O papel das universidades frente à crisePor Eduardo Sá, 07.08.2009
A Seção Sindical dos Docentes da UFRJ, em comemoração aos seus trinta anos, realizou o seminário Universidade, crise e alternativas na Ilha do Fundão, no Rio de Janeiro. O evento contou com a participação de representantes de diversas universidades da América Latina, entre os dias 30 de junho e 02 de julho.
O Fazendo Media conferiu a conferência de abertura, realizada pelo professor Francisco de Oliveira, sociólogo renomado em São Paulo, autor de diversos livros e um dos fundadores do Partido dos Trabalhadores. Na ocasião, Chico de Oliveira, como é conhecido, fez algumas análises sobre a crise atual e o papel da universidade nesse cenário. A seguir, algumas das respostas dadas aos participantes, muitos deles professores, e ao repórter:
Em sua reflexão sobre a educação brasileira você aponta que, apesar de ter sido formada pela Igreja, com o desenvolvimento ela se tornou ampla, laica, pública e gratuita. Porém, não se democratizou. Qual o momento atual?
Eu estou falando da educação superior, a fundamental é tarefa do Estado também, mas é muito mal cuidada e a educação dos níveis intermédios é basicamente privada. A superior é basicamente pública através das universidades estatais e em geral de boa qualidade, mas ela não resistiu ao processo de crescimento da população brasileira e de aquisição da cidadania.
Ela precisa se democratizar no sentido de não só dar entrada às novas gerações e as gerações mais pobres da sociedade brasileira, mas de dar poder interno a essas novas classes sociais que estão entrando na universidade; senão ela não é democrática.
Agora a USP está sofrendo uma crise pavorosa, o conselho universitário reage, que é o órgão de cabeça da universidade, reprimindo. Então, sem democratizar a universidade brasileira, não é que vai deixar de produzir o conhecimento, ela vai se tornar exclusiva de grupos e dedicada a transformar seu conhecimento em lucro das empresas privadas.
É preciso que a sociedade esteja dentro da universidade e discutindo o seu destino, discutindo as suas verbas, discutindo o orçamento. Sem o orçamento não há democracia, isso de que eu fico só de ouvinte, não, eu quero ajudar a decidir sobre as verbas da universidade.
As universidades de São Paulo têm 10% da receita de impostos do estado, isso não pode ser decidido por um grupo pequeno de professores. Isso tem que ser votado como se faz na república, infelizmente a república deforma tudo, mas o orçamento público é votado na Câmara de Deputados e no Senado. O orçamento devia também ser submetido a instâncias parecidas com essas, melhor ainda, melhoradas ainda mais em sua representatividade.
Sobre as fundações privadas na universidade pública…
Isso tem tudo para desfazer as universidades públicas que foram criadas numa enorme luta. Aqui no Rio não sei como é, mas no estado de São Paulo 10% do ICMS é destinado às três universidades estaduais. Nós sabemos que o ICMS é o imposto mais regressivo, porque são os pobres que pagam, por ser um imposto indireto sobre as mercadorias.
As fundações privadas dentro da USP, como aqui na UFRJ, são um escárnio à contribuição que as massas populares dão à formação desse fundo que sustenta as universidades. Elas privatizam mesmo, privatizam exatamente no sentido etimológico da palavra: privar não quer dizer privado, privar quer dizer privar o outro, tirar o outro do seu culto.
É isso que as fundações privadas fazem, porque elas retiram orçamentos do controle público e usam como se fosse dinheiro privado, isso é uma afronta até no mundo do setor privado. Nem o setor privado no capitalismo contemporâneo tem mais o direito de gerir o seu recurso como se fosse privado.
Não tem mais sentido nem é mais correto, por quê? Porque é o dinheiro público que sustenta o capitalismo privado, talvez os políticos mineiros da velha geração, que ensinou muita safadeza ao Brasil, tivessem razão: fora do estado não há salvação, diziam eles. Por isso Sarney emprega até o trineto, o trineto ainda não nasceu, mas vai nascer e já está empregado no Senado.
A luta é contra isso, o Brasil transformou- se, mudou extraordinariamente, conservou o ranço de privatismo na coisa pública que é preciso eliminar. Temos por onde começar? Começamos pela universidade pública, porque isso restaura a república e a democracia dentro das universidades públicas.
Qual o papel do intelectual hoje?
Um intelectual quem o melhor definiu foi Sartre. O intelectual, a partir do exemplo do Zola, é aquele que se mete onde não foi chamado. Zola era um escritor já de êxito e não passava daquilo, até que chegou o caso Dreyfus e ele se transformou em outra coisa e deu a marca do intelectual moderno. Ele tinha competência para tratar daquele caso? Não, ele não era jurista, não era de lei, não era do estado, se meteu onde não foi chamado. O intelectual que a universidade deve criar é o de se meter onde não é chamado e a sociedade brasileira é capaz disso.
Como é que se faz isso? Fazendo seminários como esse, parece irrelevante, parece pequeno, podia ter muito mais gente nesse auditório, mas é fazendo isso que a gente faz o papel do intelectual moderno: metendo o bedelho como cidadão a partir de suas posições na sociedade, é assim que se faz. Parece pouco, é muito pouco, mas sem substituirmos aquilo que a universidade deve fazer, e cada um de nós que toma essa responsabilidade.
Uma professora UFF, preocupada com o distanciamento e desconhecimento da história por parte dos seus alunos, perguntou sobre a importância da memória do país às novas gerações.
Isso tem nos clássicos de Frankfurt, que já disseram: isso é a indústria cultural. Quando eles juntaram esses dois termos, aí decifrou a charada. Quando o entretenimento se transforma numa indústria o resultado é diferente dos dois e transforma-se nessa completa, pertinente, reiterada, presentificação do futuro: não há mais futuro, o futuro é agora.
Essa presentificação descarta aquilo que era informação, que não chega a se transformar em conhecimento, por isso que as gerações têm muita informação mas não têm conhecimento. É culpa deles? Não, evidentemente é o sistema que descarta exatamente a experiência humana, porque a luta de classes só se faz através da experiência de classes.
Assim como a luta da universidade só se faz através da experiência da universidade, a presentificação significa descartá-las e substituir sempre por aquilo que parece novo, mas na verdade não é novo. Você vai encontrar esse problema pela frente mesmo estando entre estudantes de serviço social, mas é isso que se tem que fazer: chamar o passado e trazê-lo para o presente para esclarecer o presente. Esse é o sinal da modernidade, quando o homem se erige em juiz do passado, do presente e do futuro.
É a gente que diz como vai ser o futuro, isso é exercício de Nostradamus? Não, isso é um exercício do poder político cidadão. O futuro será como a gente pensa? Certamente não, ou eu diria mais radicalmente: felizmente não. Porque se o futuro fosse essa previsão dos meios de comunicação não haveria lutas de classe nem luta social.
Se o futuro fosse previsível as classes dominantes saberiam como evitá-lo, felizmente as revoluções são irrupções históricas que nenhuma ciência, nem social nem física, é capaz de prever. Esse é o terreno onde se move a nossa luta.
E o individualismo que impera nos dias de hoje?
Todos os dias é essa noção de individualismo, é ideologicamente muito forte, ela governa praticamente. Mas como algumas categorias de ideologia, ela é inteiramente vazia, por quê? Basta abrir os jornais, especialmente nos domingos, quando os jornais se transformam em folhas de propaganda. Compare todas as ofertas de automóveis, esse nicho da escolha individual, são praticamente iguais, não há quase nenhuma diferença, só a diferença, permita-me a brincadeira, do saiote escocês: o escocês da tradição usa saiote, ele é mulher? Não, ele é homem.
É assim a oferta de carros, todos marcam a sua diferença, tem alguma diferença? Nenhuma. É isso que nos introjetam todos os dias através dessa propaganda maciça e isso é uma vitória dos EUA, infelizmente. Foi um pensador revolucionário italiano, que acabou seus dias na cadeia fascista, quem anunciou que a vitória americana vinha pelo cinema e pelo automóvel. Gramsci, quem disse isso, e os frankfurteanos arredondaram quando juntaram dois termos: indústria é uma coisa, cultura é outra, quando junta os dois transforma os dois e o resultado não é nada parecido nem com indústria nem com cultura.
É a indústria cultural, que nos submete todos os dias e é preciso gritar e lutar contra isso para um longo caminho. Vocês podem me dizer que eu sou adepto de uma teoria que nega o indivíduo, não. Só que para Marx o indivíduo está no fim e não no começo, é para construir um indivíduo livre e despojado de todos os seus constrangimentos que se empreende um longo caminho das transformações e das revoluções. Mas isso é uma construção histórica e social.
Fonte: http://www.fazendomedia.com/
sexta-feira, 7 de agosto de 2009
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