América não levantou um dedo para nos salvar..." Ainda: "não
existem refugiados – mas combatentes que querem nos destruir (...) nos
exterminar uma segunda vez." E ainda: "nossa autopreservação é mais
importante para nós do que a obediência" aos Estados Unidos.
O que se construiu, ao longo dos anos seguintes, foi uma visão
mitológica de Israel, avalia o estudioso Geoffrey Wheatcroft, no livro
"The Controversy of Zion." Analisando um histórico que envolveu várias
formas de perseguição, como progroms na antiga Russia, sem falar no
Holocausto, Wheatcroft lembra que "é claro que Israel deu aos judeus um
novo sentido de orgulho e auto-respeito." Mas adverte: "sem apoio do
Ocidente, Israel não poderia sobreviver." Investigando essa contradição,
Wheatcroft lembra duas questões. Se o nacionalismo judaico ajudou a
emancipar os judeus como homens "donos de seu destino", a criação de
Israel se fez na "dependência e generosidade" norte-americana, situação
que ajuda a compreender traços que define como "paranóicos" no discurso
político israelense.
Há um aspecto curioso nessa dependência em relação aos Estados
Unidos, contudo. Envolve uma ajuda militar entre 3 e 5 bilhões de
dólares por ano mas não pode ser descrita como uma clássica relação do
tipo metrópole-colonia. Os interesses israelenses tem uma presença
descomunal na política interna norte-americana.
Desde a guerra pelo Canal de Suez, em 1957, quando mostrou sua
importância para enfrentar a resistência dos países árabes, Israel
tornou-se a nação amiga dos países ocidentais numa região hostil a
exploração imperial do petróleo. Este é seu papel e sua função
geopolítica. Mas, se Harry Trumann já havia encontrado problemas com a
política de Israel em relação aos vizinhos, o republicano Dwight
Einsenhower também encontrou os seus. Explorando a divisão de poderes,
lobistas israelenses fizeram uma fortaleza no Congresso americano,
graças a um sistema político favorável a intervenção de grandes
interesses. Não só não há limites para contribuições privadas em
eleições. Também não há verbas públicas para o funcionamento de
gabinetes dos parlamentares, que dependem, assim, de amizades
endinheiradas para pagar assessores – oferecidos pelas grandes empresas –
para tocar boa parte de seus gabinetes. O saldo é que os lobistas de
Israel tem a maior organização de Washington, e só perdem para a NRA, a
associação dos fabricantes de armas. Embora a população judia dos
Estados Unidos represente pouco mais de 2,2% da população, seus lobistas
têm 50 milhões de dólares por ano para gastar. Na década passada,
venceram por 60 a 0 uma disputa no Senado. Conforme um levantamento da
insuspeita revista Economist, sua única derrota relevante ocorreu na
década de 1950. Naquela época, o secretário John Foster Dulles, chegou a
dizer, ironicamente, que não se considerava inimigo dos judeus "mas não
podemos ter nossas políticas feitas em Jerusalém."
A historiadora brasleira Arlene Clemesha já registrou que os Estados
Unidos usaram seu poder de veto mais de 40 vezes para impedir a
aprovação de resoluções desfavoráveis a Israel no Conselho de Segurança
da ONU. Ela lembra:
"Por que duvidar que a manutenção do conflito israelo-palestino não
seja do interesse dos Estados Unidos? Lobistas em Washington pouco poder
teriam se suas posições não estivessem em frequente acordo com
interesses dos sucessivos governos norte-americanos."
Esta é a questão. Falar em anões é só um disfarce.
Fonte: http://www.brasil247.com/pt/247/midiatech/147938/PML-Israel-teve-rea%C3%A7%C3%A3o-insolente-do-ponto-de-vista-hist%C3%B3rico.htm
sexta-feira, 25 de julho de 2014
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Um comentário:
Um Estado estado assassino e genocida pior que a Alemanha nazista
Postar um comentário