Punk, precursor das mídias livres?
Entre
muitas raízes da Comunicação Compartilhada está o “Do it Yourself”, que
movimento musical propôs já nos anos 1970 — e explodiu na forma de fanzines e
rádios piratas
Nos idos de
1977, o movimento Punk varria a Grã-Bretanha como um furacão. Desde o seu
surgimento, nas camadas mais pobres da classe trabalhadora britânica, tudo o
que envolvia o punk era polêmico: roupas velhas, gastas e rasgadas, atitudes
debochadas, gestos obscenos, um negativismo notório, músicas agressivas com
letras igualmente agressivas pregando a anarquia, denunciando e atacando a
hipocrisia da sociedade burguesa, o capitalismo, o fascismo, as tensões
políticas e raciais (como, por exemplo, na Irlanda do Norte e na, aparentemente
sem fim, guerra entre israelenses e palestinos) e o desemprego.
O Punk
tinha frases que também eram palavras de ordem do movimento e que sobrevivem
até hoje tais como “Não há futuro” e “O Punk não está morto”. Porém, uma dessas
frases chamava a atenção por evocar, entre tanta revolta, deboche e ceticismo
aquilo que, atualmente, se chama ação afirmativa. A frase é: “Não odeie a
mídia. Seja a mídia”.
A autoria
dessa frase é creditada a Jello Biafra, cantor, compositor e líder da banda punk
estadunidense Dead Kennedys (em português, “Kennedys mortos”. Uma
alusão à famosa família Kennedy, cujo membro mais ilustre, John F. Kennedy,
elegeu-se presidente dos EUA e, tempos depois, foi assassinado. Nome de banda
mais punk que esse, impossível). Mas o quê Biafra queria dizer com isso?
No
princípio, o Punk, com seu visual, sua postura e sua filosofia de agressão
ao establishment, não agradou à grande mídia. Esta não divulgava o
movimento, fosse em jornais, revistas, redes de TV e rádio (a emissora BBC se
recusava a tocar músicas de bandas como os Sex Pistols, The Clash,
Ramones, entre outras) e, quando o fazia, era sempre de forma negativa – algo
do tipo “Punk cospe em rosto de velhinha”. Com tantas portas fechadas, a
solução encontrada foi: Do it Yourself (“faça você mesmo”).
O Do
it Yourself foi a salvação da lavoura. “Os jornais e as revistas não
querem escrever sobre nós? Então, nós mesmos escreveremos”. Milhares de
fanzines surgiram mostrando as idéias correntes, divulgando shows de bandas e
cinemas que exibiam filmes punk (como o cultuado Rude Boy, com trilha
sonora da banda The Clash). “As rádios não querem tocar nossas músicas? Então,
nós mesmos as tocaremos em nossas próprias rádios”. Começaram a surgir em todos
os cantos rádios-piratas que executavam as músicas que a BBC se recusava a pôr
em sua programação.
A maioria
dessas iniciativas era realizada em condições muito precárias, com produções
extremamente toscas. Tinham vida curta. Os fanzines, de modo geral, não
passavam do primeiro número, enquanto as rádios piratas sofriam uma caçada
implacável da polícia.
Porém,
contrariando todas as expectativas, as sementes lançadas frutificaram: sempre
que um fanzine feito por alguém não saía da prensa, um outro novo, feito por
outra pessoa, era editado. Quando uma rádio era fechada, outra surgia em seu
lugar dando continuidade às transmissões. Era uma avalanche que não podia mais
ser detida. Graças ao Do it Yourself, o movimento Punk – que corria o
risco de se tornar um verbete de enciclopédia sobre uma moda passageira da
década de 1970 – não só sobreviveu, como espalhou-se para todos os lados e
mudou a cultura (principalmente a cultura jovem) em todo o planeta. Sua
influência e seus reflexos são sentidos até hoje.
Podemos ver
esses reflexos de modo muito claro e nítido neste início de século 21. A
tecnologia atual, advinda da Revolução Tecnológica, permite a muitos que, tal
qual Biafra recomendava, sejam a sua própria mídia. Graças à Informática e à
Internet é possível conectar-se a todos os cantos do planeta em tempo real.
Nunca tantos puderam se comunicar com tantos outros com tantos meios.
Os Blogs (abreviação de Web Logs, ou “diários da
rede”), considerados os mais democráticos recursos da Net, não só
confirmam e realizam o sonho do líder dos Dead Kennedys como permitem que cada
pessoa, efetivamente seja seu próprio editor, redator, ilustrador,
sonoplasta, videomaker… Tudo ao mesmo tempo agora.
Porém, nem
tudo são só rosas, pois se todos esses recursos permitem a circulação livre de
idéias, essa mesma liberdade também abre espaço para a divulgação de ideologias
de gostos discutíveis – para não dizer reprováveis e, até mesmo, revoltantes –
tais como o nazismo e a pedofilia. Infelizmente é o preço que atualmente se paga
por essa mesma liberdade de informação, mas sempre há a esperança que o bom
senso prevaleça.
E é sob
esse sentimento de esperança que surgem novos espaços, novos autores para que o
sonho da aldeia global governada pelo bom senso não seja uma utopia tão
irrealizável como muita gente ainda pensa.
Abaixo, um
vídeo da banda Dead Kennedys – com Jello Biafra à frente – , tocando um de seus
maiores sucessos, Holiday in Cambodia. A escolha, certamente, será
contestada por vários leitores (principalmente aqueles que têm um gosto musical
considerado mais refinado). Porém, mesmo esses opositores hão de convir que os
Dead Kennedys são simplesmente representantes perfeitos de uma revolução que
desencadeou uma outra revolução.
*João
Carlos Correia: Bacharel Licenciado em Letras pela Universidade de São
Paulo (USP), Professor, escritor – tendo ganho o Prêmio de Edição do Concurso
Literário Anuário de Escritores de 2002 da Casa do Novo Autor Editora com o
poema “Você” – editor de Panorama BR.
Fonte: http://outraspalavras.net/blog/
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