Palestina: acordo surpreendente, inimigos previsíveis
Cinco
líderes palestinos anunciam, em Gaza, a reconciliação. Da esquerda para a
direita, Mustafa Barghouti (Iniciativa Nacional Palestina), Azzm al-Ahmed
(Fatah), Ismail Haniyeh (Hamas), Musa Abu Marzuk (Hamas) e Jameel Shehadeh
(Frente Árabe Palestina)
Fatah e
Hamas, as duas grandes correntes pela independência, parecem entender-se, sob
aplauso da população. Israel e EUA mostram-se inconformados…
Provavelmente
é perspicaz enxergar com algum ceticismo o acordo entre as principais facções
palestinas, Fatah e Hamas, anunciado na última quinta-feira (24/4). Ambos
os grupos concordaram em criar um governo de consenso e realizar eleições ainda
este ano. Anunciados com similar alarme, os acordos em Cairo,
em 2011, e em Doha,
2012, não levaram a lugar algum. Naquelas ocasiões, nenhuma das partes
acreditou que tinha mais a ganhar do que a perder, com um acordo de
compartilhamento de poder.
Mas existem
razões para acreditar que dessa vez será diferente. O acordo surgiu após o
envio, à Faixa de Gaza [controlada pelo Hamas], da primeira delegação da
Organização pela Libertação da Palestina (OLP, dirigida pela Fatah), desde a
brutal guerra
civil entre os dois grupos, em 2007. O acordo foi assinado na Palestina —
na cidade de Gaza, para ser exato — ao invés de alguma outra capital
estrangeira. Ainda mais, a reconciliação permanece amplamente popular entre
palestinos. Em março de 2011, com protestos anti-governo se espalhando pela
região, dezenas de milhares de pessoas saíram às
ruas em Gaza e na Cisjordânia para pedir o fim da divisão. Uma pesquisa
de abril de 2013, feita pelo Centro de Mídia e Comunicações de Jerusalém,
descobriu que mais de 90% da população eram favoráveis à reconciliação entre as
duas facções.
É
importante compreender de que modo as dinâmicas políticas internas da Palestina
ajudaram a produzir esta mudança, ao colocarem ambas as facções sob enorme
pressão. Em meio ao que seus líderes proclamaram um “Despertar Islâmico” na
região, o Hamas havia construído uma visão otimista sobre suas próprias
perspectivas, assumindo que iria se beneficiar do advento de uma onda de
governos dominados por islâmicos, no Oriente Médio. Mas viu sua sorte mudar
drasticamente, ao longo do último ano. O golpe de Estado no Egito, em julho de
2013, removeu o governo de Mohammed Morsi, dominado por membros da Irmandade
Muçulmana (o Hamas foi fundado como o braço palestino da Irmandade). O novo
governo militar egípcio fechou a maior parte dos túneis que ligavam o país à
Faixa de Gaza, e eram vitais para abastecimento desta região. Também removeu
uma fonte-chave
de receitas de Hamas, que tributava o comércio nos túneis.
Mas a
situação da Fatah também era difícil. Com as negociações com Israel (nas quais
ele entrou contra
a vontade da maioria de seu próprio partido) na UTI, o presidente palestino
Mahmoud Abbas viu claramente, na reconciliação, um trunfo para ampliar sua
popularidade em um momento em que está em uma posição relativamente mais forte
com o Hamas. O que falta saber é se ele vê este movimento como algo destinado a
fortalecer sua posição, nas negociações com Israel; se o enxerga como um passo
para deixar estas negociações de lado; ou se considera ambas as hipóteses.
A reação
ultrajada de legisladores norte-americanos ilustra o desafio (ainda maior)
diante do qual estará o governo Obama — em seus esforços já frágeis para
facilitar um acordo final entre Israel e Palestina. Os EUA e a União Europeia
tratam o Hamas como uma organização terrorista, acusando-o de múltiplos atos de
assassinato, entre meados dos anos 1990 e o início dos anos 2000, e por
frequentes ataques a Israel, realizados a partir de Gaza, por meio de foguetes.
A carta do Hamas
permanece como um documento profundamente ofensivo, que cita a justificativa
religiosa para matar judeus. Outra questão importante é se este acordo, e a
reincorporação do Hamas à Autoridade Palestina, significam que o grupo
afastou-se daquele documento, abandonando seu objetivo de longa data de
destruir Israel, e se aproximou da solução de dois Estados.
Jibril
Rajoub, um dirigentes graduado do Fatah, insistiu
ontem que o Hamas deu o passo. “Nós não estaríamos concordando em assinar um
acordo de reconciliação sem estar claro a todas as facções que estamos nos
direcionando nossa nação para frente, para uma solução de dois Estados”, ele
disse. “Eu espero que Israel permita a continuidade das negociações de paz, com
base na ideia de dois Estados para dois povos.”
Mas isso
será o suficiente para satisfazer a chamada “comunidade internacional”? Em
respostas à vitória eleitoral do Hamas, em 2006, o quarteto liderado pelos EUA
— que inclui a ONU, a União Europeia e a Rússia — impôs três condições ao grupo
para se reunir ao governo palestino: renunciar ao terrorismo, reconhecer Israel
e honrar os acordos passados assinados entre israelenses e palestinos. (Não se
menciona, a respeito, o fato de o governo israelense incluir partidos que se
opõem à existência do Estado palestino…)
O governo
dos EUA respondeu negativamente às novidade. A porta-voz do Departamento de
Estado, Jen Psaki, qualificou como “decepcionante” o acordo de unidade
palestina e acrescentou que ele “levanta preocupações sobre nossos esforços
para estender as negociações.” A União Europeia, por outro lado, deu
boas-vindas ao acordo. “A UE clamou consistentemente por uma reconciliação
intra-palestina por trás”, declarou
o porta-voz Michael Mann, chamando o acordo de um “elemento importante para a
unidade de um futuro Estado palestino e para alcançar a solução de dois
Estados.”
Como já fez
com os anúncios anteriores, o primeiro-ministro israelense Benjamin Netanyahu
rejeitou o movimento. “Esta noite, enquanto as conversas sobre paz estão
começando a tomar rumo, o Abbas escolheu o Hamas, e não a paz” disse um comunicado
divulgado por seu gabinete. “Quem quer que escolha o Hamas não quer paz”. É
difícil imaginar que este apelo tenha peso junto a Abbas, dado que as
conversas de paz mantidas no último ano alcançaram pouco, e foram acompanhadas
por um aumento sem precedentes da construção de colônias de ocupação
israelenses.
O gabinete
de segurança de Israel decidiu, na semana passada, suspender as negociações com
os palestinos. Mas diversos analistas israelenses foram rápidos em afirmar que
o acordo Fatah-Hamas representa uma oportunidade para seu país. Críticos das
negociações notaram que a desunião entre a Cisjordânia e Gaza — uma, governada
pela Autoridade Palestina controlada pelo Fatah, outra, dirigida pelo
Hamas — torna sempre mais difícil um acordo de paz. Os líderes israelenses
“argumentaram que Abbas não representa, na verdade, o povo palestino e que
nenhum progresso poderia ser feito enquanto o Autoridade Palestina não
controlar Gaza”, escreveu
Barak Ravid no diário israelense Haaretz. “O acordo de reconciliação, se
implementado, poderia prover uma resposta para estes argumentos, criando um
governo que representasse todos os palestinos.”
“Seria
incorreto apresentar um ultimato à OLP, embora seja preciso escolher entre
negociações com Israel e uma reaproximação com o Hamas, escreveu
Ildo Zelkovitz, ligado ao think-tank israelense Mitvin. “A possível
estabilidade do sistema político palestino pode favorecer Israel, e se a
reconciliação for alcançada, qualquer processo político iniciado por Abbas com
Israel pode envolver também o Hamas.
Falta saber
se os EUA terminarão optando por este ponto de vista. Para o secretário de
Estado, John Kerry, que vê um acordo entre Israel e Palestinos como uma
prioridade de sua passagem pelo posto, o anúncio da reconciliação Fatah-Hamas
complica um processo já difícil. Mas apesar das dificuldades das últimas
semanas, e como já notei,
ele pode agir com criatividade. A questão é se se será suficientemente criativo
para converter os fatos recentes numa oportunidade.
Tradução: Gabriela
Leite
Fonte: http://outraspalavras.net/
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