A escola como instrumento do capitalismo
Por Cléber Araújo, 03.08.2009
Neste artigo queremos refletir sobre um tema que, nos últimos anos, tem pautado os meios de comunicação no tocante à educação escolar: o sistema de cotas para alunos da rede de ensino público, negros e mestiços, beneficiando o ingresso nas universidades públicas, tem sido motivo de muitas discussões.
O principal argumento de quem se manifesta contra é a afirmação de que o sistema de cotas é um tiro que vai sair pela culatra, que esse é um projeto que reforça e estimula o racismo. Já quem se manifesta a favor do projeto justifica que o sistema de cotas é uma questão de justiça com os que têm menos oportunidade na sociedade.
A indagação que faço é diferente. Não me questiono se é justo ou injusto o sistema de cotas tão polemizado. A pergunta que constantemente me faço é: por que os jovens da rede de ensino público, principalmente os das comunidades carentes, normalmente não alcançam sucesso nos processos de vestibular? Conseqüentemente essa pergunta conduz a outras. Será que a capacidade cognitiva desses jovens é inferior? Será que é uma questão de puro desinteresse? Ou será que o verdadeiro problema está na instituição escolar?
Os sintomas da mazela que afligem a educação pública podem ser percebidos, não só mediante o massivo fracasso nos vestibulares, mas ao longo de todo o processo de escolarização, através das reprovações e desistências constatadas. Na verdade, é uma minoria que consegue concluir o ensino médio e prestar o vestibular.
Analisando o histórico da educação escolar fica claro que o problema não está no aluno, mas no sistema de relação cultural imposto pela instituição escola.
Voltando um pouco no tempo podemos entender o contexto do fracasso escolar da classe popular.
Na década de sessenta uma série de estudos foram realizadas nos EUA para diagnosticar as causas do fracasso escolar das crianças da classe popular. O motivo que levou a essa série de estudos foram as reivindicações da classe popular em busca da igualdade social.
Os estudos realizados tinham como método pesquisas comparativas entre crianças da classe elitizada (dominante) e da classe popular (dominada). Essas pesquisas evidenciaram que, de fato, as repetições e as desistências nas escolas aconteciam em grande escala na camada popular.
Como justificativa para essa fatalidade elaboraram a ideologia do dom, que consiste na capacidade intelectual do indivíduo. Ou seja, a oportunidade que a escola dá é igual para todos, o que vai definir o desempenho do aluno é o dom; inteligência, aptidão e talento individual. Dessa forma, não seria da escola a responsabilidade pelo fracasso do aluno, mas da falta dessas características no aluno. Assim, seria da responsabilidade da escola lidar com as indiferenças, preparando os mais capacitados para exame vestibulares e os menos dotados de capacidade intelectual para cursos técnicos. Apesar de cientificamente essa ideologia ser contestada, ela permanece muito presente em nossa sociedade.
Interessante que chegaram a utilizar o contexto da ideologia do dom para defender as diferenças sociais, com o argumento que a posição social do individuo é determinada pela sua inteligência e aptidão. Será que ainda hoje essa ideologia não é defendida?
Outra pesquisa apresentou como causa para o fracasso escolar da classe popular a ideologia da deficiência cultural. Nessa ideologia, o que determina o desenvolvimento escolar são as diferenças sociais, ou melhor, a forma de socialização da criança dentro do contexto social em que vive que permite o desenvolvimento de hábitos, conhecimentos, habilidades e atitudes que influenciarão diretamente no rendimento escolar.
Na verdade, o que é defendido pela ideologia da deficiência cultural é a superioridade da cultura da classe dominante. O grande argumento dos partidários dessa ideologia é que o meio cultural em que vivem as crianças da classe dominada é deficiente, privado e carente de cultura; tendo como conseqüência a falta de estímulos necessários para o aprendizado.
Assim como na ideologia do dom, a ideologia da deficiência cultural aponta como responsável para o fracasso escolar o aluno, isentando a escola de culpa. Dentro do contexto dessa ideologia, a escola desempenha o papal de tratar (curar) a patologia da deficiência cultural. É importante ressaltar que a ideologia da deficiência cultural foi facilmente incorporada e difundida pelos países capitalistas.
Uma terceira explicação elaborada para tentar explicar o fracasso na escola, da classe popular, partiu da ideologia das diferenças culturais. Tal ideologia, diferentemente da ideologia da deficiência cultural, não qualifica as diferentes culturas como superior ou inferior, mas apenas reconhece as diversidades de culturas; diferentes uma das outras, porém, igualmente estruturadas, coerentes e complexas. Diferente das outras duas ideologias apresentadas, essa ideologia diagnosticou como principal causa do fracasso escolar a postura da escola como instituição a serviço da sociedade capitalista, que assume e valoriza a cultura da classe dominante. Dentro desse sistema, o aluno da classe dominada tem que se adequar aos costumes culturais (linguagem, normas, hábitos, conhecimentos) da classe dominante, que são apresentados como certos e, ao mesmo tempo, descobre que os seus costumes culturais são considerados errados e insuficientes para o convívio social. Esse processo de marginalização cultural adotado como metodologia de ensino nas escolas é o que ocasiona o fracasso escolar.
Por ser uma instituição que pertence e presta serviços ao sistema capitalista, a escola desenvolve metodologias e práticas de ensino que favorecem a classe dominante da sociedade. As três teorias apresentaram fatores que estão fortemente presentes no nosso sistema educacional. A aptidão intelectual é uma ideologia que ainda influencia a divisão de turmas nos colégios, turmas fracas e fortes; que determina quem vai fazer faculdade e vai obter o sucesso profissional e quem vai ser apenas mais uma peça de troca no mercado de trabalho.
A questão cultural é o que mais implica para o sucesso e o fracasso do aluno. O fato de a escola assumir a cultura da classe dominante – inclusive a linguagem – como padrão, fortalece a idéia preconceituosa de que a cultura da classe dominada é inferior. Dentro da sala de aula, a escolha por uma cultura é a prática perfeita da marginalização. A criança da classe dominante, ao iniciar seu estudo, dá seqüência ao que já foi aprendido no meio familiar e social. Numa situação contrária a essa, a criança da classe dominada, dentro da escola, tem que aprender uma nova linguagem, novos hábitos e costumes para ser aceito socialmente e, o pior, descobre que a sua cultura, tudo o que ele é, não é aceito pela sociedade. O que desenvolve nessa criança o sentimento de inferioridade e não o aprendizado.
Então, o que devemos cobrar dos nossos governantes são mais do que cotas para ingressar na faculdade. Não que essas iniciativas não sejam válidas, claro que são. Mas como foi citado, apenas uma minoria da nossa classe consegue concluir o segundo grau e com algumas deficiências. O que devemos esperar, ou melhor, cobrar das autoridades é uma educação digna para nossas crianças e adolescentes, para que no futuro elas possam conquistar, verdadeiramente, a igualdade social.
* Este artigo tem como fundamentação teórica o livro “LINGUAGEM E ESCOLA Uma perspectiva social” da autora Magda Soares.
Fonte: http://www.fazendomedia.com/
segunda-feira, 3 de agosto de 2009
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