Justiça salomônica para Carlo Giuliani
Vera Gonçalves de Araújo De Roma
A percepção e avaliação de uma notícia varia muito de pessoa a pessoa, imagine de país a país. A imprensa italiana noticiou com um certo ufanismo na quarta-feira passada que o tribunal europeu dos direitos humanos confirmou que o tiro que matou o jovem manifestante Carlo Giuliani, em julho de 2001 em Gênova, durante os protestos contra a reunião do G-8, foi disparado por legítima defesa pelo também jovem carabineiro Mario Placanica. Outros jornais europeus, como Le Monde, frisam que a Itália foi condenada porque não investigou direito sobre a morte do rapaz.
Em 2006 os pais e a irmã da vítima apelaram para o tribunal de Estrasburgo porque - afirmavam - o governo italiano violou alguns princípios da convenção europeia dos direitos do homem, como o direito à vida, a um processo justo e a proibição de tratamentos desumanos. Dois anos depois, o tribunal europeu endossou a decisão dos juizes italianos que absolveu o carabineiro pela morte de Carlo. O policial, que se encontrava num jipe atacado pelos manifestantes, atirou "porque teve honestamente a sensação de um perigo real e imediato" - afirma o tribunal europeu. Que justifica assim as manchetes italianas sobre a legitimidade do processo e da sentença.
Mas o que muitos jornais nacionais não contaram é que os juizes de Estrasburgo frisaram também que a Itália "não respeitou os procedimentos", e que a autópsia "não estabeleceu com certeza a trajetória da bala", além de ter sido rápida e superficial demais. Os juizes europeus criticam as autoridades italianas que não procuraram, logo após o assassinato, "esclarecer se houve falhas na organização e na gestão das operações de segurança". Simbolicamente, o tribunal estabeleceu uma indenização de 15 mil euros aos pais e 10 mil euros à irmã de Carlo.
Escolhendo com cuidado as palavras, o tribunal europeu escreve: "A Corte, deplorando a ausência de um inquérito nacional sobre a questão, não tem a possibilidade de estabelecer a existência de uma relação direta e imediata entre as negligências ligadas à preparação ou a conduta das operações de gestão da ordem pública e a morte de Carlo Giuliani". Em outras palavras, os juizes não excluem uma conexão entre o estresse e o pânico que influenciou o comportamento da polícia nos três dias de baderna em Genova e a morte do jovem poeta e militante anticapitalista.
Enfim, o tribunal de Estrasburgo não questionou as decisões da justiça da Itália. Mas escreveu, com critérios salomônicos, uma sentença que não poupa críticas e puxões de orelha às autoridades italianas. As duas manchetes contraditórias que li sobre o assunto diziam: "Justiça é feita: foi legítima defesa" (Il Giornale, Milão) e "A Itália culpada pelo inquérito malfeito sobre a morte de um militante anti-globalização" (Le Monde, Paris). Contam, como quase sempre, só uma parte da notícia.
Vera Gonçalves de Araújo jornalista, nasceu no Rio, vive em Roma e trabalha para jornais brasileiros e italianos.
Fonte: http://terramagazine.terra.com.br/
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