quinta-feira, 3 de abril de 2014

Punk, precursor das mídias livres? - Por João Carlos Correia*


Punk, precursor das mídias livres?
Entre muitas raízes da Comunicação Compartilhada está o “Do it Yourself”, que movimento musical propôs já nos anos 1970 — e explodiu na forma de fanzines e rádios piratas

Nos idos de 1977, o movimento Punk varria a Grã-Bretanha como um furacão. Desde o seu surgimento, nas camadas mais pobres da classe trabalhadora britânica, tudo o que envolvia o punk era polêmico: roupas velhas, gastas e rasgadas, atitudes debochadas, gestos obscenos, um negativismo notório, músicas agressivas com letras igualmente agressivas pregando a anarquia, denunciando e atacando a hipocrisia da sociedade burguesa, o capitalismo, o fascismo, as tensões políticas e raciais (como, por exemplo, na Irlanda do Norte e na, aparentemente sem fim, guerra entre israelenses e palestinos) e o desemprego.

O Punk tinha frases que também eram palavras de ordem do movimento e que sobrevivem até hoje tais como “Não há futuro” e “O Punk não está morto”. Porém, uma dessas frases chamava a atenção por evocar, entre tanta revolta, deboche e ceticismo aquilo que, atualmente, se chama ação afirmativa. A frase é: “Não odeie a mídia. Seja a mídia”.

A autoria dessa frase é creditada a Jello Biafra, cantor, compositor e líder da banda punk estadunidense Dead Kennedys (em português, “Kennedys mortos”. Uma alusão à famosa família Kennedy, cujo membro mais ilustre, John F. Kennedy, elegeu-se presidente dos EUA e, tempos depois, foi assassinado. Nome de banda mais punk que esse, impossível). Mas o quê Biafra queria dizer com isso?

No princípio, o Punk, com seu visual, sua postura e sua filosofia de agressão ao establishment, não agradou à grande mídia. Esta não divulgava o movimento, fosse em jornais, revistas, redes de TV e rádio (a emissora BBC se recusava a tocar músicas de bandas como os Sex Pistols, The Clash, Ramones, entre outras) e, quando o fazia, era sempre de forma negativa – algo do tipo “Punk cospe em rosto de velhinha”. Com tantas portas fechadas, a solução encontrada foi: Do it Yourself (“faça você mesmo”).

O Do it Yourself foi a salvação da lavoura. “Os jornais e as revistas não querem escrever sobre nós? Então, nós mesmos escreveremos”. Milhares de fanzines surgiram mostrando as idéias correntes, divulgando shows de bandas e cinemas que exibiam filmes punk (como o cultuado Rude Boy, com trilha sonora da banda The Clash). “As rádios não querem tocar nossas músicas? Então, nós mesmos as tocaremos em nossas próprias rádios”. Começaram a surgir em todos os cantos rádios-piratas que executavam as músicas que a BBC se recusava a pôr em sua programação.

A maioria dessas iniciativas era realizada em condições muito precárias, com produções extremamente toscas. Tinham vida curta. Os fanzines, de modo geral, não passavam do primeiro número, enquanto as rádios piratas sofriam uma caçada implacável da polícia.

Porém, contrariando todas as expectativas, as sementes lançadas frutificaram: sempre que um fanzine feito por alguém não saía da prensa, um outro novo, feito por outra pessoa, era editado. Quando uma rádio era fechada, outra surgia em seu lugar dando continuidade às transmissões. Era uma avalanche que não podia mais ser detida. Graças ao Do it Yourself, o movimento Punk – que corria o risco de se tornar um verbete de enciclopédia sobre uma moda passageira da década de 1970 – não só sobreviveu, como espalhou-se para todos os lados e mudou a cultura (principalmente a cultura jovem) em todo o planeta. Sua influência e seus reflexos são sentidos até hoje.

Podemos ver esses reflexos de modo muito claro e nítido neste início de século 21. A tecnologia atual, advinda da Revolução Tecnológica, permite a muitos que, tal qual Biafra recomendava, sejam a sua própria mídia. Graças à Informática e à Internet é possível conectar-se a todos os cantos do planeta em tempo real. Nunca tantos puderam se comunicar com tantos outros com tantos meios. Os Blogs (abreviação de Web Logs, ou “diários da rede”), considerados os mais democráticos recursos da Net, não só confirmam e realizam o sonho do líder dos Dead Kennedys como permitem que cada pessoa, efetivamente seja seu próprio editor, redator, ilustrador, sonoplasta, videomaker… Tudo ao mesmo tempo agora.

Porém, nem tudo são só rosas, pois se todos esses recursos permitem a circulação livre de idéias, essa mesma liberdade também abre espaço para a divulgação de ideologias de gostos discutíveis – para não dizer reprováveis e, até mesmo, revoltantes – tais como o nazismo e a pedofilia. Infelizmente é o preço que atualmente se paga por essa mesma liberdade de informação, mas sempre há a esperança que o bom senso prevaleça.

E é sob esse sentimento de esperança que surgem novos espaços, novos autores para que o sonho da aldeia global governada pelo bom senso não seja uma utopia tão irrealizável como muita gente ainda pensa.

Abaixo, um vídeo da banda Dead Kennedys – com Jello Biafra à frente – , tocando um de seus maiores sucessos, Holiday in Cambodia. A escolha, certamente, será contestada por vários leitores (principalmente aqueles que têm um gosto musical considerado mais refinado). Porém, mesmo esses opositores hão de convir que os Dead Kennedys são simplesmente representantes perfeitos de uma revolução que desencadeou uma outra revolução.

 *João Carlos Correia: Bacharel Licenciado em Letras pela Universidade de São Paulo (USP), Professor, escritor – tendo ganho o Prêmio de Edição do Concurso Literário Anuário de Escritores de 2002 da Casa do Novo Autor Editora com o poema “Você” – editor de Panorama BR.

Fonte: http://outraspalavras.net/blog/

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