segunda-feira, 31 de agosto de 2009
A guerra dos EUA contra o Iraque: A destruição de uma civilização - Por James Petras
A guerra dos EUA contra o Iraque: A destruição de uma civilização
por James Petras
Introdução
A guerra e ocupação do Iraque pelos EUA, que já dura há sete anos, é ditada por várias importantes forças políticas e serve uma série de interesses imperialistas. Mas esses interesses não explicam, só por si, a profundidade e o âmbito da maciça e prolongada destruição, que continua, de toda uma sociedade e a sua redução a um permanente estado de guerra. A gama de forças políticas que contribuiu para o desencadear da guerra e a subsequente ocupação americana, incluem as seguintes (por ordem de importância):
A força política mais importante foi também a última a ser discutida abertamente. A Zionist Power Configuration (ZPC), que inclui o proeminente papel de apoiantes radicais incondicionais de longa data do Estado de Israel, nomeados para altos cargos no Pentágono de Bush (Douglas Feith e Paul Wolfowitz), operacionais chave no Gabinete do Vice-Presidente (Irving (Scooter) Libby), no Departamento do Tesouro (Stuart Levey), no Conselho Nacional de Segurança (Elliot Abrams) e uma falange de consultores, redactores de discursos presidenciais (David Frum), funcionários secundários e conselheiros políticos no Departamento de Estado. Estes empenhados sionistas, inseridos na administração, eram apoiados por milhares de funcionários a tempo inteiro da Israel-First nas 51 principais organizações judaicas americanas, que formam a President of the Major American Jewish Organizations (PMAJO). Declaravam abertamente que a sua principal prioridade era implementar a agenda de Israel que, neste caso, era uma guerra dos EUA contra o Iraque para derrubar Saddam Hussein, ocupar o país, dividir fisicamente o Iraque, destruir as suas capacidades militares e industriais e impor um regime fantoche favorável a Israel e aos EUA. Se se fizesse uma limpeza étnica no Iraque e este fosse dividido, conforme defendia o primeiro-ministro israelense Benyamin Netanyahu, de extrema direita, e o militarista-sionista e "liberal" Leslie Gelb, Presidente Emérito do Conselho de Relações Externas, passaria a haver vários 'regimes clientes'.
Inicialmente, os políticos de topo pró-Israel que promoveram a guerra não avançaram directamente com a política de destruir sistematicamente o que, na verdade, era toda a civilização iraquiana. Mas o seu apoio e objectivo de uma política de ocupação incluíam o total desmembramento do aparelho de estado iraquiano e o recrutamento de conselheiros israelenses para lhes proporcionar a sua 'perícia' em técnicas de interrogatório, repressão da resistência civil e contra-insurreição. Obviamente, a experiência israelense, que Israel adquiriu na Palestina, contribuiu para fomentar a luta religiosa e étnica entre os iraquianos. O 'modelo' israelense de guerra colonial e ocupação – a invasão do Líbano em 1982 – e a prática de 'destruição total' utilizando a divisão sectária, étnico-religiosa, foi evidente nos conhecidos massacres nos campos de refugiados Sabra e Shatila em Beirute, que se efectuaram sob a supervisão militar israelense.
A segunda poderosa força política por detrás da Guerra do Iraque foram os militaristas civis (como Donald Rumsfeld e o vice-presidente Cheney) que tentaram alargar o alcance imperialista dos EUA no Golfo Pérsico e reforçar a sua posição geo-política eliminando um forte e secular apoiante nacionalista da insurreição árabe anti-imperialista no Médio Oriente. Os militaristas civis procuraram alargar o cerco de bases militares americanas à Rússia e assegurar o controlo sobre as reservas do petróleo iraquiano como um ponto de pressão contra a China. Os militaristas civis estavam menos interessados nas antigas ligações do vice-presidente Cheney à indústria petrolífera do que no papel dele como director-geral da Kellogg-Brown and Root, a gigantesca construtora de bases militares, subsidiária da Halliburton, que estava a consolidar o Império Americano através da expansão de bases militares por todo o mundo. As maiores companhias petrolíferas americanas, que receavam ser ultrapassadas pelos seus concorrentes europeus e asiáticos, já andavam ansiosas para negociar com Saddam Hussein, e alguns dos apoiantes de Bush na indústria petrolífera já se tinham envolvido em negócios ilegais com o regime iraquiano embargado. A indústria petrolífera não estava inclinada a promover a instabilidade regional com uma guerra.
A estratégia militarista de conquista e ocupação foi traçada para instaurar uma presença militar colonial a longo prazo, sob a forma de bases militares estratégicas com um significativo e prolongado contingente de conselheiros militares colonialistas e unidades de combate. A brutal ocupação colonialista de um estado laico independente, com uma forte história nacionalista e infra-estruturas avançadas, com um sofisticado aparelho militar e policial, amplos serviços públicos e uma literacia muito alargada, conduziu naturalmente ao desenvolvimento de uma série de movimentos, militantes e armados, contra a ocupação. Em resposta, os funcionários coloniais americanos, a CIA e as organizações de defesa e informações conceberam uma estratégia de 'dividir para reinar' (a chamada 'solução El Salvador' associada ao ex-embaixador e antigo director da National Intelligence, John Negroponte), fomentando conflitos armados com uma base sectária e promovendo assassinatos inter-religiosos para debilitar quaisquer esforços no sentido de um movimento unificado, nacionalista e anti-imperialista. O desmantelamento da burocracia civil laica e das forças armadas foi traçado pelos sionistas da administração Bush para reforçar o poder de Israel na região e para encorajar a subida de grupos islâmicos militantes, que tinham sido reprimidos pelo deposto regime baathista de Saddam Hussein. Israel já dominava esta estratégia: inicialmente patrocinara e financiara grupos militantes islâmicos sectários, como o Hamas, em alternativa à Organização de Libertação da Palestina, laica, e montara o cenário para a luta sectária entre os palestinos.
O resultado da política colonial americana foi financiar e multiplicar uma ampla gama de conflitos internos, enquanto proliferavam mulás, chefes tribais, gangsters políticos, senhores da guerra, expatriados e esquadrões da morte. Esta 'guerra de todos contra todos' servia os interesses das forças americanas de ocupação. O Iraque tornou-se num ninho de jovens desempregados, armados, entre os quais se podia recrutar um novo exército de mercenários. A 'guerra civil' e o 'conflito étnico' forneceram o pretexto para os EUA e os seus fantoches iraquianos despedirem centenas de milhares de soldados, polícias e funcionários do regime anterior (principalmente se eram de famílias sunitas, mistas ou laicas) e minar a base do emprego civil. Sob a capa da 'guerra contra o terrorismo' generalizada, as Forças Especiais americanas e os esquadrões da morte dirigidos pela CIA espalharam o terror no seio da cidade civil iraquiana, visando todo e qualquer suspeito de crítica ao governo fantoche – principalmente entre as classes instruídas e profissionais, precisamente os iraquianos mais aptos para a reconstrução de uma república laica independente.
A guerra do Iraque foi alimentada por um influente grupo de ideólogos neo-conservadores e neo-liberais com fortes ligações a Israel. Consideravam o êxito da guerra do Iraque (por êxito queriam dizer o total desmembramento do país) como o primeiro 'dominó' numa série de guerras para 're-colonizar' o Médio Oriente (conforme diziam: "para corrigir o mapa"). Disfarçavam a sua ideologia imperialista com uma fina camada de retórica sobre 'a promoção de democracias' no Médio Oriente (excluindo, claro, as políticas anti-democráticas da sua Israel 'natal' para com os palestinos, por ela subjugados). Unindo as ambições israelense de hegemonia regional com os interesses imperialistas dos EUA, os neo-conservadores e os seus companheiros de viagem neo-liberais do Partido Democrata, primeiro apoiaram o presidente Bush e depois o presidente Obama na escalada das guerras contra o Afeganistão e o Paquistão. Apoiaram unanimemente a selvagem campanha de bombardeamento de Israel contra o Líbano, o ataque terrestre e aéreo e o massacre de milhares de civis encurralados em Gaza, o bombardeamento de instalações sírias e a forte pressão (de Israel) para um ataque militar preventivo, de grande escala, contra o Irão.
Os defensores americanos de guerras sequenciais e múltiplas, em simultâneo, no Médio Oriente e no sul da Ásia achavam que só podiam desencadear toda a força do seu poder altamente destrutivo depois de terem assegurado o controlo total da sua primeira vítima, o Iraque. Estavam convencidos de que a resistência iraquiana se desmoronaria rapidamente depois de 13 anos de brutais sanções de fome impostas à república pelos EUA e pelas Nações Unidas. A fim de consolidar o controlo imperial, os políticos americanos decidiram silenciar permanentemente todos os dissidentes iraquianos civis independentes. Viraram-se para o financiamento de clérigos xiitas e de assassinos tribais sunitas e para a contratação de muitos milhares de mercenários privados entre os senhores da guerra curdos Peshmerga para que realizassem assassínios selectivos de líderes de movimentos da sociedade civil.
Os EUA criaram e treinaram um exército fantoche colonial de 200 mil iraquianos, constituído quase exclusivamente por soldados xiitas e excluíram os militares iraquianos experientes, de origem laica, sunita ou cristã. Uma consequência pouco conhecida da constituição destes esquadrões da morte, treinados e financiados pelos americanos, e do seu exército fantoche 'iraquiano', foi a destruição quase total da antiga população iraquiana cristã, que foi desalojada, e viu as suas igrejas bombardeadas e os seus líderes, bispos e intelectuais, académicos e cientistas, assassinados ou exilados. Os conselheiros americanos e israelenses sabiam muito bem que os iraquianos cristãos tinham desempenhado um papel fundamental no desenvolvimento histórico dos movimentos laicos, nacionalistas, anti-britânicos e anti-monárquicos, e a sua eliminação enquanto força influente durante os primeiros anos de ocupação americana não aconteceu por acaso. O resultado da política dos EUA foi a eliminação da maior parte dos líderes e dos movimentos anti-imperialistas, democráticos e laicos e a apresentação da sua rede assassina de colaboradores 'etno-religiosos' como seus 'parceiros' incontestados a fim de sustentar a presença colonial americana a longo prazo no Iraque. Com os seus fantoches no poder, o Iraque serviria de plataforma de lançamento para a sua perseguição estratégica dos outros 'dominós' (Síria, Irão, repúblicas da Ásia central…).
A prolongada purga sangrenta do Iraque durante a ocupação americana resultou na matança de 1,3 milhão de civis iraquianos durante os primeiros sete anos após a invasão de Bush em Março de 2003. Até meados de 2009, a invasão e a ocupação do Iraque custou oficialmente ao tesouro americano mais de 666 mil milhões de dólares. Esta despesa enorme atesta a sua centralidade na estratégia imperialista mais alargada dos EUA para toda a região do Médio Oriente e da Ásia do sul e central. A política de Washington para politizar e militarizar as diferenças etno-religiosas, armar e encorajar líderes tribais, religiosos e étnicos rivais a entrar numa sangria mútua, serviu para destruir a unidade e a resistência nacionais. A táctica de 'dividir para reinar' e o apoio nas organizações sociais e religiosas retrógradas é a prática mais vulgar e mais conhecida de conseguir a conquista e a subjugação de um estado nacionalista, unificado e avançado. A destruição do estado nacional, pela eliminação da consciência nacionalista e encorajamento das primitivas fidelidades etno-religiosas, feudais e regionais, exigia a destruição sistemática dos principais transmissores dessa consciência nacionalista, da memória histórica e do pensamento científico laico. O fomento de ódios etno-religiosos destruiu casamentos mistos, destruiu comunidades e instituições mistas onde existiam amizades pessoais de longa data e laços profissionais entre gente de diversas origens. A eliminação física de académicos, escritores, professores, intelectuais, cientistas e técnicos, em especial médicos, engenheiros, advogados, juristas e jornalistas foi decisiva para impor a regra etno-religiosa sob uma ocupação colonial. A fim de instaurar um domínio a longo prazo e apoiar os dirigentes etno-religiosos seus clientes, os EUA e os seus fantoches iraquianos destruíram fisicamente todo o edifício cultural preexistente, que sustentava um estado nacionalista laico independente. Isso incluiu a destruição das bibliotecas, dos gabinetes de recenseamento, e dos arquivos de todos os registos de propriedade e dos tribunais, dos departamentos de saúde, dos laboratórios, das escolas, dos centros culturais, das instalações médicas e, sobretudo, de toda a classe de profissionais das áreas científica, literária, social, de ciências sócio-humanísticas. O terror levou centenas de milhares de profissionais iraquianos e seus familiares a um exílio interno e externo. Todo o financiamento às instituições nacionais laicas, científicas e educativas, foi cortado. Os esquadrões da morte empenhados no assassínio sistemático de milhares de académicos e profissionais suspeitavam do mais ínfimo dissidente, do mais ínfimo sentimento nacionalista; quem quer que apresentasse a mais pequena capacidade de reconstruir a república ficava marcado.
A destruição de uma civilização árabe moderna
O Iraque laico, independente, tinha o estatuto científico-cultural mais avançado do mundo árabe, apesar da natureza repressiva do estado policial de Saddam Hussein. Havia um sistema nacional de cuidados de saúde, instrução pública universal e abundantes serviços de previdência, aliados a níveis de igualdade de sexo sem precedentes. Era isto que distinguia a natureza avançada da civilização iraquiana no final do século XX. A separação entre igreja e estado e a estrita protecção das minorias religiosas (cristãos, assírios e outros) contrasta fortemente com o que resultou da ocupação americana e da destruição das estruturas governamentais e civis iraquianas. O cruel domínio ditatorial de Saddam Hussein presidia assim a uma civilização moderna, altamente desenvolvida, em que o trabalho científico avançado andava de mãos dadas com uma forte identidade nacionalista e anti-imperialista. Isso verificou-se principalmente nas expressões de solidariedade do povo e do regime iraquianos em relação à sujeição do povo palestino ao domínio e ocupação israelense.
Uma simples 'mudança de regime' não conseguiria extirpar esta avançada cultura laica republicana profundamente entranhada no Iraque. Os arquitectos da guerra nos EUA e os seus conselheiros israelenses estavam bem conscientes de que a ocupação colonial aumentaria a consciência nacionalista iraquiana a não ser que essa nação laica fosse destruída e, por isso, era um imperativo imperialista desenraizar e destruir os transmissores da consciência nacionalista através da eliminação física dos instruídos, dos talentosos, dos científicos, ou seja, dos elementos mais laicos da sociedade iraquiana. O retrocesso tornou-se no instrumento principal que os EUA impuseram aos seus fantoches coloniais, com as suas fidelidades primitivas, 'pré-nacionais', e que estavam no poder numa Bagdad culturalmente purgada, privada dos seus estratos sociais mais sofisticados e nacionalistas.
Segundo o Centro de Estudos Al-Ahram do Cairo, durante os primeiros 18 meses da ocupação americana, foram eliminados mais de 310 cientistas iraquianos – um número que o ministro da Educação iraquiano não contestou.
Um outro relatório listou as mortes de mais de 340 intelectuais e cientistas entre 2005 e 2007. Os bombardeamentos de institutos superiores de ensino fizeram baixar as inscrições para 30% do número anterior à invasão. Num bombardeamento em Janeiro de 2007, à Universidade Mustansiriya de Bagdad, foram mortos 70 estudantes e ficaram feridos centenas. Estes números obrigaram a UNESCO a alertar que o sistema universitário do Iraque estava à beira do colapso. O número de cientistas e profissionais proeminentes iraquianos que fugiram do país aproximou-se dos 20 mil. O Los Angeles Times noticiou que, dos 6 700 professores universitários iraquianos que fugiram desde 2003, apenas 150 tinham regressado até Outubro de 2008. Apesar das declarações dos EUA sobre a melhoria das condições de segurança, em 2008 assistiu-se a inúmeros assassínios, incluindo o do único neurocirurgião em exercício em Basra, a segunda maior cidade do Iraque, cujo corpo foi abandonado nas ruas da cidade.
Os dados por alto sobre os académicos, cientistas e profissionais iraquianos assassinados pelos EUA e forças de ocupação aliadas, e pelas milícias e forças secretas por eles controlados foram retirados duma lista publicada pelo Pakistan Daily News ( www.daily.pk ) em 26 de Novembro de 2008. Esta lista contribui para uma leitura muito desconfortável da realidade quanto à eliminação sistemática de intelectuais no Iraque sob a máquina trituradora da ocupação americana.
Assassínios
A eliminação física de um indivíduo por assassínio é uma forma extrema de terrorismo, que tem efeitos de longo alcance repercutindo por toda a comunidade a que esse indivíduo pertence – neste caso o mundo iraquiano dos intelectuais, académicos, profissionais e líderes criativos nas artes e nas ciências. Por cada intelectual iraquiano assassinado, milhares de iraquianos instruídos fugiram do país ou abandonaram o seu trabalho em troca de uma actividade mais segura e menos vulnerável.
Bagdad era considerada a 'Paris' do mundo árabe, quanto à cultura e arte, ciência e educação. Nos anos 70 e 80, as suas universidades eram a inveja do mundo árabe. A campanha americana de 'choque e terror' que se abateu sobre Bagdad suscitou emoções idênticas a um bombardeamento aéreo do Louvre, da Sorbonne ou das maiores bibliotecas da Europa. A Universidade de Bagdad era uma das universidades mais prestigiadas e mais produtivas do mundo árabe. Muitos dos seus académicos possuíam graus de doutoramento e estavam envolvidos em estudos pós-doutoramento em instituições prestigiadas, no estrangeiro. Ensinou e formou muitos dos profissionais e cientistas de topo no Médio Oriente. Mesmo debaixo do aperto mortal das sanções económicas impostas pelos EUA/ONU, que espalharam a fome pelo Iraque durante os 13 anos anteriores à invasão de Março de 2003, entraram no Iraque milhares de estudantes graduados e de jovens profissionais para formação pós-graduação. Jovens médicos de todo o mundo árabe receberam treino médico avançado nas suas instituições. Muitos dos seus académicos apresentaram comunicações científicas em importantes conferências internacionais, e escreveram artigos em jornais prestigiados. Mais importante ainda, a Universidade de Bagdad formava e mantinha uma cultura científica laica, profundamente respeitada, liberta de qualquer discriminação sectária – com académicos de todas as origens étnicas e religiosas.
Este mundo foi estilhaçado para sempre: sob a ocupação americana, até Novembro de 2008, foram assassinados oitenta e três académicos e investigadores que ensinavam na Universidade de Bagdad e vários milhares dos seus colegas, estudantes e familiares foram forçados a fugir.
Selecção de académicos assassinados por disciplina
O artigo de Novembro de 2008, publicado pelo Pakistan Daily News, lista os nomes de um total de 154 académicos de topo com base em Bagdad, conhecidos nas suas áreas, que foram assassinados. No conjunto, um total de 281 intelectuais bem conhecidos que ensinavam nas principais universidades do Iraque, caíram vítimas dos 'esquadrões da morte' sob a ocupação americana.
Antes da ocupação americana, a Universidade de Bagdad possuía a principal faculdade de investigação e ensino de medicina em todo o Médio Oriente que atraía centenas de jovens médicos para formação avançada. Esse programa foi devastado durante a ascensão do regime dos EUA e dos esquadrões de morte, com poucas perspectivas de recuperação. Dos assassinados, 25% (21) eram os professores mais antigos e os leitores da faculdade médica da Universidade de Bagdad, a percentagem mais alta de todas as faculdades. A segunda percentagem mais alta de faculdade trucidada foram os professores e investigadores da afamada faculdade de engenharia da Universidade de Bagdad (12), seguida pelos académicos de topo em humanidades (10), ciências físicas e sociais (8 académicos seniores em cada), educação (5). Os restantes académicos de topo da Universidade de Bagdad, assassinados, distribuíam-se pelas faculdades de agronomia, gestão, educação física, comunicações e estudos religiosos.
Em três outras universidades de Bagdad, foram chacinados 53 académicos seniores, incluindo 10 nas ciências sociais, 7 na faculdade de direito, em medicina e humanidades 6 cada, 9 em ciências físicas e 5 em engenharia. Antes da invasão, em 20 de Agosto de 2002, o secretário da Defesa Rumsfeld gracejou, "…temos que partir do princípio que eles (os cientistas) não têm andado a brincar "joguinhos infantis" (justificando a purga sangrenta de cientistas de física e química do Iraque). Um aviso sinistro para o banho de sangue dos académicos que se seguiu à invasão.
Em todas as universidades da província ocorreram semelhantes purgas sangrentas de académicos: 127 académicos e cientistas seniores foram assassinados nas várias universidades, bem cotadas, em Mosul, Kirkuk, Basra e noutros locais. As universidades provinciais com o maior número assassínios de membros seniores de faculdades situavam-se nas cidades em que os militares americanos e britânicos e os seus aliados mercenários curdos estiveram mais activos: Basra (35), Mosul (35), Diyala (15) e Al-Anbar (11).
Os militares iraquianos e os esquadrões de morte seus aliados executaram a maior parte da matança de académicos nas cidades sob controlo americano ou 'aliado'. O assassínio sistemático de académicos foi um movimento à escala nacional, multi-disciplinar, para destruir as bases culturais e educacionais duma civilização árabe moderna. Os esquadrões de morte que efectuaram a maior parte desses assassínios eram grupos etno-religiosos primitivos, pré-modernos, "deixados à solta" ou instrumentalizados por estrategas militares americanos para varrer quaisquer intelectuais e cientistas nacionalistas politicamente conscientes, que pudessem lutar por um programa de reconstrução de uma república unificada, independente, moderna, de sociedade laica.
No seu pânico para impedir a invasão pelos EUA, o Directorado Nacional de Monitorização Iraquiano forneceu à oNU, em 7 de Dezembro de 2002, uma lista que identificava mais de 500 cientistas iraquianos importantes. Não restam dúvidas de que essa lista veio a ser um elemento chave para a lista de alvos das forças militares americanas, para eliminação da elite científica do Iraque. No conhecido discurso pré-invasão nas Nações Unidas, o secretário de Estado Colin Powell citou uma lista de mais de 3 500 cientistas e técnicos iraquianos que teriam que ser 'contidos' a fim de evitar que os seus conhecimentos fossem utilizados por outros países. Os EUA criaram mesmo um 'orçamento' de centenas de milhões de dólares, retirados do dinheiro iraquiano "Petróleo em troca de alimentos", nas mãos das Nações Unidas, para instituir programas de "reeducação civil" a fim de re-treinar cientistas e engenheiros iraquianos. Estes programas fortemente publicitados nunca foram verdadeiramente implementados. Tornou-se claro quais eram as formas mais baratas de conter o que um especialista político americano designou por 'excesso de cientistas, engenheiros e técnicos' do Iraque num Documento da Carnegie Endowment (Política RANSAC, Abril de 2004). Os EUA tinham decidido adoptar e alargar a operação secreta do Mossad israelense de assassinar importantes cientistas iraquianos seleccionados, à escala industrial.
As campanhas americanas 'arrasar' e 'auge de assassínios': 2006-2007
A maré alta do terror contra os académicos coincide com a renovação da ofensiva militar americana em Bagdad e nas províncias. Do número total de assassínios de académicos com base em Bagdad, para os quais está registada uma data (110 conhecidos intelectuais chacinados), quase 80% (87) ocorreram em 2006 e 2007. Encontra-se um padrão semelhante nas províncias com 77% de um total de 84 intelectuais assassinados fora da capital durante o mesmo período. O padrão é claro: a taxa de assassínios de académicos aumenta quando as forças americanas de ocupação organizam uma força militar e policial de mercenários iraquianos e entram com dinheiro para o treino e recrutamento de homens das tribos rivais xiitas e sunitas e de milícias como modo de reduzir as baixas americanas e de expurgar potenciais dissidentes críticos da ocupação.
A campanha de terror contra académicos intensificou-se em meados de 2005 e atingiu o auge em 2006-2007, levando à fuga maciça de dezenas de milhares de iraquianos intelectuais, cientistas, técnicos e suas famílias. Faculdades inteiras de escolas médicas universitárias passaram a refugiar-se na Síria e noutros locais. Os que não puderam abandonar pais ou parentes idosos que ficaram no Iraque, tomaram medidas extraordinárias para esconder as suas identidades. Alguns optaram por colaborar com as forças de ocupação americanas ou com o regime fantoche na esperança de serem protegidos ou autorizados a imigrar com as suas famílias para os EUA ou para a Europa, embora os europeus, em especial os britânicos, não se mostrem muito inclinados a aceitar intelectuais iraquianos. Depois de 2008, houve uma forte redução no assassínio de académicos – só foram assassinados quatro nesse ano, o que reflecte sobretudo a fuga maciça de intelectuais iraquianos a viver no estrangeiro ou na clandestinidade e não qualquer mudança de política por parte dos EUA e dos seus fantoches mercenários. Por conseguinte, as instalações de investigação do Iraque foram dizimadas. As vidas do restante pessoal de apoio, incluindo técnicos, bibliotecários e estudantes ficaram devastadas com poucas perspectivas para empregos futuros.
A guerra e a ocupação americana do Iraque, conforme declararam os presidentes Bush e Obama, é um 'êxito' – uma nação independente de 23 milhões de cidadãos foi ocupada pela força, foi instalado um regime fantoche, tropas mercenárias coloniais obedecem aos oficiais americanos e os campos petrolíferos foram postos à venda. Todas as leis nacionalistas do Iraque que protegiam o seu património, os seus tesouros culturais e os seus recursos nacionais foram anuladas. Os ocupantes impuseram uma 'constituição' que favorece o Império Americano. Israel e os seus lacaios sionistas, tanto na administração de Bush como na de Obama, festejam a derrota de um adversário moderno… e a transformação do Iraque num deserto cultural e político. Em linha com um alegado acordo feito pelo Departamento de Estado americano e por funcionários do Pentágono com coleccionadores influentes do Conselho Americano para a Política Cultural, em Janeiro de 2003, os tesouros pilhados da antiga Mesopotâmia 'encontraram' o seu destino nas colecções das elites em Londres, Nova Iorque e outros sítios. Os coleccionadores podem agora ficar à espera da pilhagem do Irão.
Aviso ao Irão
A invasão e ocupação americanas e a destruição duma civilização moderna, científico-cultural, como a que existia no Iraque, é um prelúdio do que o povo do Irão pode esperar se e quando ocorrer um ataque militar EUA-Israel. A ameaça imperial aos fundamentos culturais e científicos da nação iraniana esteve totalmente ausente do discurso de protesto dos estudantes iranianos e das suas ONGs financiadas pelos EUA durante as manifestações de protesto da 'Revolução do Baton' a seguir às eleições. Os estudantes deviam ter presente que, em 2004, iraquianos instruídos e sofisticados em Bagdad se consolavam com um optimismo fatalmente deslocado de que 'pelo menos não somos como o Afeganistão'. Essa mesma elite encontra-se hoje em sórdidos campos de refugiados na Síria e na Jordânia e o país deles parece-se mais com o Afeganistão do que outro qualquer no Médio Oriente. Cumpriu-se a promessa arrepiante do presidente Bush em Abril de 2003 de transformar o Iraque na imagem do 'nosso recém libertado Afeganistão'. E as notícias de que os conselheiros da administração dos EUA analisaram a política do Mossad israelense para assassínio selectivo de cientistas iranianos deviam levar os intelectuais liberais pró-ocidentais de Teerão a ponderar seriamente a lição da campanha criminosa que praticamente eliminou os cientistas e académicos iraquianos durante 2006-2007.
Conclusão
O que é que os Estados Unidos (e a Grã-Bretanha e Israel) ganham em instaurar no Iraque um regime cliente retrógrado, com base em estruturas medievais etno-clericais e sócio-políticas? Primeiro e acima de tudo, o Iraque passou a ser um posto avançado para o império. Em segundo lugar, é um regime fraco e atrasado incapaz de desafiar o domínio económico e militar israelense na região e que não está interessado em pôr em causa a limpeza étnica em curso dos nativos árabes palestinos de Jerusalém, da Margem Ocidental e de Gaza. Em terceiro lugar, a destruição dos alicerces científicos, académicos, culturais e legais de um estado independente traduz-se numa dependência crescente das corporações multinacionais ocidentais (e chinesas) e das suas infra-estruturas técnicas – facilitando a penetração económica imperialista e a exploração.
Nos meados do século XIX, depois das revoluções de 1949, o sociólogo francês conservador Emil Durkheim reconhecia que a burguesia europeia estava a ser confrontada com um aumento de conflitos de classes e com o crescimento de uma classe operária anti-capitalista. Durkheim assinalava que, quaisquer que fossem as suas dúvidas filosóficas sobre religião e clericalismo, a burguesia teria que usar os mitos da religião tradicional para 'criar' a coesão social e combater a polarização de classes. Apelava à classe capitalista parisiense, instruída e sofisticada, para esquecer a sua rejeição do dogma religioso obscurantista a favor da instrumentalização da religião como meio para manter o seu domínio político. Do mesmo modo, os estrategas americanos, incluindo o Pentágono-Sionistas, instrumentalizaram as forças etno-religiosas dos mulás tribais para destruir a liderança política nacional laica e a cultura avançada iraquiana a fim de consolidar o seu domínio imperial – mesmo que essa estratégia exigisse a eliminação das classes científica e profissional. O domínio imperialista contemporâneo dos EUAS baseia-se no apoio aos sectores social e politicamente mais retrógrados da sociedade e na implementação da mais avançada tecnologia de guerra.
Os conselheiros israelenses desempenharam um papel fundamental na instrução das forças de ocupação americanas no Iraque quanto às práticas de contra-insurreição urbana e de repressão de civis, adquiridas nos seus 60 anos de experiência. O infame massacre de centenas de famílias palestinas em Deir Yasin em 1948 foi emblemática da eliminação sionista de centenas de aldeias agrícolas produtivas, que se encontravam instaladas há séculos pela população nativa, com a sua civilização endógena e laços culturais com a terra, a fim de impor uma nova ordem colonial. A política de total desenraizamento dos palestinos é fundamental nos conselhos de Israel aos políticos americanos no Iraque. A sua mensagem foi implementada pelos seus acólitos sionistas nas administrações de Bush e de Obama, ordenando o desmembramento de toda a burocracia civil e estatal moderna iraquiana e usando os esquadrões de morte tribais pré-modernos constituídos por extremistas curdos e xiitas para expurgar as universidades modernas e as instituições de investigação desta nação em estilhaços.
A conquista imperial americana do Iraque repousa sobre a destruição duma república laica moderna. O deserto cultural que resta (uma 'desolação lamentosa' bíblica ensopada pelo sangue dos preciosos intelectuais do Iraque) é controlado por mega-vigaristas, criminosos mercenários armados em 'funcionários iraquianos', iletrados culturais tribais e étnicos, e figuras religiosas medievais. Operam sob a orientação e direcção de graduados de West Point, que defendem 'projectos para o império', formulados por graduados de Princeton, Harvard, Johns Hopkins, Yale e Chicago, ansiosos em servir os interesses das corporações multinacionais americanas e europeias.
Chama-se a isto 'desenvolvimento combinado e desigual': O casamento de mulás fundamentalistas com sionistas da Ivy League ao serviço dos EUA.
O original encontra-se em www.globalresearch.ca/index.php?context=va&aid=14870 . Tradução de Margarida Ferreira.
Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ .
31/Ago/09
10 anos de independência em Timor: “Viva a inteligência, morra a morte!”
10 anos de independência em Timor: “Viva a inteligência, morra a morte!”
30-Ago-2009
Há dez anos realizou-se a consulta popular em Timor Lorosae que conduziria o país à independência. Xanana Gusmão falou da necessidade de “perdoar”, enquanto a Amnistia Internacional denunciou há poucos dias o facto de até hoje nenhuma alta patente indonésia ter sido acusada pelos crimes em Timor-Leste. A pobreza continua a ser o maior problema do país. Mas dez anos depois, não há apenas fome: há também esperança. Um texto de Diana Andringa lembra a importância do referendo e o doloroso processo de libertação.
O primeiro-ministro de Timor-Leste, Xanana Gusmão, defendeu o perdão aos autores dos crimes cometidos até 1999, em nome das boas relações com Jacarta.
Em entrevista à agência Lusa em Díli, Xanana Gusmão explicou que a população será "mais forte" se "perdoar, chamar para o seu lado, em vez de punir" os crimes cometidos durante a presença indonésia em Timor-Leste, entre 1975 e 1999.
"Ficamos admirados, com pena, com o grau de ódio que divide comunidades, seitas, tribos em vários países do mundo, que não se perdoam, usam as armas e a violência na sua mais alta expressão, a guerra, para se destruírem", disse Xanana Gusmão.
Timor-Leste celebra no domingo os dez anos da consulta popular de 30 de Agosto de 1999, que conduziu o país à independência, último acto de uma resistência protagonizado pelo actual chefe de Governo na maior parte dos 24 anos de ocupação e que terminaram com um saldo de 183 mil mortos.
A Amnistia Internacional, num relatório, lembrou que nenhuma alta patente indonésia foi acusada pelos crimes em Timor-Leste, e que ficaram muitos crimes por julgar. A comissão formada pelos dois países para analisar os abusos cometidos durante a consulta popular terminou os trabalhos sem recomendar acusações nem indemnizações individuais.
Na quarta-feira, a Amnistia Internacional classificou de "impunidade" o tratamento dado pela justiça dos dois países aos crimes de 1999.
A 30 de Agosto de 1999 o povo timorense votou expressivamente em favor da independência. Pelo menos 1200 pessoas morreram no período entre o referendo e após os resultados, que ficaram manchados por crimes contra a humanidade e graves violações dos direitos humanos por parte das milícias pró-indonésias e do exército indonésio. As violações incluiram assassínios e desaparecimentos, violações e prisões arbitrárias, ameaças e intimidadções do povo timorense. Os abusos estão bem documentados pelas organziações de direitos humanos sobretudo no relatório de 2800 páginas intitulado “Chega!”, realizado pela Comissão para o Acolhimento, Verdade e Reconciliação (CAVR).
"Abraçamos os valores universais da Justiça mas há uma certa dificuldade de se perceber que cada terra, cada povo, tem as suas próprias formas ou modelos de resolver os seus problemas e conflitos", disse o primeiro-ministro, num sentido contrário ao relatório da Amnistia.
Xanana Gusmão afirmou que “já há resultados na política do perdão”.
"Temos milhares de estudantes na Indonésia, as melhores relações com a Indonésia, melhores talvez do que com vários países do mundo", declarou.
Há ainda o comércio, que "pende mais para a Indonésia do que para qualquer lado do mundo". "Nós, que somos um país essencialmente importador, vemos os benefícios disto: da política de perdoar, deixar para o passado o que foi do passado e construirmos todos, de uma maneira ou outra - ou eles numa forma, nós noutra - um futuro muito mais harmonioso entre os dois povos e entre os filhos desta terra", defendeu o primeiro-ministro.
"Continuo convicto de que é a melhor solução para muitos países, como o nosso", sublinhou o líder histórico da resistência timorense, capturado em 1992 e que esteve preso até 1999 na Indonésia.
Xanana Gusmão disse à Lusa simpatizar com a sugestão de uma amnistia geral, proposta pelo Presidente da República, Ramos-Horta, para os crimes cometidos antes de 1999, lembrando a responsabilidade dos timorenses nos acontecimentos que conduziram à invasão da Indonésia em 1975.
Os partidos timorenses, nascidos após a revolução portuguesa um ano antes, "em vez de aparecerem para sonhar pela liberdade, apareceram para infringir dores uns aos outros", recordou.
"Pessoalmente, não posso negar que fui membro do comité central da Fretilin e tivemos a nossa quota-parte nesse processo todo de 24 anos", reconheceu. "Somos santos e somos pecadores."
Entretanto os ministros dos Negócios Estrangeiros de Portugal, Indonésia e Timor-Leste realizaram este Domingo em Díli uma reunião tripartida, considerada histórica por ser a primeira após décadas de contencioso quanto a Timor-Leste.
De acordo com o ministro português dos Negócios Estrangeiros, Luís Amado, o encontro serviu para debater o futuro das relações entre os três países e marca uma nova fase no relacionamento de Portugal com a Indonésia.
“A Ásia tem um papel cada vez mais importante no novo sistema económico mundial e a nossa presença em Timor-Leste é fundamental para uma presença mais forte de Portugal e é nessa perspectiva que o Governo português continua a investir nas suas relações com Timor-Leste”, declarou Luís Amado no final.
Um texto de Diana Andringa lembra a importância do referendo e o doloroso processo de libertação: “ Sem esquecer uma só das terríveis imagens de 1999, uma só das terríveis histórias de 1999, essa é, para mim, a grande lição do referendo: a opção dos resistentes pela inteligência e pela vida. O terem sabido virar ao contrário o grito de Millán Astray e, sobre a violência e o sangue, terem proclamado. «Viva a inteligência, morra a morte!»
Fonte: http://www.esquerda.net/
30-Ago-2009
Há dez anos realizou-se a consulta popular em Timor Lorosae que conduziria o país à independência. Xanana Gusmão falou da necessidade de “perdoar”, enquanto a Amnistia Internacional denunciou há poucos dias o facto de até hoje nenhuma alta patente indonésia ter sido acusada pelos crimes em Timor-Leste. A pobreza continua a ser o maior problema do país. Mas dez anos depois, não há apenas fome: há também esperança. Um texto de Diana Andringa lembra a importância do referendo e o doloroso processo de libertação.
O primeiro-ministro de Timor-Leste, Xanana Gusmão, defendeu o perdão aos autores dos crimes cometidos até 1999, em nome das boas relações com Jacarta.
Em entrevista à agência Lusa em Díli, Xanana Gusmão explicou que a população será "mais forte" se "perdoar, chamar para o seu lado, em vez de punir" os crimes cometidos durante a presença indonésia em Timor-Leste, entre 1975 e 1999.
"Ficamos admirados, com pena, com o grau de ódio que divide comunidades, seitas, tribos em vários países do mundo, que não se perdoam, usam as armas e a violência na sua mais alta expressão, a guerra, para se destruírem", disse Xanana Gusmão.
Timor-Leste celebra no domingo os dez anos da consulta popular de 30 de Agosto de 1999, que conduziu o país à independência, último acto de uma resistência protagonizado pelo actual chefe de Governo na maior parte dos 24 anos de ocupação e que terminaram com um saldo de 183 mil mortos.
A Amnistia Internacional, num relatório, lembrou que nenhuma alta patente indonésia foi acusada pelos crimes em Timor-Leste, e que ficaram muitos crimes por julgar. A comissão formada pelos dois países para analisar os abusos cometidos durante a consulta popular terminou os trabalhos sem recomendar acusações nem indemnizações individuais.
Na quarta-feira, a Amnistia Internacional classificou de "impunidade" o tratamento dado pela justiça dos dois países aos crimes de 1999.
A 30 de Agosto de 1999 o povo timorense votou expressivamente em favor da independência. Pelo menos 1200 pessoas morreram no período entre o referendo e após os resultados, que ficaram manchados por crimes contra a humanidade e graves violações dos direitos humanos por parte das milícias pró-indonésias e do exército indonésio. As violações incluiram assassínios e desaparecimentos, violações e prisões arbitrárias, ameaças e intimidadções do povo timorense. Os abusos estão bem documentados pelas organziações de direitos humanos sobretudo no relatório de 2800 páginas intitulado “Chega!”, realizado pela Comissão para o Acolhimento, Verdade e Reconciliação (CAVR).
"Abraçamos os valores universais da Justiça mas há uma certa dificuldade de se perceber que cada terra, cada povo, tem as suas próprias formas ou modelos de resolver os seus problemas e conflitos", disse o primeiro-ministro, num sentido contrário ao relatório da Amnistia.
Xanana Gusmão afirmou que “já há resultados na política do perdão”.
"Temos milhares de estudantes na Indonésia, as melhores relações com a Indonésia, melhores talvez do que com vários países do mundo", declarou.
Há ainda o comércio, que "pende mais para a Indonésia do que para qualquer lado do mundo". "Nós, que somos um país essencialmente importador, vemos os benefícios disto: da política de perdoar, deixar para o passado o que foi do passado e construirmos todos, de uma maneira ou outra - ou eles numa forma, nós noutra - um futuro muito mais harmonioso entre os dois povos e entre os filhos desta terra", defendeu o primeiro-ministro.
"Continuo convicto de que é a melhor solução para muitos países, como o nosso", sublinhou o líder histórico da resistência timorense, capturado em 1992 e que esteve preso até 1999 na Indonésia.
Xanana Gusmão disse à Lusa simpatizar com a sugestão de uma amnistia geral, proposta pelo Presidente da República, Ramos-Horta, para os crimes cometidos antes de 1999, lembrando a responsabilidade dos timorenses nos acontecimentos que conduziram à invasão da Indonésia em 1975.
Os partidos timorenses, nascidos após a revolução portuguesa um ano antes, "em vez de aparecerem para sonhar pela liberdade, apareceram para infringir dores uns aos outros", recordou.
"Pessoalmente, não posso negar que fui membro do comité central da Fretilin e tivemos a nossa quota-parte nesse processo todo de 24 anos", reconheceu. "Somos santos e somos pecadores."
Entretanto os ministros dos Negócios Estrangeiros de Portugal, Indonésia e Timor-Leste realizaram este Domingo em Díli uma reunião tripartida, considerada histórica por ser a primeira após décadas de contencioso quanto a Timor-Leste.
De acordo com o ministro português dos Negócios Estrangeiros, Luís Amado, o encontro serviu para debater o futuro das relações entre os três países e marca uma nova fase no relacionamento de Portugal com a Indonésia.
“A Ásia tem um papel cada vez mais importante no novo sistema económico mundial e a nossa presença em Timor-Leste é fundamental para uma presença mais forte de Portugal e é nessa perspectiva que o Governo português continua a investir nas suas relações com Timor-Leste”, declarou Luís Amado no final.
Um texto de Diana Andringa lembra a importância do referendo e o doloroso processo de libertação: “ Sem esquecer uma só das terríveis imagens de 1999, uma só das terríveis histórias de 1999, essa é, para mim, a grande lição do referendo: a opção dos resistentes pela inteligência e pela vida. O terem sabido virar ao contrário o grito de Millán Astray e, sobre a violência e o sangue, terem proclamado. «Viva a inteligência, morra a morte!»
Fonte: http://www.esquerda.net/
Colômbia, país do passado…
Caracas, 28 de agosto de 2009 (Eva Golinger). A visita de Noam Chomski a Venezuela se produziu em um momento histórico no que ocorrem muitas mudanças na América Latina, potenciais mudanças na relação dos EUA com nações latino-americanas, e atualmente existem importantes tensões e conflitos que causam grande preocupação aos latino-americanos.
Neste contexto, e com o recrudescimento das agressões nos últimos meses, com o golpe de estado na Honduras, o aumento da presença militar na Colômbia, com a ocupação de mais de sete bases militares, além de um controle territorial a nível militar na Colômbia, temos também a reativação da quarta frota da armada que ocorreu o ano passado, mas está sendo usada agora neste contexto.
Também o tom do discurso para a Venezuela se feito mais forte, acusando a Venezuela de permitir o narcotráfico, terrorismo, e houve um aumento do orçamento militar do Pentágono, para o Comando Sul nesta região.
Eva Golinger (EG): É este algum tipo de fenômeno? “Agora com um presidente supostamente progressista na Casa Branca vemos mais ataque contra movimentos progressistas na América Latina”…
Noam Chomsky (NC): E no resto do mundo. Mas o que ocorre na América Latina ocorreu por mais tempo. EUA por muito tempo deu por sentado que podia controlar a América Latina, e de fato este foi um princípio básico de sua política externa desde suas origens como república, como uma aspiração, que conseguiram concretizar no século XX. O Conselho de Segurança Nacional, a maior entidade de planejamento, diz que se não podermos controlar a América Latina, como podemos o resto do mundo.
Henry Kissinger, quando o golpe do Pinochet, disse: “temos que nos desfazer além de ou não teremos credibilidade no resto do mundo”. Essa é a chave para controlar o mundo, e é obvio grande parte da economia estado-unidenses estava apoiada em investimentos, que eram uma espécie de saque, do século XIX. Tudo isto ocorreu por muito tempo e de distintas maneiras, intervenção militar, golpes de estado, agressões, durante o governo do Kennedy, com agressão de Estado, o exército instaurando Estados de segurança ao estilo neonazi.
Logo chegou o período neoliberal, o controle dos países por meios econômicos, mas a finais dos noventa já não era tão freqüente, Venezuela é um exemplo, mas ocorria em muitos outros países. Lentamente os países latino-americanos começaram a escapar do grande período, da época dos conquistadores espanhóis e portugueses, de uma ou outra forma de colonização. Começaram a livrar do FMI, pagar e reestruturar suas dívidas enfocar-se nos problemas internos, e EUA começava a perder controle, e tinha que haver uma resposta, que se desdobrou desde finais dos anos noventa, e que tem duas frentes, um militar, e o outro que denominam promoção da democracia, que é um eufemismo de submissão. A gente é militar e a outra é a submissão, e Obama simplesmente lhes está dando continuidade. Não Começaram a livrar do FMI, pagar e reestruturar suas dívidas enfocar-se nos problemas internos, e EUA começava a perder controle, e tinha que haver uma resposta, que se desdobrou desde finais dos anos noventa, e que tem duas frentes, um militar, e o outro que denominam promoção da democracia, que é um eufemismo de submissão. A gente é militar e a outra é a submissão, e Obama simplesmente lhes está dando continuidade. Não está fazendo nada de novo.
Parece diferente ao Bush, mas a razão é se virmos à opinião pública, porta-vozes do governo, eles criticam ao Bush por não prestado atenção a América Latina, e que a região sofreu por isso. De fato é o melhor que passou a América Latina, que os EUA dirija sua atenção a outras regiões. Mas Obama quer remediar essa situação de uma perspectiva progressista liberal, prestando mais atenção a América Latina, o que implica um retorno a políticas mais tradicionais, a militarização e a submissão.
O que você menciona é um exemplo, mas vem de antes, de faz muitos anos, por exemplo, o treinamento de militares latino-americanos pelos últimos dez ou quinze anos aumentou em grande medida, possivelmente 50% mais do que era nos anos noventa. E agora a posição militar dos EUA na América Latina é relativamente maior que durante a Guerra Fria. Pela primeira vez, há mais oficiais de treinamento militar que assessores econômicos. A estratégia trocou para um esforço por reconstruir uma estrutura de intervenção potencial, e também para a chamada promoção da democracia.
EG: Que experimentamos em grande medida aqui na Venezuela através da USAID, a National Endowment for Democracy com financiamento a grupos opositores e agora com participação em uma campanha de contrainsurgencia ao interior das forças revolucionárias que apóiam ao governo, que tentam neutralizar.
NC: Mas estas são políticas de grande data. EUA de fato iniciou uma nova fase do imperialismo faz um século, ao converter-se em uma potência mundial, já tinha sido uma potência regional, mas com a conquista de Filipinas, esse foi o momento crucial, pelos anos 1900, matou a centenas de milhares de pessoas, estabeleceu um controle militar parcial, mas tinham que governar o país. Como governar o país Bom, desenvolveu uma nova forma de colonialismo, com um Estado de vigilância muito complexo, usando a última tecnologia da época para escavar movimentos políticos, para desintegrá-los, promover o faccionalismo.
Criaram uma força militar-policial paralela que podia usar a força quando fosse necessário. Era muito minucioso e complexo, e de fato retornou aos países de origem, os Estados de vigilância o Ocidente: EUA, Inglaterra, da Primeira guerra mundial, apoiados no modelo filipino. E segue até hoje. Filipinas é o único país no leste asiático que não participou do rápido crescimento econômico das últimas décadas, e ainda tem uma força militar terrorista, violações a direitos humanos, etc.
As técnicas são: primeiro, uma força militar internamente, se for necessária, e segundo a colaboração dos líderes do Estado, por isso é que querem infiltrar os movimentos revolucionários, incitar a separação, escavar o poder de outros grupos e obter benefícios de seus contatos com o poder imperial. Os britânicos e os franceses fizeram coisas parecidas, mas esta vez se fez com grande detalhe, algo novo na história do imperialismo, e é obvio se estendeu a América Latina.
Por isso é que depois de cada intervenção, por exemplo, o Haiti, República Dominicana, Nicarágua, onde seja, deixam o país em mãos do Guarda Nacional e em colaboração com líderes do Estado. E o Guarda Nacional é uma força de terrorismo de Estado. O Guarda Nacional haitiana nunca lutou contra outro país. Seu exército luta contra a população, o mesmo com a Somoza.
Essa capacidade se perdeu em parte nos anos noventa e agora se reconstrói de outra maneira. Mas é uma tradição antiga. De fato data de muito antes. Vale recordar que os EUA é o único país do mundo que foi baseado como um império. George Washington o descreveu como um império infante e é obvio tiveram que conquistar o território nacional, isso é imperialismo, não cruzaram mares, mas além disso, é imperialismo padrão. Virtualmente exterminaram à população, roubaram-se a metade do território do México e em 1898 começaram a expandir-se a outras regiões, mas o processo é o mesmo.
E é importante saber que o fazem com toda franqueza e com uma crença no caráter divino de sua missão. É um país religioso e sempre atuou para cumprir a missão da Divina Providência. George Bush falava nesses termos. Obama não precisa usar as mesmas palavras. É sofisticado. O melhor exemplo, como todos sabem, é a primeira colônia nos EUA: Massachussets. Sua carta institucional é de 1629, estabeleceram seu escudo no que aparecia um índio apontando sua lança para baixo e um pergaminho saindo de sua boca, que dizia “venha a nos ajudar”, assim que os colonos que foram lá a lhes tirar suas terras e exterminá-los estavam convencidos de que estavam respondendo a esse chamado de auxílio, e essa atitude segue na atualidade.
Cada agressão, tentativa de submissão tem a mesma inspiração. Outros países imperialistas como a França têm atitudes similares, mas está muito mais arraigada na cultura e crença estado-unidenses. Há um importante fundo religioso, tudo se justifica. O mais que pode acontecer é que se cometam enganos.
EG: Isso é também como uma guerra psicológica, uma manipulação da realidade, para dar essa impressão.
NC: É importante entender que é aceito internamente. Por exemplo, não se pode fazer um comentário crítico sobre qualquer ação dos EUA Obama, por exemplo, é muito elogiado por ser um dos principais críticos da guerra no Iraque. Qual foi sua crítica“ Disse que era um engano monumental estratégico”. Assumiu a mesma posição que assumiu o estado maior alemão depois do Stalingrado. Ou a posição dos russos sobre o Afeganistão a princípios dos oitenta.
E não o chamamos crítica quando é de nossos inimigos, chamamo-lo servilismo ao poder. Mas em nosso caso, as liberais, progressistas o chamam oposição principal. E se pode ir mais à frente e estar ainda dentro do marco doutrinal básico, e vem dessa auto percepção de nobreza, da missão divina de civilizar o mundo, elevá-lo a um maior nível, então a submissão e a militarização são considerados primitivos, e de fato no caso da América Latina a esquerda condena ao Bush por não enfocar-se na América Latina, por não cumprir com a missão civilizadora. Não são surpresas então as ações do Obama.
EG: E é um processo cujo ritmo está aumentando rapidamente.
NC: Em parte por estas razões e em parte porque os problemas são mais prementes. A chamada “maré rosa” é considerada um verdadeiro perigo. De fato o governo dos EUA está apoiando governos que faz quarenta anos teria tombado. O governo do Brasil, por exemplo. As políticas de Lula não são tão diferentes das políticas do Goulart a princípios dos sessenta, quando o governo do Kennedy iniciou um golpe militar e instalou o primeiro Estado de segurança nacional uso neonazi, e agora é um país amigo, porque todo o espectro se deslocou tanto que agora o EUA deve apoiar ao tipo de governo que antes teria tombado e é obvio tratar de submeter aos outros.
EG: Falemos disso especificamente, porque está o tema do aumento de presença militar estado-unidenses na Colômbia, que causou tensão na região. O governo da Colômbia e o governo dos EUA, Obama, sustentam que isto é um assunto bilateral, que isto não é uma ocupação ou o estabelecimento de novas bases militares; é um acordo de cooperação em segurança.
Mas alguns dos detalhes que sabemos, além das três bases que os EUA já ocupou sob o Plano a Colômbia, e mais de uma dúzia de estações de radar, é que definitivamente terão acesso a sete bases, uma das quais, no Palanquero, dar-lhes-á acesso aéreo a todo o hemisfério, que não tinham anteriormente, com gigantescos aviões militares de carrega tipo C17, e além disso, está o tema do que os EUA chama defesa interna em um país estrangeiro, com a que treinam forças armadas colombianas, equipamentos comando especiais, forças especiais, a Polícia Nacional colombiana, treinam-nos, comandam-nos e os controlam, e agora existe a possibilidade de uma recolocação da Escola das Américas, agora chamada WHINSEC, na Colômbia, para começar o treinamento em outros países da região.
Esta sexta-feira 28 se produz uma reunião de presidentes do Unasur na Argentina para tratar este tema, que muitos dizem que é uma ameaça para a estabilidade regional. Mas há nações que mantêm a posição de que terá que respeitar a soberania colombiana. Com governos apoiados por Washington como o Brasil, e com o golpe na Honduras que foi visto como um ataque contra os países do ALBA.
É esta ocupação ou ampliação de presença militar na Colômbia uma tentativa de dividir e impedir um maior progresso da integração latino-americana, primeiro mediante a promoção destes conflitos entre nações, além do conflito entre a Colômbia como governo de direita e Venezuela como governo de esquerda, com países como o Brasil ou Chile, que podem assumir uma posição mais ambígua ou neutra quanto ao respeito da soberania colombiana, que se opõem à expansão militar americano, mas sem chegar a condená-la”.
NC: Falar de soberania colombiana é uma piada. O Plano a Colômbia, criado pelo Clinton, é uma intervenção agressiva nos assuntos internos da Colômbia, que teve conseqüências. Há um pretexto, e o pretexto é a guerra contra o narcotráfico, mas é só um pretexto e não se pode tomar a sério. E o estabelecimento das bases militares na Colômbia é uma reação ao feito de que o EUA perdeu sua posição militar em outros países. Equador desativou a base em Manta, que dava aos EUA grande capacidade de vigilância aérea na região. Paraguai era uma espécie de base militar estado-unidenses, e isso já acabou. Tinham que reconstruí-la em outra parte e Colômbia é o único país onde podiam fazê-lo.
NC: Falar de soberania colombiana é uma piada. O Plano Colômbia, criado pelo Clinton, é uma intervenção agressiva nos assuntos internos da Colômbia, que teve conseqüências. Há um pretexto, e o pretexto é a guerra contra o narcotráfico, mas é só um pretexto e não se pode tomar a sério. E o estabelecimento das bases militares na Colômbia é uma reação ao feito de que o EUA perdeu sua posição militar em outros países. Equador desativou a base em Manta, que dava aos EUA grande capacidade de vigilância aérea na região. Paraguai era uma espécie de base militar estado-unidenses, e isso já acabou. Tinham que reconstruí-la em outra parte e Colômbia é o único país onde podiam fazê-lo.
O golpe em Honduras é parte de outro processo. Centro América tinha sido tão devastado pelas guerras contra o terrorismo do Reagan que não eram parte da tendência da chamada maré rosa, para a integração latino-americana. Honduras estava no caminho da integração, e bom agora e que eles não acreditam, e em realidade se expandiu na Centro América. Nicarágua é outro caso. Tudo isto me parece que é uma tentativa de recuperar a posição tradicional inclusive antes, faz 10 ou 15 anos o treinamento de oficiais aumentou rapidamente, e trocou agora o treinamento é em táticas de infantaria.
A idéia é criar forças paramilitares. Não estão treinando policiais de trânsito. O controle da “ajuda” oficial trocou que Departamento de Estado, agora está em mãos do Pentágono, que é uma mudança relevante. Quando estava sob o Departamento de Estado tinha ao menos em teoria supervisão do Congresso, que quer dizer que havia condições que terei que cumprir sobre direitos humanos, por exemplo, que não se implementavam muito, mas eram uma limitação a possíveis abusos, mas sob o controle do Pentágono, não há regras, tudo é válido.
Agencia Bolivariana de Noticias
Fonte: http://www.estadoanarquista.org/blog
EUA: com os pés na Colômbia e os olhos no Brasil
EUA: com os pés na Colômbia e os olhos no Brasil
Os EUA querem manter um papel protagonista no mundo e, para tanto, tentam expulsar a China da África e impedir uma aliança entre Rússia e Europa Ocidental. Essas duas grandes estratégias estão fracassando, daí a necessidade de garantir que a América Latina seja sua zona de influência exclusiva. A presença militar na Colômbia é um passo nesta direção, mas o verdadeiro alvo de Washington na região é o Brasil, país com maior poder relativo da região. A análise é dos cientistas políticos argentinos Marcelo Gullo e Carlos Alberto Pereyra Mele.
Agencia Periodística del Mercosur
Data: 30/08/2009
Nos centros de planejamento do traçado estratégico dos Estados Unidos sabe-se que passou o tempo da potência única e global. Para enfrentar a União Européia, China e Rússia, Washington quer assegurar o controle da América Latina. Para isso precisa “acabar” com o Brasil. As possibilidades de resistência na região, o papel da Unasul e outras iniciativas de integração – esses pontos foram de uma entrevista exclusiva à Agencia Periodística del Mercosul, concedida pelos cientistas políticos especialistas e geopolítica, Marcelo Gullo (autor dos livros “Argentina-Brasil: a grande oportunidade” e “A insubordinação fundadora. Breve história da construção do poder das nações”) e Carlos Alberto Pereyra Mele, do Centro de Estudos Estratégicos Sulamericanos.
Para Gullo, o interesse geopolítico dos Estados Unidos consiste em atrasar o processo de passagem da condição de potência global para a de uma potência regional. A crise que atingiu o país, acrescenta, não é conjuntural, mas sim estrutural, porque, pela primeira vez desde 1970, ocorreu uma dissociação entre os interesses da alta burguesia norte-americana e os do Estado. A partir da década de 80, as indústrias estadunidenses, buscando pagar salários mais baixos, foram para a Ásia para produzir para o mercado interno norte-americano, alimentando assim um processo de desindustrialização dentro do próprio território. “Isso gerou um enorme processo de desemprego. Esse seria o eixo conceitual da crise financeira global, deixando os EUA desindustrializado, sem empregos suficientes e com 40 milhões de pobres”, diz Gullo.
E acrescenta: “Os EUA querem manter um papel protagonista e, para tanto, tentam expulsar a China da África e impedir a aliança entre Rússia e Europa Ocidental. Essas duas grandes estratégias estão fracassando, daí a necessidade de colocar um pé na Colômbia, um passo para que a América Latina seja sua zona de influência exclusiva”.
Os EUA, lembra, só produzem 15% da energia que consome e a América Latina provê 25% de suas necessidades em matéria de recursos. Pereyra Mele assinala que “a Colômbia é um país bioceânico, é vizinho do país (Venezuela) que vende 15% do petróleo consumido pelos EUA e também do Equador, outro país petroleiro. Desde as bases navais de Málaga e Cartagena de Índias, Washington tem rápido acesso ao maior ponto de comunicação comercial do mundo, o canal do Panamá”. Na mesma direção, Gullo observa que a importância geopolítica da Colômbia para os EUA se expressa tanto no plano tático como no estratégico.
Do ponto de vista tático, ele assinala: “o complexo militar necessita criar focos bélicos para justificar a produção e renovação de material bélico. Sem tal esquema, esse aparato não tem como justificar sua existência”. E do ponto de vista estratégico, “o objetivo é conseguir a capitulação do poder nacional brasileiro; para isso, procura traçar um cerco em volta do Brasil, começando na Colômbia e com a idéia de continuar pela Bolívia e pelo Paraguai”.
Nesse marco, a América Latina é obrigar a reforçar seus acordos regionais, como Unasul, Comunidade Andina de Nações e Mercosul, para evitar fraturas e controlar as turbulências domésticas (como o golpe de Estado em Honduras), que possibilitem a expansão das forças armadas dos EUA na região. Para Pereyra Mele, “a solução ao problema colocado pela ofensiva estadunidense sobre a América do Sul passa pela defesa irrestrita das áreas por onde fluem e se conectam os três sistemas hidrográficos mais importantes: o Orinoco, a Amazônia e o Prata”.
“Para isso devem ser desenvolvidas políticas internacionais coerentes, levando em conta as limitações colocadas pela potência hegemônica. É muito importante aprofundar o Mercosul, aumentar a presença da Unasul e dos organismos de defesa regionais. É necessária a criação de um complexo industrial militar argentino-brasileiro para melhorar nossa capacidade de defesa, sem dependência externa, incorporando outros países”, conclui Pereyra Mele.
Para Marcelo Gullo, a América a conforma uma comunidade cultural única. “Lamentavelmente, do ponto de vista político, a região está dividida em duas. De um lado México, América Central e o Caribe, zona de influência exclusiva dos EUA, e de outro a América do Sul”.
A respeito dessa última reflexão, talvez pudesse se acrescentar que o ódio sistemático dos poderes estadunidenses à Revolução Cubana pode ser explicado pelo fato de esta ter sido a única experiência concreta de freio à hegemonia de Washington sobre as regiões Norte, Central e Caribenha da América Latina. Diante disso, conclui Gullo, “a responsabilidade principal é do Brasil, por ser o país com maior poder relativo da região. O problema é que a classe dirigente brasileira não compreende adequadamente que, para resistir à agressão dos EUA, precisa de sócios fortes e não fracos. Devem compreender que o importante não é sua industrialização isolada, mas sim a industrialização de toda a América do Sul”.
As mudanças de política militares que Barack Obama prometeu em sua campanha presidencial até agora não apareceram. A menos que alguém queira que o caráter identitário passa exclusivamente pela pigmentação da pele, nem que sequer podemos dizer que um afroamericano chegou à presidência. Para além do discurso, Obama solicitou ao Congresso dos EUA a aprovação de 83,4 bilhões de dólares em fundos extras para financiar as aventuras bélicas no Iraque e no Afeganistão, avança com a instalação de novas bases militares na Colômbia e manteve uma posição mais do que ambígua em relação ao golpe de Estado em Honduras.
O orçamento do Pentágono é 50 vezes superior ao total de gastos militares do conjunto de países do sistema internacional. Além disso, realiza os maiores investimentos, em nível mundial, em pesquisas militares e espaciais. Essa disponibilidade de recursos permite aos EUA agir de forma simultânea com ingerências bélicas em diferentes áreas do planeta.
Tradução: Katarina Peixoto
Fonte: www.cartamaior.com.br
Os EUA querem manter um papel protagonista no mundo e, para tanto, tentam expulsar a China da África e impedir uma aliança entre Rússia e Europa Ocidental. Essas duas grandes estratégias estão fracassando, daí a necessidade de garantir que a América Latina seja sua zona de influência exclusiva. A presença militar na Colômbia é um passo nesta direção, mas o verdadeiro alvo de Washington na região é o Brasil, país com maior poder relativo da região. A análise é dos cientistas políticos argentinos Marcelo Gullo e Carlos Alberto Pereyra Mele.
Agencia Periodística del Mercosur
Data: 30/08/2009
Nos centros de planejamento do traçado estratégico dos Estados Unidos sabe-se que passou o tempo da potência única e global. Para enfrentar a União Européia, China e Rússia, Washington quer assegurar o controle da América Latina. Para isso precisa “acabar” com o Brasil. As possibilidades de resistência na região, o papel da Unasul e outras iniciativas de integração – esses pontos foram de uma entrevista exclusiva à Agencia Periodística del Mercosul, concedida pelos cientistas políticos especialistas e geopolítica, Marcelo Gullo (autor dos livros “Argentina-Brasil: a grande oportunidade” e “A insubordinação fundadora. Breve história da construção do poder das nações”) e Carlos Alberto Pereyra Mele, do Centro de Estudos Estratégicos Sulamericanos.
Para Gullo, o interesse geopolítico dos Estados Unidos consiste em atrasar o processo de passagem da condição de potência global para a de uma potência regional. A crise que atingiu o país, acrescenta, não é conjuntural, mas sim estrutural, porque, pela primeira vez desde 1970, ocorreu uma dissociação entre os interesses da alta burguesia norte-americana e os do Estado. A partir da década de 80, as indústrias estadunidenses, buscando pagar salários mais baixos, foram para a Ásia para produzir para o mercado interno norte-americano, alimentando assim um processo de desindustrialização dentro do próprio território. “Isso gerou um enorme processo de desemprego. Esse seria o eixo conceitual da crise financeira global, deixando os EUA desindustrializado, sem empregos suficientes e com 40 milhões de pobres”, diz Gullo.
E acrescenta: “Os EUA querem manter um papel protagonista e, para tanto, tentam expulsar a China da África e impedir a aliança entre Rússia e Europa Ocidental. Essas duas grandes estratégias estão fracassando, daí a necessidade de colocar um pé na Colômbia, um passo para que a América Latina seja sua zona de influência exclusiva”.
Os EUA, lembra, só produzem 15% da energia que consome e a América Latina provê 25% de suas necessidades em matéria de recursos. Pereyra Mele assinala que “a Colômbia é um país bioceânico, é vizinho do país (Venezuela) que vende 15% do petróleo consumido pelos EUA e também do Equador, outro país petroleiro. Desde as bases navais de Málaga e Cartagena de Índias, Washington tem rápido acesso ao maior ponto de comunicação comercial do mundo, o canal do Panamá”. Na mesma direção, Gullo observa que a importância geopolítica da Colômbia para os EUA se expressa tanto no plano tático como no estratégico.
Do ponto de vista tático, ele assinala: “o complexo militar necessita criar focos bélicos para justificar a produção e renovação de material bélico. Sem tal esquema, esse aparato não tem como justificar sua existência”. E do ponto de vista estratégico, “o objetivo é conseguir a capitulação do poder nacional brasileiro; para isso, procura traçar um cerco em volta do Brasil, começando na Colômbia e com a idéia de continuar pela Bolívia e pelo Paraguai”.
Nesse marco, a América Latina é obrigar a reforçar seus acordos regionais, como Unasul, Comunidade Andina de Nações e Mercosul, para evitar fraturas e controlar as turbulências domésticas (como o golpe de Estado em Honduras), que possibilitem a expansão das forças armadas dos EUA na região. Para Pereyra Mele, “a solução ao problema colocado pela ofensiva estadunidense sobre a América do Sul passa pela defesa irrestrita das áreas por onde fluem e se conectam os três sistemas hidrográficos mais importantes: o Orinoco, a Amazônia e o Prata”.
“Para isso devem ser desenvolvidas políticas internacionais coerentes, levando em conta as limitações colocadas pela potência hegemônica. É muito importante aprofundar o Mercosul, aumentar a presença da Unasul e dos organismos de defesa regionais. É necessária a criação de um complexo industrial militar argentino-brasileiro para melhorar nossa capacidade de defesa, sem dependência externa, incorporando outros países”, conclui Pereyra Mele.
Para Marcelo Gullo, a América a conforma uma comunidade cultural única. “Lamentavelmente, do ponto de vista político, a região está dividida em duas. De um lado México, América Central e o Caribe, zona de influência exclusiva dos EUA, e de outro a América do Sul”.
A respeito dessa última reflexão, talvez pudesse se acrescentar que o ódio sistemático dos poderes estadunidenses à Revolução Cubana pode ser explicado pelo fato de esta ter sido a única experiência concreta de freio à hegemonia de Washington sobre as regiões Norte, Central e Caribenha da América Latina. Diante disso, conclui Gullo, “a responsabilidade principal é do Brasil, por ser o país com maior poder relativo da região. O problema é que a classe dirigente brasileira não compreende adequadamente que, para resistir à agressão dos EUA, precisa de sócios fortes e não fracos. Devem compreender que o importante não é sua industrialização isolada, mas sim a industrialização de toda a América do Sul”.
As mudanças de política militares que Barack Obama prometeu em sua campanha presidencial até agora não apareceram. A menos que alguém queira que o caráter identitário passa exclusivamente pela pigmentação da pele, nem que sequer podemos dizer que um afroamericano chegou à presidência. Para além do discurso, Obama solicitou ao Congresso dos EUA a aprovação de 83,4 bilhões de dólares em fundos extras para financiar as aventuras bélicas no Iraque e no Afeganistão, avança com a instalação de novas bases militares na Colômbia e manteve uma posição mais do que ambígua em relação ao golpe de Estado em Honduras.
O orçamento do Pentágono é 50 vezes superior ao total de gastos militares do conjunto de países do sistema internacional. Além disso, realiza os maiores investimentos, em nível mundial, em pesquisas militares e espaciais. Essa disponibilidade de recursos permite aos EUA agir de forma simultânea com ingerências bélicas em diferentes áreas do planeta.
Tradução: Katarina Peixoto
Fonte: www.cartamaior.com.br
Apesar de BHObama, apuração de crimes de guerra avança - Por Chico Villela
Apesar de BHObama, apuração de crimes de guerra avança - Por Chico Villela
O The New York Times, um dos jornalões dos EUA que se contorce para apoiar, com aparente ‘independência’, o novo complexo que determina os objetivos estratégicos do país e congrega as forças armadas, bancos e interesses de armamento e energia (o antigo “complexo industrial-militar” denunciado por Eisenhower nos anos 1950), titulou matéria dia 24 de agosto de 2009 na seção Política: “EUA afirmam que seqüestros vão continuar, mas com mais supervisão”.
A palavra ‘seqüestros’ traduz imperfeitamente o original ‘rendition’ (capitulação, rendição), que se explica assim: agentes do governo, CIA, militares euamericanos etc. prendem, sem mandato ou autorização, em qualquer país, sem conhecimento do governo local, um “suspeito”, sem culpa formada ou acusação existente, e o entregam, após embarcá-lo em vôos secretos patrocinados pela CIA (a maioria operada pela Jeppesen, empresa subsidiária do maior fabricante de armamento, a Boeing), a qualquer governo de países ‘aliados’, para prisão e interrogatório e, muitas vezes, morte, em geral sob tortura.
As ‘renditions’ são ilegais na ótica das leis de qualquer país em que ocorram, pois implicam a presença de agentes estrangeiros no território que operam sem autorização dos governos em ações secretas que violam a soberania do país. São ilegais também na ótica das leis internacionais, já que atingem cidadãos sem acusação nem culpa formada, caracterizados como “suspeitos”, numa inversão dos mais consagrados cânones do direito internacional contemporâneo. A matéria do NYT abre com a pérola:
“A administração Obama vai manter a prática da administração Bush de enviar suspeitos de terrorismo para outros países para detenção e interrogatório, mas garante monitorar de perto o seu tratamento para certificar-se de que não são torturados, afirmaram autoridades da administração [...]”.
A linguagem tenta amaciar a questão, ao chamar a ilegalidade de ‘prática’, mas não consegue esconder a realidade: a administração BHObama dá continuidade a uma das mais aberrantes disposições fascistas do regime Cheney-Bush. Note-se o reconhecimento da inocência dos infelizes enviados aos centros de tortura, em geral de seus países de origem: são nomeados como “suspeitos”, ou seja, reconhece-se que não existe nem acusação nem culpa formada.
A revelação faz paralelo com o propalado “fechamento” do centro de torturas de Guantánamo, até hoje em funcionamento, apesar das ‘promessas e esforços’ do presidente. O marketing do governo martela a conquista democrática de fechar um dos mais abjetos centros prisionais de tortura do mundo, mas não toca no assunto espinhoso das outras dezenas de centros em funcionamento pelo mundo afora e em navios da frota e bases militares.
O jornalão registra, corretamente, a oposição ao ilícito no parágrafo seguinte: “Advogados de direitos humanos condenam a decisão, alegando que a continuidade da prática, conhecida como ‘rendition’, iria mesmo estimular a transferência de prisioneiros para países com tradição de tortura. Eles afirmaram que as promessas de tratamento humano por outros países, chamadas ‘garantias diplomáticas’, não garantiam proteção contra abusos”.
A manifestação de oposição parte de Amrit Singh, advogado da União Euamericana pelas Liberdades Civis, a conhecida e valorosa Aclu, que seguiu casos de ‘rendition’ no regime Cheney-Bush. Singh declara-se desapontado com o fato de BHObama prosseguir na tradição do regime anterior de basear-se em garantias diplomáticas que não evitam a tortura.
O NYT cogita que o anúncio da manutenção da ‘rendition’, partido de um inacreditável grupo organizado pelo atual governo nomeado ‘Interrogation and Transfer Policy Task Force’, tem por objetivo reduzir o impacto da recente revelação, pelo Departamento de Justiça, de um relatório de 2004 do então inspetor geral da CIA (http://www.gwu.edu/~nsarchiv/torture_archive/20040507.pdf) com detalhes de “técnicas brutais” usadas pela agência contra “prisioneiros terroristas”. O relatório só agora foi liberado para circulação, com os cortes e a censura de praxe, como se pode ver no original.
A questão se assemelha em tudo à polêmica em torno do grupo que orquestrava comandos assassinos, organizado fora do aparelho de governo pelo ex-presidente Cheney e coordenado pelo atual comandante das tropas aliadas no Afeganistão, general Stanley McChrystal (ver ‘BHObama e operações especiais’, nesta coluna). Imobilizado por suas próprias contradições, o governo BHObama até agora foi incapaz de definir uma linha de ação conseqüente. Compreende-se: qualquer movimento na direção de audiências, inquéritos etc. incriminará em primeiro plano o ex-vice-presidente e o general, e também o ex-presidente.
O Congresso chiou porque durante sete anos foi-lhe omitido o funcionamento dos comandos assassinos. A Aclu chia porque BHObama baseia-se em garantias falsas para prosseguir a ilegalidade inaugurada pelos fascistas do antigo regime. Em ambos os casos, permanece o pressuposto básico intocável: o governo tem direito de assassinar inimigos e “suspeitos” em qualquer país. Parte expressiva da sociedade parece estar tão mergulhada no clima de infindáveis guerras e omnipresente violência que já abandonou a prerrogativa de questionar a política de guerra permanente dos sucessivos governos.
Mas BHObama já desautorizou os que clamam por medidas que levem os criminosos de guerra ao banco dos réus, mesmo porque a cada dia mais se aproxima do perfil do seu antecessor, com acréscimo do crime de omissão. É cristalino que tanto os mandantes, desde Bush e Cheney, até o secretário de Justiça e seus funcionários e agências que emitiram autorizações para tortura cometeram violações de leis internacionais e nacionais (United States Code, Título 18, Parte I, Capítulo 118, Parágrafo 2441 – Crimes de Guerra).
A declaração do presidente, ao alegar que ‘não irá punir aqueles que torturaram acobertados por leis e decretos’ do regime Cheney-Bush, escancara sua conivência com os criminosos de todos os escalões. Muitos militares alemães de alta patente foram enforcados após o Tribunal de Nuremberg, pós-Segunda Guerra, porque não foram aceitas as alegações de que estariam cumprindo ordens ao torturar e assassinar milhões de judeus, comunistas, homossexuais e ciganos, entre suas outras principais vítimas.
O que BHObama omite com essa declaração é que os decretos e leis do regime Cheney-Bush relativos à aprovação de tortura de prisioneiros também são ilegais, violam dispositivos de tratados e convenções internacionais, e transformam seus autores e prepostos em criminosos de guerra. Sem contar que a dupla Cheney-Bush e seu comparsa Tony Blair são inculpados pelo mais destacado e consagrado dos crimes de guerra: a agressão armada a um país sem motivo além da rapina. Razão suficiente para que tomem assento no banco dos réus do Tribunal Penal Internacional.
Cinco dias após a destruição por implosão das torres gêmeas e da terceira, em 2001, Cheney declarou em entrevista ao repórter Tim Russert que agora se passaria “a trabalhar em algo como o lado escuro”, “a dispender o tempo nas sombras do mundo de inteligência”; “muito do que se precisa fazer será feito quietamente, sem qualquer discussão, usando recursos e métodos disponíveis para nossas agência de inteligência, se quisermos ser bem-sucedidos”. “Este é o mundo em que esses ‘folks’ operam, e assim vai ser vital para nós usar quaisquer dos meios a nossa disposição, basicamente, para conseguir nosso objetivo”. Cheney falou claro, já antevendo os horrores descritos a ferro quente no relatório do inspetor geral da CIA.
Esperanças depositam-se no secretário de Justiça, Eric Holder, que tem dado passos que podem terminar por ir na direção da responsabilização dos autores maiores das violações, caso não seja parado antes por BHObama. A liberação ao público pelo secretário do relatório de 2004 reforça as posições dos que, dentro e fora do governo, pretendem que se tome esse rumo.
No artigo http://www.consortiumnews.com/2009/082609a.html, de 26 de agosto, o analista Ray McGovern, 27 anos de CIA, considera positivo o alargamento, pelo secretário de Justiça, do mandato do promotor John Durham para investigar violações, por agentes da CIA e contratados, das leis sobre tortura e outros dispositivos. Durham investigou durante um ano o desaparecimento de centenas de vídeos que documentaram sessões de tortura, o que se deu não muito após o conhecimento da existência do relatório do inspetor geral. O NYT aponta o desagrado de entidades que lutam pelos direitos civis em face das declarações do então candidato a presidente, desmentidas pelas suas políticas em curto prazo, o que, entre outros fatores, explica a queda livre dos seus índices de popularidade. Em artigo na revista Foreign Affairs, porta-voz de think-tank arquiconservador que tem hoje decisiva influência no governo, o candidato afirmava:
“To build a better, freer world, we must first behave in ways that reflect the decency and aspirations of the American people. This means ending the practices of shipping away prisoners in the dead of night to be tortured in far-off countries, of detaining thousands without charge or trial, of maintaining a network of secret prisons to jail people beyond the reach of the law.”
Palavras de candidato: encerrar as ‘renditions’ e a entrega de prisioneiros para tortura em variados países, encerrar as detenções sem acusação ou julgamento, fechar a rede de prisões secretas orquestrada pela CIA e contratados. As ‘renditions’ continuam, agora sob controle de grupo formado pelo presidente e suas inócuas “garantias diplomáticas”. As detenções sem acusação ou julgamento acham-se previstas, acima de leis nacionais e internacionais, na fascista Patriot Act de 2001, que jogou a maior parte das liberdades civis no limbo.
A Patriot Act continua na sombra, o governo nem sequer se refere a ela, e a imensa rede interna de controle, Homeland Security, forte e organizada, com campos sociais determinantes na mão, verba de mais de meia centena de bilhões. Os cerca de 600 “campos de detenção provisória” erguidos durante o regime Cheney-Bush acham-se em stand by, prontos para operar. A rede de prisões secretas mundo afora perpetua-se, com alterações recentes em razão de denúncias e rápida desativação de prisões em países da impoluta e severa Europa, a mãe de todos os vícios. Na campanha, BHObama falou palavras. Palavras valem pelo que vale aquele que as pronuncia.
Um fator que pode decidir os rumos das investigações é a intenção de Cheney de jogar Bush na fogueira das responsabilidades para tentar livrar-se da imagem real do seu papel fundamental na montagem do sistema de ilegalidades. Cheney já externou críticas e acusações veladas a Bush, formalmente seu chefe durante os oito anos do regime, em parte como revanche pela sua recusa em contemplá-lo com perdão ao fim do seu governo. A notícia é boa: quanto mais eles se choquem, mais realidades ocultas poderão vir à tona. E mais BHObama será empurrado além da sua vontade na direção da apuração de responsabilidades.
Esse desfecho será justo, caso chegue, não só aos altos escalões do governo, mas também aos altos postos da própria CIA e, em menor escala, de outras das 15 agências de inteligência existentes. Algumas dezenas de analistas como McGovern, reunidos em associação de veteranos agentes que lutam pela restauração da dignidade e dos objetivos originais da agência (http://schema-root.org/people/political/think_tank/veteran_intelligence_professionals_for_sanity/, apontam amplo desvirtuamento do papel da CIA sob o regime Cheney-Bush, com a conivência de antigos diretores como George Tenet. A falsificação dos argumentos que permitiram a monstruosidade da guerra contra o Iraque, por exemplo, recebeu apoio e reforço em relatórios e informes da agência.
Como pode ver o leitor, o relatório traz centenas de parágrafos e trechos completamente cobertos. McGovern glosa a situação ao lembrar que o “lado escuro” a que Cheney aludiu está presente ali sob a tinta preta, subjacente ao gesto de censura.
Para McGovern, não é difícil preencher as lacunas com os dados e fatos agora de conhecimento público. Cita as quatro páginas (111 a 114) das Recomendações obliteradas.
Mas não é um exercício agradável.
Clique (http://www.democracynow.org/2004/6/3/online_exclusive_27_year_cia_vet) e acompanhe uma conversa de Ray McGovern com Amy Goodman e Jeremy Scahill sobre CIA e dignidade.
Fonte: http://www.novae.inf.br/
O The New York Times, um dos jornalões dos EUA que se contorce para apoiar, com aparente ‘independência’, o novo complexo que determina os objetivos estratégicos do país e congrega as forças armadas, bancos e interesses de armamento e energia (o antigo “complexo industrial-militar” denunciado por Eisenhower nos anos 1950), titulou matéria dia 24 de agosto de 2009 na seção Política: “EUA afirmam que seqüestros vão continuar, mas com mais supervisão”.
A palavra ‘seqüestros’ traduz imperfeitamente o original ‘rendition’ (capitulação, rendição), que se explica assim: agentes do governo, CIA, militares euamericanos etc. prendem, sem mandato ou autorização, em qualquer país, sem conhecimento do governo local, um “suspeito”, sem culpa formada ou acusação existente, e o entregam, após embarcá-lo em vôos secretos patrocinados pela CIA (a maioria operada pela Jeppesen, empresa subsidiária do maior fabricante de armamento, a Boeing), a qualquer governo de países ‘aliados’, para prisão e interrogatório e, muitas vezes, morte, em geral sob tortura.
As ‘renditions’ são ilegais na ótica das leis de qualquer país em que ocorram, pois implicam a presença de agentes estrangeiros no território que operam sem autorização dos governos em ações secretas que violam a soberania do país. São ilegais também na ótica das leis internacionais, já que atingem cidadãos sem acusação nem culpa formada, caracterizados como “suspeitos”, numa inversão dos mais consagrados cânones do direito internacional contemporâneo. A matéria do NYT abre com a pérola:
“A administração Obama vai manter a prática da administração Bush de enviar suspeitos de terrorismo para outros países para detenção e interrogatório, mas garante monitorar de perto o seu tratamento para certificar-se de que não são torturados, afirmaram autoridades da administração [...]”.
A linguagem tenta amaciar a questão, ao chamar a ilegalidade de ‘prática’, mas não consegue esconder a realidade: a administração BHObama dá continuidade a uma das mais aberrantes disposições fascistas do regime Cheney-Bush. Note-se o reconhecimento da inocência dos infelizes enviados aos centros de tortura, em geral de seus países de origem: são nomeados como “suspeitos”, ou seja, reconhece-se que não existe nem acusação nem culpa formada.
A revelação faz paralelo com o propalado “fechamento” do centro de torturas de Guantánamo, até hoje em funcionamento, apesar das ‘promessas e esforços’ do presidente. O marketing do governo martela a conquista democrática de fechar um dos mais abjetos centros prisionais de tortura do mundo, mas não toca no assunto espinhoso das outras dezenas de centros em funcionamento pelo mundo afora e em navios da frota e bases militares.
O jornalão registra, corretamente, a oposição ao ilícito no parágrafo seguinte: “Advogados de direitos humanos condenam a decisão, alegando que a continuidade da prática, conhecida como ‘rendition’, iria mesmo estimular a transferência de prisioneiros para países com tradição de tortura. Eles afirmaram que as promessas de tratamento humano por outros países, chamadas ‘garantias diplomáticas’, não garantiam proteção contra abusos”.
A manifestação de oposição parte de Amrit Singh, advogado da União Euamericana pelas Liberdades Civis, a conhecida e valorosa Aclu, que seguiu casos de ‘rendition’ no regime Cheney-Bush. Singh declara-se desapontado com o fato de BHObama prosseguir na tradição do regime anterior de basear-se em garantias diplomáticas que não evitam a tortura.
O NYT cogita que o anúncio da manutenção da ‘rendition’, partido de um inacreditável grupo organizado pelo atual governo nomeado ‘Interrogation and Transfer Policy Task Force’, tem por objetivo reduzir o impacto da recente revelação, pelo Departamento de Justiça, de um relatório de 2004 do então inspetor geral da CIA (http://www.gwu.edu/~nsarchiv/torture_archive/20040507.pdf) com detalhes de “técnicas brutais” usadas pela agência contra “prisioneiros terroristas”. O relatório só agora foi liberado para circulação, com os cortes e a censura de praxe, como se pode ver no original.
A questão se assemelha em tudo à polêmica em torno do grupo que orquestrava comandos assassinos, organizado fora do aparelho de governo pelo ex-presidente Cheney e coordenado pelo atual comandante das tropas aliadas no Afeganistão, general Stanley McChrystal (ver ‘BHObama e operações especiais’, nesta coluna). Imobilizado por suas próprias contradições, o governo BHObama até agora foi incapaz de definir uma linha de ação conseqüente. Compreende-se: qualquer movimento na direção de audiências, inquéritos etc. incriminará em primeiro plano o ex-vice-presidente e o general, e também o ex-presidente.
O Congresso chiou porque durante sete anos foi-lhe omitido o funcionamento dos comandos assassinos. A Aclu chia porque BHObama baseia-se em garantias falsas para prosseguir a ilegalidade inaugurada pelos fascistas do antigo regime. Em ambos os casos, permanece o pressuposto básico intocável: o governo tem direito de assassinar inimigos e “suspeitos” em qualquer país. Parte expressiva da sociedade parece estar tão mergulhada no clima de infindáveis guerras e omnipresente violência que já abandonou a prerrogativa de questionar a política de guerra permanente dos sucessivos governos.
Mas BHObama já desautorizou os que clamam por medidas que levem os criminosos de guerra ao banco dos réus, mesmo porque a cada dia mais se aproxima do perfil do seu antecessor, com acréscimo do crime de omissão. É cristalino que tanto os mandantes, desde Bush e Cheney, até o secretário de Justiça e seus funcionários e agências que emitiram autorizações para tortura cometeram violações de leis internacionais e nacionais (United States Code, Título 18, Parte I, Capítulo 118, Parágrafo 2441 – Crimes de Guerra).
A declaração do presidente, ao alegar que ‘não irá punir aqueles que torturaram acobertados por leis e decretos’ do regime Cheney-Bush, escancara sua conivência com os criminosos de todos os escalões. Muitos militares alemães de alta patente foram enforcados após o Tribunal de Nuremberg, pós-Segunda Guerra, porque não foram aceitas as alegações de que estariam cumprindo ordens ao torturar e assassinar milhões de judeus, comunistas, homossexuais e ciganos, entre suas outras principais vítimas.
O que BHObama omite com essa declaração é que os decretos e leis do regime Cheney-Bush relativos à aprovação de tortura de prisioneiros também são ilegais, violam dispositivos de tratados e convenções internacionais, e transformam seus autores e prepostos em criminosos de guerra. Sem contar que a dupla Cheney-Bush e seu comparsa Tony Blair são inculpados pelo mais destacado e consagrado dos crimes de guerra: a agressão armada a um país sem motivo além da rapina. Razão suficiente para que tomem assento no banco dos réus do Tribunal Penal Internacional.
Cinco dias após a destruição por implosão das torres gêmeas e da terceira, em 2001, Cheney declarou em entrevista ao repórter Tim Russert que agora se passaria “a trabalhar em algo como o lado escuro”, “a dispender o tempo nas sombras do mundo de inteligência”; “muito do que se precisa fazer será feito quietamente, sem qualquer discussão, usando recursos e métodos disponíveis para nossas agência de inteligência, se quisermos ser bem-sucedidos”. “Este é o mundo em que esses ‘folks’ operam, e assim vai ser vital para nós usar quaisquer dos meios a nossa disposição, basicamente, para conseguir nosso objetivo”. Cheney falou claro, já antevendo os horrores descritos a ferro quente no relatório do inspetor geral da CIA.
Esperanças depositam-se no secretário de Justiça, Eric Holder, que tem dado passos que podem terminar por ir na direção da responsabilização dos autores maiores das violações, caso não seja parado antes por BHObama. A liberação ao público pelo secretário do relatório de 2004 reforça as posições dos que, dentro e fora do governo, pretendem que se tome esse rumo.
No artigo http://www.consortiumnews.com/2009/082609a.html, de 26 de agosto, o analista Ray McGovern, 27 anos de CIA, considera positivo o alargamento, pelo secretário de Justiça, do mandato do promotor John Durham para investigar violações, por agentes da CIA e contratados, das leis sobre tortura e outros dispositivos. Durham investigou durante um ano o desaparecimento de centenas de vídeos que documentaram sessões de tortura, o que se deu não muito após o conhecimento da existência do relatório do inspetor geral. O NYT aponta o desagrado de entidades que lutam pelos direitos civis em face das declarações do então candidato a presidente, desmentidas pelas suas políticas em curto prazo, o que, entre outros fatores, explica a queda livre dos seus índices de popularidade. Em artigo na revista Foreign Affairs, porta-voz de think-tank arquiconservador que tem hoje decisiva influência no governo, o candidato afirmava:
“To build a better, freer world, we must first behave in ways that reflect the decency and aspirations of the American people. This means ending the practices of shipping away prisoners in the dead of night to be tortured in far-off countries, of detaining thousands without charge or trial, of maintaining a network of secret prisons to jail people beyond the reach of the law.”
Palavras de candidato: encerrar as ‘renditions’ e a entrega de prisioneiros para tortura em variados países, encerrar as detenções sem acusação ou julgamento, fechar a rede de prisões secretas orquestrada pela CIA e contratados. As ‘renditions’ continuam, agora sob controle de grupo formado pelo presidente e suas inócuas “garantias diplomáticas”. As detenções sem acusação ou julgamento acham-se previstas, acima de leis nacionais e internacionais, na fascista Patriot Act de 2001, que jogou a maior parte das liberdades civis no limbo.
A Patriot Act continua na sombra, o governo nem sequer se refere a ela, e a imensa rede interna de controle, Homeland Security, forte e organizada, com campos sociais determinantes na mão, verba de mais de meia centena de bilhões. Os cerca de 600 “campos de detenção provisória” erguidos durante o regime Cheney-Bush acham-se em stand by, prontos para operar. A rede de prisões secretas mundo afora perpetua-se, com alterações recentes em razão de denúncias e rápida desativação de prisões em países da impoluta e severa Europa, a mãe de todos os vícios. Na campanha, BHObama falou palavras. Palavras valem pelo que vale aquele que as pronuncia.
Um fator que pode decidir os rumos das investigações é a intenção de Cheney de jogar Bush na fogueira das responsabilidades para tentar livrar-se da imagem real do seu papel fundamental na montagem do sistema de ilegalidades. Cheney já externou críticas e acusações veladas a Bush, formalmente seu chefe durante os oito anos do regime, em parte como revanche pela sua recusa em contemplá-lo com perdão ao fim do seu governo. A notícia é boa: quanto mais eles se choquem, mais realidades ocultas poderão vir à tona. E mais BHObama será empurrado além da sua vontade na direção da apuração de responsabilidades.
Esse desfecho será justo, caso chegue, não só aos altos escalões do governo, mas também aos altos postos da própria CIA e, em menor escala, de outras das 15 agências de inteligência existentes. Algumas dezenas de analistas como McGovern, reunidos em associação de veteranos agentes que lutam pela restauração da dignidade e dos objetivos originais da agência (http://schema-root.org/people/political/think_tank/veteran_intelligence_professionals_for_sanity/, apontam amplo desvirtuamento do papel da CIA sob o regime Cheney-Bush, com a conivência de antigos diretores como George Tenet. A falsificação dos argumentos que permitiram a monstruosidade da guerra contra o Iraque, por exemplo, recebeu apoio e reforço em relatórios e informes da agência.
Como pode ver o leitor, o relatório traz centenas de parágrafos e trechos completamente cobertos. McGovern glosa a situação ao lembrar que o “lado escuro” a que Cheney aludiu está presente ali sob a tinta preta, subjacente ao gesto de censura.
Para McGovern, não é difícil preencher as lacunas com os dados e fatos agora de conhecimento público. Cita as quatro páginas (111 a 114) das Recomendações obliteradas.
Mas não é um exercício agradável.
Clique (http://www.democracynow.org/2004/6/3/online_exclusive_27_year_cia_vet) e acompanhe uma conversa de Ray McGovern com Amy Goodman e Jeremy Scahill sobre CIA e dignidade.
Fonte: http://www.novae.inf.br/
"Bases dos EUA na Colômbia ofendem dignidade e inteligência" Eduardo Galeano
"Bases dos EUA na Colômbia ofendem dignidade e inteligência"
Em entrevista concedida no Equador, Eduardo Galeano fala sobre o significado do projeto de instalação de bases militares norte-americanas na Colômbia e sobre o atual momento da América Latina. Ao mesmo tempo em que região vive um tempo aberto de esperança, diz o escritor uruguaio, a independência ainda é um projeto inacabado. "Há uma espécie de renascimento que é digno de celebração em países que não chegaram ainda a ser independentes, apenas começaram um pouquinho a sê-lo. A independência é uma tarefa pendente para quase toda a América Latina", afirma.
Fernando Arellano Ortiz - Cronicón
Data: 29/08/2009
“A presença norteamericana em bases militares da Colômbia não só ofende a dignidade da América Latina, mas também a inteligência”. A afirmação é do escritor uruguaio Eduardo Galeano, em entrevista concedida em Quito a Fernando Arellano Ortiz, de Cronicón (Observatório Latinoamericano). Para Galeano, América Latina vive um tempo aberto de esperança, mas adverte que a independência da região ainda é uma tarefa inacabada.
Depois de 200 anos da emancipação da América Latina, pode-se falar de uma reconfiguração do sujeito político nesta região, levando em conta os avanços políticos que se traduzem em governos progressistas e de esquerda em vários países latinoamericanos?
Galeano: Sim, há um tempo aberto de esperança, uma espécie de renascimento que é digno de celebração em países que não chegaram ainda a ser independentes, apenas começaram um pouquinho a sê-lo. A independência é uma tarefa pendente para quase toda a América Latina
Com toda a irrupção social que se vem dando ao longo do hemisfério, se pode dizer que há uma acentuação da identidade cultural da América Latina?
Galeano: Sim, eu acho que sim e isto passa certamente pelas reformas constitucionais. Ofendeu a minha inteligência, além de outras coisas que senti, o horror deste golpe de Estado em Honduras que invocou como causa o pecado cometido por um Presidente que quis consultar o povo sobre a possibilidade de reformar a Constituição, porque o que queria Zelaya era consultar sobre a consulta, nem sequer era uma reforma direta. Supondo que fosse uma reforma da Constituição, que seja bem vinda, porque as constituições não são eternas e para que os países possam realizar-se plenamente têm que reformá-las.
Eu me pergunto: o que seria dos EUA se seus habitantes continuassem obedecendo à sua primeira Constituição? A primeira Constituição dos EUA estabelecia que um negro equivalia às três quintas parte de uma pessoa. Obama não poderia ser Presidente porque nenhum país pode ter como mandatário as três quintas partes de uma pessoa.
Você reivindica a figura do presidente Barack Obama por sua condição racial, mas o fato de manter ou ampliar a presença norteamericana mediante bases militares na América Latina, como está acontecendo agora na Colômbia com a instalação de sete plataformas de controle e espionagem, não desdiz das verdadeiras intenções desse mandatário do Partido Democrata, e simplesmente segue ao pé da letra os planos expansionistas e de ameaça de uma potência hegemônica como os EUA?
Galeano: O que acontece é que Obama não definiu muito bem o que quer fazer nem em relação à America Latina, as relações nossas, tradicionalmente duvidosas, nem tampouco em outros temas. Em alguns espaços há uma vontade de mudança expressa, por exemplo, no que tem a ver com o sistema de saúde que é escandaloso nos EUA, se você quebra a perna, tem que pagar até o fim dos teus dias a dívida com esse acidente.
Mas em outros espaços não, ele continua falando de “nossa liderança”, “nosso estilo de vida” em uma linguagem excessivamente parecida com as dos anteriores. Me parece muito positivo que um país tão racista como esse e com episódios de um racismo colossal, descomunal, escandaloso, ocorridos há quinze minutos em termos históricos tenha um presidente seminegro. Em 1942 ou seja médio século, nada, o Pentágono proibiu as transfusões de sangue negro e aí o diretor da Cruz Vermelha renunciou ou foi renunciado porque se negou a aceitar a ordem dizendo que todo sangue é vermelho e que era um disparate falar de sangue negro, e ele, Charles Drew, era negro e um grande cientista, o que fez possível a aplicação do plasma em escala universal. Então um país que fizesse um disparate como proibir o sangue negro ter agora Obama como presidente é um grande avanço. Mas por outro lado, até agora eu não vejo uma mudança substancial. Aí está, por exemplo, o modo como seu governo enfrentou a crise financeira. Pobrezinho, eu não gostaria de estar na sua pele, mas a verdade é que acabaram recompensando os especuladores, os piratas de Wall Street que são muitíssimo mais perigosos que os da Somália porque estes assaltam apenas aos naviozinhos na costa, mas os da Bolsa de Nova York assaltam todo o mundo. Eles foram finalmente recompensados; eu gostaria de começar uma campanha em princípio comovido pela crise dos banqueiros com o lema: “adote um banqueiro”, mas desisti porque vi que o Estado assumiu essa responsabilidade. E da mesma forma com a América Latina, que parece não ter muito claro o que fazer.
Os EUA estiveram mais de um século dedicados à fabricação de ditaduras militares na America Latina. Então, na hora de defender uma democracia como no caso de Honduras, diante de um claríssimo golpe de Estado, vacilam, tem respostas ambíguas, não sabem o que fazer, porque não tem prática, lhes falta experiência, há mais de um século trabalham no sentido oposto, então compreendo que a tarefa não é fácil. No caso das bases militares na Colômbia, não só ofende a dignidade coletiva da América Latina, mas também a inteligência de cada um de nós, porque que se diga que sua função vai ser combater as drogas, por favor, até quando! Quase toda a heroína que se consome no mundo provem do Afeganistão, quase toda, dados oficiais das Nações Unidas que todo mundo pode ver na internet. E o Afeganistão é um país ocupado pelos EUA e como se sabe os países ocupantes tem a responsabilidade do que acontece nos países ocupados, portanto tem algo que ver com este narcotráfico em escala universal e são dignos herdeiros da rainha Vitória que era narcotraficante.
Não se pode ser tão hipócrita
A rainha britânica que introduziu por todos os meios no século XIX o ópio na China através de comerciantes da Inglaterra e dos EUA
Galeano: Si, a celebérrima rainha Vitória da Inglaterra impôs na China ao longo de duas guerras de trinta anos, matando uma quantidade imensa de chineses, porque o império chinês se negava a aceitar essa substância dentro de suas fronteiras que estava proibida. E o ópio é o pai da heroína e da morfina, justamente. Então aos chineses lhes custou muito, porque a China era uma grande potência que podia ter competido com a Inglaterra no começo da revolução industrial, era a oficina do mundo, e a guerra do ópio os arrasou, os converteu em uma piltrafa, aí entraram os japoneses como anel ao dedo, em quinze minutos. Vitória era uma rainha traficante e os EUA, que tanto usam a droga como pretexto para justificar suas invasões militares, porque disso se trata, são dignos herdeiros desta feia tradição. Me parece que já é hora que acordemos um pouquinho, porque não se pode ser tão hipócrita. Se vão ser hipócritas que o sejam com mais cautela. Na América Latina temos bons professores de hipocrisia, se querem podemos em um convênio de ajuda tecnológica mútua emprestar-lhes alguns hipócritas nossos.
Há exatamente nove anos, você disse em uma entrevista concedida em Bogotá a mim a seguinte frase: “Deus livre a Colômbia do Plano Colômbia”. Qual é agora sua reflexão em relação a esse país andino que enfrenta um governo autoritário entregue aos interesses dos EUA, com uma alarmante situação de violação de direitos humanos e com um conflito interno que segue sangrando-o?
Galeano: Além disso, com problemas gravíssimos que se foram agudizando com a passagem do tempo. Eu não sei, te digo, quem sou eu para dar conselhos à Colômbia nem aos colombianos, além disso sempre estive contra esse costume ruim de algumas pessoas que se sentem em condições de dizer o que cada país tem que fazer. Eu nunca cometi esse pecado imperdoável e não vou cometê-lo agora com a Colômbia, só posso dizer que tomara que os colombianos encontrem seu caminho, tomara que o encontrem, ninguém pode impor-lhes de fora, nem pela esquerda, nem pela direita, nem pelo centro, nem por nada, serão os colombianos que devem encontrá-lo. O que eu posso dizer é que eu testemunho as coisas.
Se há um tribunal mundial que alguma vez chegue a julgar a Colômbia pelo que se diz da Colômbia: país violento, narcotraficante, condenado à violência perpétua, eu vou dar testemunho de que não, de que esse é um país carinhoso, alegre e que merece um destino melhor.
Reivindicando a memória de Raúl Sendic
Há muitos anos, talvez umas quatro décadas, havia um personagem em Montevidéu que se reunia com um jovem desenhista chamado Eduardo Hughes Galeano com o propósito de lhe dar idéias para a elaboração de suas caricaturas, chamado Raúl Sendic, o inspirador da Frente Ampla do Uruguai.
Galeano: E o dirigente guerrilheiro dos Tupamaros, mesmo se naquele momento ainda não o era. É verdade, quando eu era criança, quase catorze anos, e comecei a desenhar caricaturas, ele se sentava a olhar e me dava idéias, era um homem bastante mais velho que eu, com certa experiência, e ainda não era o que foi depois: o fundador, organizador e dirigente dos Tupamaros. Me lembro o que disse a Emilio Frugoni que naquela época era dirigente do Partido Socialista e diretor do semanário em que eu publicava umas caricaturas precoces, assinalando para mim: “Este vai ser ou presidente ou grande delinqüente”. Foi uma boa profecia e terminei sendo grande delinqüente.
O fato de que hoje a Frente Ampla está governando o Uruguai e que um ex-guerrilheiro como Pepe Mujica tenha possibilidade de ganhar as eleições constitui uma reivinidicação à memória de Sendic?
Galeano: Sim e de todos os que participaram em uma luta longa para romper o monopólio de dois, exercido pelo Partido Colorado e pelo Partido Nacional durante quase toda a vida independente do país. A Frente Ampla surge há pouco tempo no cenário político nacional e me parece muito positivo que esteja governando agora, aparte de que eu não coincida com tudo o que se faz e além disso creio que não se faz tudo o que se deveria fazer. Mas isso não tem nada que ver porque finalmente a vitória da Frente Ampla foi também uma vitória da diversidade política que eu creio que é a base da democracia. Na Frente coexistem muitos partidos e movimentos diferentes, unidos claro em uma causa comum, mas com suas diversidades e diferenças, e eu as reivndico, para mim isso é fundamental.
O que representa para você como uruguaio o fato de que um dirigente emblemático da esquerda como Pepe Mujica, ex-guerrilheiro tupamaro, tenha amplas possibilidades de chegar à Presidência da República?
Galeano: Com alguma sorte, não vai ser fácil, vamos ver o que acontece, mas eu acho que é um processo de recuperação, as pessoas se reconhecem justamente no Pepe Mujica porque ele é radicalmente diferente dos nossos políticos tradicionais, na sua linguagem, até no seu aspecto e tudo o mais, por mais que ele tratou de se vestir como cavalheiro fino, não cai bem nele, e expressa muito bem uma necessidade e uma vontade popular de mudança. Acho que seria bom que ele chegasse à Preisdência, vamos ver se isso acontece ou não. De qualquer maneira, o drama do Uruguai como o do Equador, certamente, país em que estamos conversando neste momento, é a hemorragia de sua população jovem. Ou seja, a nossa é uma pátria peregrina; no seu discurso de posse o presidente Rafael Correa falou dos exilados da pobreza e a verdade é que há uma enorme quantidade de uruguaios muito mais do que se diz, porque não são oficiais as cifras, mas não menos de 700 ou 800 mil uruguaios em uma população pequeniníssima, porque nós no Uruguai somos 3 milhões e meio, essa é uma quantidade imensa de gente fora, todos ou quase todos jovens, então ficaram os velhos ou as pessoas que já cumpriram essa etapa da vida em que a gente quer que tudo mude para se resignar a que não mude nada ou que mude muito pouco.
Tijolos coloridos para armar mosaicos
Depois de seus reputados livros “As veias abertas da América Latina”, publicado em 1970, e “Espelhos”, editado em 2008, que relatam histórias da infâmia, o primeiro sobre nosso continente e o outro de boa parte do mundo, há espaço para continuar acreditando na utopia?
Galeano: O que faz “Espelhos” é recuperar a história universal em todas suas dimensões, em seus horrores, mas também em suas festas, é muito diferente de “As veias abertas da América Latina”, que foi o começo de um caminho. “As veias abertas” é quase um ensaio de economia político, escrito em uma linguagem não muito tradicional no gênero, por isso perdeu o concurso da Casa das Américas, porque o jurado não o considerou um livro sério. Era uma época em que a esquerda só acreditava que o sério era o chato, e como o livro não era chato, não era sério, mas é um livro muito concentrado na história política econômica e nas barbaridades que essa história implicou para nós, como nos deformou e nos estrangulou. Em compensação, “Espelhos” tenta abordar o mundo inteiro recolhendo tudo, as noites e os dias, as luzes e as sombras, são todas histórias muito curtinhas, e há também uma diferença de estilo. “As veias abertas” tem uma estrutura tradicional, e a partir daí eu tentei encontrar uma linguagem própria minha, que é a do relato curto, tijolos coloridos para armar os grandes mosaicos, um estilo como o dos muralistas, e cada relato é um pequeno tijolo que incorpora uma cor, e um dos últimos relatos de “Espelhos” evoca uma recordação da minha infância que é verdadeiro; é que quando eu era pequenininho acreditava que tudo o que se perdia na Terra ia parar na Lua, estava convencido disso e me suprendeu quando chegaram os astronautas à Lua porque não encontraram nem promessas traídas, nem ilusões perdidas, nem esperanças rompidas, e então eu me perguntei: se não estão na Lua, onde estão? Será que não estão aqui na terra, esperando-nos?
Tradução: Emir Sader
Fonte: www.cartamaior.com.br
Em entrevista concedida no Equador, Eduardo Galeano fala sobre o significado do projeto de instalação de bases militares norte-americanas na Colômbia e sobre o atual momento da América Latina. Ao mesmo tempo em que região vive um tempo aberto de esperança, diz o escritor uruguaio, a independência ainda é um projeto inacabado. "Há uma espécie de renascimento que é digno de celebração em países que não chegaram ainda a ser independentes, apenas começaram um pouquinho a sê-lo. A independência é uma tarefa pendente para quase toda a América Latina", afirma.
Fernando Arellano Ortiz - Cronicón
Data: 29/08/2009
“A presença norteamericana em bases militares da Colômbia não só ofende a dignidade da América Latina, mas também a inteligência”. A afirmação é do escritor uruguaio Eduardo Galeano, em entrevista concedida em Quito a Fernando Arellano Ortiz, de Cronicón (Observatório Latinoamericano). Para Galeano, América Latina vive um tempo aberto de esperança, mas adverte que a independência da região ainda é uma tarefa inacabada.
Depois de 200 anos da emancipação da América Latina, pode-se falar de uma reconfiguração do sujeito político nesta região, levando em conta os avanços políticos que se traduzem em governos progressistas e de esquerda em vários países latinoamericanos?
Galeano: Sim, há um tempo aberto de esperança, uma espécie de renascimento que é digno de celebração em países que não chegaram ainda a ser independentes, apenas começaram um pouquinho a sê-lo. A independência é uma tarefa pendente para quase toda a América Latina
Com toda a irrupção social que se vem dando ao longo do hemisfério, se pode dizer que há uma acentuação da identidade cultural da América Latina?
Galeano: Sim, eu acho que sim e isto passa certamente pelas reformas constitucionais. Ofendeu a minha inteligência, além de outras coisas que senti, o horror deste golpe de Estado em Honduras que invocou como causa o pecado cometido por um Presidente que quis consultar o povo sobre a possibilidade de reformar a Constituição, porque o que queria Zelaya era consultar sobre a consulta, nem sequer era uma reforma direta. Supondo que fosse uma reforma da Constituição, que seja bem vinda, porque as constituições não são eternas e para que os países possam realizar-se plenamente têm que reformá-las.
Eu me pergunto: o que seria dos EUA se seus habitantes continuassem obedecendo à sua primeira Constituição? A primeira Constituição dos EUA estabelecia que um negro equivalia às três quintas parte de uma pessoa. Obama não poderia ser Presidente porque nenhum país pode ter como mandatário as três quintas partes de uma pessoa.
Você reivindica a figura do presidente Barack Obama por sua condição racial, mas o fato de manter ou ampliar a presença norteamericana mediante bases militares na América Latina, como está acontecendo agora na Colômbia com a instalação de sete plataformas de controle e espionagem, não desdiz das verdadeiras intenções desse mandatário do Partido Democrata, e simplesmente segue ao pé da letra os planos expansionistas e de ameaça de uma potência hegemônica como os EUA?
Galeano: O que acontece é que Obama não definiu muito bem o que quer fazer nem em relação à America Latina, as relações nossas, tradicionalmente duvidosas, nem tampouco em outros temas. Em alguns espaços há uma vontade de mudança expressa, por exemplo, no que tem a ver com o sistema de saúde que é escandaloso nos EUA, se você quebra a perna, tem que pagar até o fim dos teus dias a dívida com esse acidente.
Mas em outros espaços não, ele continua falando de “nossa liderança”, “nosso estilo de vida” em uma linguagem excessivamente parecida com as dos anteriores. Me parece muito positivo que um país tão racista como esse e com episódios de um racismo colossal, descomunal, escandaloso, ocorridos há quinze minutos em termos históricos tenha um presidente seminegro. Em 1942 ou seja médio século, nada, o Pentágono proibiu as transfusões de sangue negro e aí o diretor da Cruz Vermelha renunciou ou foi renunciado porque se negou a aceitar a ordem dizendo que todo sangue é vermelho e que era um disparate falar de sangue negro, e ele, Charles Drew, era negro e um grande cientista, o que fez possível a aplicação do plasma em escala universal. Então um país que fizesse um disparate como proibir o sangue negro ter agora Obama como presidente é um grande avanço. Mas por outro lado, até agora eu não vejo uma mudança substancial. Aí está, por exemplo, o modo como seu governo enfrentou a crise financeira. Pobrezinho, eu não gostaria de estar na sua pele, mas a verdade é que acabaram recompensando os especuladores, os piratas de Wall Street que são muitíssimo mais perigosos que os da Somália porque estes assaltam apenas aos naviozinhos na costa, mas os da Bolsa de Nova York assaltam todo o mundo. Eles foram finalmente recompensados; eu gostaria de começar uma campanha em princípio comovido pela crise dos banqueiros com o lema: “adote um banqueiro”, mas desisti porque vi que o Estado assumiu essa responsabilidade. E da mesma forma com a América Latina, que parece não ter muito claro o que fazer.
Os EUA estiveram mais de um século dedicados à fabricação de ditaduras militares na America Latina. Então, na hora de defender uma democracia como no caso de Honduras, diante de um claríssimo golpe de Estado, vacilam, tem respostas ambíguas, não sabem o que fazer, porque não tem prática, lhes falta experiência, há mais de um século trabalham no sentido oposto, então compreendo que a tarefa não é fácil. No caso das bases militares na Colômbia, não só ofende a dignidade coletiva da América Latina, mas também a inteligência de cada um de nós, porque que se diga que sua função vai ser combater as drogas, por favor, até quando! Quase toda a heroína que se consome no mundo provem do Afeganistão, quase toda, dados oficiais das Nações Unidas que todo mundo pode ver na internet. E o Afeganistão é um país ocupado pelos EUA e como se sabe os países ocupantes tem a responsabilidade do que acontece nos países ocupados, portanto tem algo que ver com este narcotráfico em escala universal e são dignos herdeiros da rainha Vitória que era narcotraficante.
Não se pode ser tão hipócrita
A rainha britânica que introduziu por todos os meios no século XIX o ópio na China através de comerciantes da Inglaterra e dos EUA
Galeano: Si, a celebérrima rainha Vitória da Inglaterra impôs na China ao longo de duas guerras de trinta anos, matando uma quantidade imensa de chineses, porque o império chinês se negava a aceitar essa substância dentro de suas fronteiras que estava proibida. E o ópio é o pai da heroína e da morfina, justamente. Então aos chineses lhes custou muito, porque a China era uma grande potência que podia ter competido com a Inglaterra no começo da revolução industrial, era a oficina do mundo, e a guerra do ópio os arrasou, os converteu em uma piltrafa, aí entraram os japoneses como anel ao dedo, em quinze minutos. Vitória era uma rainha traficante e os EUA, que tanto usam a droga como pretexto para justificar suas invasões militares, porque disso se trata, são dignos herdeiros desta feia tradição. Me parece que já é hora que acordemos um pouquinho, porque não se pode ser tão hipócrita. Se vão ser hipócritas que o sejam com mais cautela. Na América Latina temos bons professores de hipocrisia, se querem podemos em um convênio de ajuda tecnológica mútua emprestar-lhes alguns hipócritas nossos.
Há exatamente nove anos, você disse em uma entrevista concedida em Bogotá a mim a seguinte frase: “Deus livre a Colômbia do Plano Colômbia”. Qual é agora sua reflexão em relação a esse país andino que enfrenta um governo autoritário entregue aos interesses dos EUA, com uma alarmante situação de violação de direitos humanos e com um conflito interno que segue sangrando-o?
Galeano: Além disso, com problemas gravíssimos que se foram agudizando com a passagem do tempo. Eu não sei, te digo, quem sou eu para dar conselhos à Colômbia nem aos colombianos, além disso sempre estive contra esse costume ruim de algumas pessoas que se sentem em condições de dizer o que cada país tem que fazer. Eu nunca cometi esse pecado imperdoável e não vou cometê-lo agora com a Colômbia, só posso dizer que tomara que os colombianos encontrem seu caminho, tomara que o encontrem, ninguém pode impor-lhes de fora, nem pela esquerda, nem pela direita, nem pelo centro, nem por nada, serão os colombianos que devem encontrá-lo. O que eu posso dizer é que eu testemunho as coisas.
Se há um tribunal mundial que alguma vez chegue a julgar a Colômbia pelo que se diz da Colômbia: país violento, narcotraficante, condenado à violência perpétua, eu vou dar testemunho de que não, de que esse é um país carinhoso, alegre e que merece um destino melhor.
Reivindicando a memória de Raúl Sendic
Há muitos anos, talvez umas quatro décadas, havia um personagem em Montevidéu que se reunia com um jovem desenhista chamado Eduardo Hughes Galeano com o propósito de lhe dar idéias para a elaboração de suas caricaturas, chamado Raúl Sendic, o inspirador da Frente Ampla do Uruguai.
Galeano: E o dirigente guerrilheiro dos Tupamaros, mesmo se naquele momento ainda não o era. É verdade, quando eu era criança, quase catorze anos, e comecei a desenhar caricaturas, ele se sentava a olhar e me dava idéias, era um homem bastante mais velho que eu, com certa experiência, e ainda não era o que foi depois: o fundador, organizador e dirigente dos Tupamaros. Me lembro o que disse a Emilio Frugoni que naquela época era dirigente do Partido Socialista e diretor do semanário em que eu publicava umas caricaturas precoces, assinalando para mim: “Este vai ser ou presidente ou grande delinqüente”. Foi uma boa profecia e terminei sendo grande delinqüente.
O fato de que hoje a Frente Ampla está governando o Uruguai e que um ex-guerrilheiro como Pepe Mujica tenha possibilidade de ganhar as eleições constitui uma reivinidicação à memória de Sendic?
Galeano: Sim e de todos os que participaram em uma luta longa para romper o monopólio de dois, exercido pelo Partido Colorado e pelo Partido Nacional durante quase toda a vida independente do país. A Frente Ampla surge há pouco tempo no cenário político nacional e me parece muito positivo que esteja governando agora, aparte de que eu não coincida com tudo o que se faz e além disso creio que não se faz tudo o que se deveria fazer. Mas isso não tem nada que ver porque finalmente a vitória da Frente Ampla foi também uma vitória da diversidade política que eu creio que é a base da democracia. Na Frente coexistem muitos partidos e movimentos diferentes, unidos claro em uma causa comum, mas com suas diversidades e diferenças, e eu as reivndico, para mim isso é fundamental.
O que representa para você como uruguaio o fato de que um dirigente emblemático da esquerda como Pepe Mujica, ex-guerrilheiro tupamaro, tenha amplas possibilidades de chegar à Presidência da República?
Galeano: Com alguma sorte, não vai ser fácil, vamos ver o que acontece, mas eu acho que é um processo de recuperação, as pessoas se reconhecem justamente no Pepe Mujica porque ele é radicalmente diferente dos nossos políticos tradicionais, na sua linguagem, até no seu aspecto e tudo o mais, por mais que ele tratou de se vestir como cavalheiro fino, não cai bem nele, e expressa muito bem uma necessidade e uma vontade popular de mudança. Acho que seria bom que ele chegasse à Preisdência, vamos ver se isso acontece ou não. De qualquer maneira, o drama do Uruguai como o do Equador, certamente, país em que estamos conversando neste momento, é a hemorragia de sua população jovem. Ou seja, a nossa é uma pátria peregrina; no seu discurso de posse o presidente Rafael Correa falou dos exilados da pobreza e a verdade é que há uma enorme quantidade de uruguaios muito mais do que se diz, porque não são oficiais as cifras, mas não menos de 700 ou 800 mil uruguaios em uma população pequeniníssima, porque nós no Uruguai somos 3 milhões e meio, essa é uma quantidade imensa de gente fora, todos ou quase todos jovens, então ficaram os velhos ou as pessoas que já cumpriram essa etapa da vida em que a gente quer que tudo mude para se resignar a que não mude nada ou que mude muito pouco.
Tijolos coloridos para armar mosaicos
Depois de seus reputados livros “As veias abertas da América Latina”, publicado em 1970, e “Espelhos”, editado em 2008, que relatam histórias da infâmia, o primeiro sobre nosso continente e o outro de boa parte do mundo, há espaço para continuar acreditando na utopia?
Galeano: O que faz “Espelhos” é recuperar a história universal em todas suas dimensões, em seus horrores, mas também em suas festas, é muito diferente de “As veias abertas da América Latina”, que foi o começo de um caminho. “As veias abertas” é quase um ensaio de economia político, escrito em uma linguagem não muito tradicional no gênero, por isso perdeu o concurso da Casa das Américas, porque o jurado não o considerou um livro sério. Era uma época em que a esquerda só acreditava que o sério era o chato, e como o livro não era chato, não era sério, mas é um livro muito concentrado na história política econômica e nas barbaridades que essa história implicou para nós, como nos deformou e nos estrangulou. Em compensação, “Espelhos” tenta abordar o mundo inteiro recolhendo tudo, as noites e os dias, as luzes e as sombras, são todas histórias muito curtinhas, e há também uma diferença de estilo. “As veias abertas” tem uma estrutura tradicional, e a partir daí eu tentei encontrar uma linguagem própria minha, que é a do relato curto, tijolos coloridos para armar os grandes mosaicos, um estilo como o dos muralistas, e cada relato é um pequeno tijolo que incorpora uma cor, e um dos últimos relatos de “Espelhos” evoca uma recordação da minha infância que é verdadeiro; é que quando eu era pequenininho acreditava que tudo o que se perdia na Terra ia parar na Lua, estava convencido disso e me suprendeu quando chegaram os astronautas à Lua porque não encontraram nem promessas traídas, nem ilusões perdidas, nem esperanças rompidas, e então eu me perguntei: se não estão na Lua, onde estão? Será que não estão aqui na terra, esperando-nos?
Tradução: Emir Sader
Fonte: www.cartamaior.com.br
sexta-feira, 28 de agosto de 2009
Justiça salomônica para Carlo Giuliani - Por Vera Gonçalves de Araújo
Justiça salomônica para Carlo Giuliani
Vera Gonçalves de Araújo De Roma
A percepção e avaliação de uma notícia varia muito de pessoa a pessoa, imagine de país a país. A imprensa italiana noticiou com um certo ufanismo na quarta-feira passada que o tribunal europeu dos direitos humanos confirmou que o tiro que matou o jovem manifestante Carlo Giuliani, em julho de 2001 em Gênova, durante os protestos contra a reunião do G-8, foi disparado por legítima defesa pelo também jovem carabineiro Mario Placanica. Outros jornais europeus, como Le Monde, frisam que a Itália foi condenada porque não investigou direito sobre a morte do rapaz.
Em 2006 os pais e a irmã da vítima apelaram para o tribunal de Estrasburgo porque - afirmavam - o governo italiano violou alguns princípios da convenção europeia dos direitos do homem, como o direito à vida, a um processo justo e a proibição de tratamentos desumanos. Dois anos depois, o tribunal europeu endossou a decisão dos juizes italianos que absolveu o carabineiro pela morte de Carlo. O policial, que se encontrava num jipe atacado pelos manifestantes, atirou "porque teve honestamente a sensação de um perigo real e imediato" - afirma o tribunal europeu. Que justifica assim as manchetes italianas sobre a legitimidade do processo e da sentença.
Mas o que muitos jornais nacionais não contaram é que os juizes de Estrasburgo frisaram também que a Itália "não respeitou os procedimentos", e que a autópsia "não estabeleceu com certeza a trajetória da bala", além de ter sido rápida e superficial demais. Os juizes europeus criticam as autoridades italianas que não procuraram, logo após o assassinato, "esclarecer se houve falhas na organização e na gestão das operações de segurança". Simbolicamente, o tribunal estabeleceu uma indenização de 15 mil euros aos pais e 10 mil euros à irmã de Carlo.
Escolhendo com cuidado as palavras, o tribunal europeu escreve: "A Corte, deplorando a ausência de um inquérito nacional sobre a questão, não tem a possibilidade de estabelecer a existência de uma relação direta e imediata entre as negligências ligadas à preparação ou a conduta das operações de gestão da ordem pública e a morte de Carlo Giuliani". Em outras palavras, os juizes não excluem uma conexão entre o estresse e o pânico que influenciou o comportamento da polícia nos três dias de baderna em Genova e a morte do jovem poeta e militante anticapitalista.
Enfim, o tribunal de Estrasburgo não questionou as decisões da justiça da Itália. Mas escreveu, com critérios salomônicos, uma sentença que não poupa críticas e puxões de orelha às autoridades italianas. As duas manchetes contraditórias que li sobre o assunto diziam: "Justiça é feita: foi legítima defesa" (Il Giornale, Milão) e "A Itália culpada pelo inquérito malfeito sobre a morte de um militante anti-globalização" (Le Monde, Paris). Contam, como quase sempre, só uma parte da notícia.
Vera Gonçalves de Araújo jornalista, nasceu no Rio, vive em Roma e trabalha para jornais brasileiros e italianos.
Fonte: http://terramagazine.terra.com.br/
Vera Gonçalves de Araújo De Roma
A percepção e avaliação de uma notícia varia muito de pessoa a pessoa, imagine de país a país. A imprensa italiana noticiou com um certo ufanismo na quarta-feira passada que o tribunal europeu dos direitos humanos confirmou que o tiro que matou o jovem manifestante Carlo Giuliani, em julho de 2001 em Gênova, durante os protestos contra a reunião do G-8, foi disparado por legítima defesa pelo também jovem carabineiro Mario Placanica. Outros jornais europeus, como Le Monde, frisam que a Itália foi condenada porque não investigou direito sobre a morte do rapaz.
Em 2006 os pais e a irmã da vítima apelaram para o tribunal de Estrasburgo porque - afirmavam - o governo italiano violou alguns princípios da convenção europeia dos direitos do homem, como o direito à vida, a um processo justo e a proibição de tratamentos desumanos. Dois anos depois, o tribunal europeu endossou a decisão dos juizes italianos que absolveu o carabineiro pela morte de Carlo. O policial, que se encontrava num jipe atacado pelos manifestantes, atirou "porque teve honestamente a sensação de um perigo real e imediato" - afirma o tribunal europeu. Que justifica assim as manchetes italianas sobre a legitimidade do processo e da sentença.
Mas o que muitos jornais nacionais não contaram é que os juizes de Estrasburgo frisaram também que a Itália "não respeitou os procedimentos", e que a autópsia "não estabeleceu com certeza a trajetória da bala", além de ter sido rápida e superficial demais. Os juizes europeus criticam as autoridades italianas que não procuraram, logo após o assassinato, "esclarecer se houve falhas na organização e na gestão das operações de segurança". Simbolicamente, o tribunal estabeleceu uma indenização de 15 mil euros aos pais e 10 mil euros à irmã de Carlo.
Escolhendo com cuidado as palavras, o tribunal europeu escreve: "A Corte, deplorando a ausência de um inquérito nacional sobre a questão, não tem a possibilidade de estabelecer a existência de uma relação direta e imediata entre as negligências ligadas à preparação ou a conduta das operações de gestão da ordem pública e a morte de Carlo Giuliani". Em outras palavras, os juizes não excluem uma conexão entre o estresse e o pânico que influenciou o comportamento da polícia nos três dias de baderna em Genova e a morte do jovem poeta e militante anticapitalista.
Enfim, o tribunal de Estrasburgo não questionou as decisões da justiça da Itália. Mas escreveu, com critérios salomônicos, uma sentença que não poupa críticas e puxões de orelha às autoridades italianas. As duas manchetes contraditórias que li sobre o assunto diziam: "Justiça é feita: foi legítima defesa" (Il Giornale, Milão) e "A Itália culpada pelo inquérito malfeito sobre a morte de um militante anti-globalização" (Le Monde, Paris). Contam, como quase sempre, só uma parte da notícia.
Vera Gonçalves de Araújo jornalista, nasceu no Rio, vive em Roma e trabalha para jornais brasileiros e italianos.
Fonte: http://terramagazine.terra.com.br/
PODEMOS CONVERSAR? A “INDÚSTRIA DA PAZ” DO ORIENTE MÉDIO - Por Faris Giacaman
PODEMOS CONVERSAR? A “INDÚSTRIA DA PAZ” DO ORIENTE MÉDIO
Por Faris Giacaman (*), 27.08.2009
Ao descobrirem que sou palestino, muitas pessoas que encontro na universidade aqui nos Estados Unidos ficam ansiosas por informar-me de várias atividades em que têm participado a fim de promover “coexistência” e “diálogo” entre ambos os lados do “conflito”, sem dúvida à espera de um aceno de aprovação da minha parte. Contudo, estes esforços são danosos e minam o apelo da sociedade civil palestina em favor do boicote, desinvestimento e sanções a Israel – o único meio de pressionar Israel a cessar as suas violações dos direitos dos palestinos.
Quando eu frequentava o secundário, em Ramalá, uma das iniciativas “pessoa-a-pessoa” mais conhecidas, a Seeds of Peace, muitas vezes visitava a minha escola, pedindo aos estudantes para aderirem ao seu programa. Quase todos os anos eles enviavam alguns dos meus colegas a um campo de Verão nos EUA com um grupo de estudantes israelenses.
Segundo o sítio web de Seeds of Peace, ensinam-lhes no campo a “desenvolver empatia, respeito e confiança bem como liderança, comunicação e aptidões de negociação – componentes críticos que facilitarão a coexistência pacífica da geração seguinte”. Eles pintam um quadro róseo e a maior parte das pessoas na universidade fica muito surpreendida ao ouvir que penso serem tais atividades equivocadas na melhor das hipóteses e imorais na pior. Por que diabos eu era contra a “coexistência”, perguntavam-me sempre.
Durante os últimos anos tem havido apelos crescentes a por um fim à opressão do povo palestino por Israel através de um movimento internacional de boicote, desinvestimento e sanções (BDS). Uma das objeções comuns ao boicote é que ele é contra-producente e que o “diálogo” e a “promoção da coexistência” são muito mais construtivos do que boicotes.
A partir do início dos acordos de Oslo, em 1993, tem havido toda uma indústria que opera no sentido de reunir israelenses e palestinos nestes grupos de “diálogo”. A finalidade declarada de tais grupos é a criação de entendimento entre “ambos os lados conflito”, a fim de “construir pontes” e “ultrapassar barreiras”. Contudo, a suposição de que tais atividades ajudarão a facilitar a paz não é não só incorrecta como realmente carente de moral.
A presunção de que o diálogo é necessário a fim de alcançar a paz ignora completamente o contexto histórico da situação na Palestina. Ela assume que ambos os lados cometeram uma quantidade mais ou menos igual de atrocidades um contra o outro e que são igualmente culpáveis pelos erros que foram cometido. É assumido que nenhum lado está completamente certo ou completamente errado, mas que ambos têm direitos legítimos que deveriam ser tratados e certos pontos mortos que devem ser ultrapassados. Portanto, ambos os lados devem ouvir o ponto de vista do “outro” a fim de promover o entendimento e a comunicação, os quais presumivelmente levariam à “coexistência” ou a “reconciliação”.
Tal abordagem é considerada “equilibrada” ou “moderada”, como se isto fosse uma coisa boa. Contudo, a realidade no terreno é imensamente diferente do que a visão “moderada” deste assim chamado “conflito”. Mesmo a palavra “conflito” é enganosa, pois ela implica uma disputa entre duas partes simétricas. A realidade não é assim; não se trata de um caso de simples falta de entendimento ou de ódio mútuo que se atravessa no caminho da paz. O contexto da situação em Israel/Palestina é de colonialismo, apartheid e racismo, uma situação na qual há um opressor e um oprimido, um colonizador e um colonizado.
Em casos de colonialismo e apartheid, a história mostra que regimes coloniais não abandonam o poder sem luta e resistência popular, ou pressão internacional direta. É uma visão particularmente ingênua assumir que a persuasão e a “conversação” convencerão um sistema opressor a renunciar ao seu poder.
O regime do apartheid na África do Sul, por exemplo, foi finalizado após anos de luta com a ajuda vital de uma campanha internacional de sanções, desinvestimentos e boicotes. Se alguém houvesse sugerido aos oprimidos sul-africanos que viviam nos bantustões a tentar e entender o ponto de vista do outro (isto é, dos partidários da supremacia branca), as pessoas teria rido de uma noção tão ridícula. Analogamente, durante a luta indiana pela emancipação do domínio colonial britânico, Mahatma Gandhi não teria sido venerado como um combatente pela justiça se houvesse renunciado à satyagraha – “ater-se firmemente à verdade”, a sua expressão para o movimento de resistência não violenta – e ao invés disso houvesse advogado em favor do diálogo com os ocupantes colonialistas britânicos a fim de entender o seu lado da história.
Entretanto, é verdade que alguns sul-africanos brancos tomaram posição de solidariedade com os negros oprimidos e participaram na luta contra o apartheid. E havia, certamente, alguns britânicos dissidentes das políticas coloniais do seu governo. Mas aqueles apoiantes posicionaram-se explicitamente ao lado dos oprimidos com o objetivo claro de acabar com a opressão, de combater as injustiças perpetradas pelos seus governos e representantes. Qualquer reunião conjunta de ambas as partes, portanto, só pode ser moralmente sã quando os cidadãos do estado opressivo posicionam-se em solidariedade aos membros do grupo oprimido, não sob a bandeira do “diálogo” com o objetivo de “entender o outro lado da história”. O diálogo só é aceitável quando efetuado a fim de entender o problema do oprimido, não no contexto de “ouvir ambos os lados”.
Entretanto, tem sido argumentado pelos proponentes palestinos destes grupos de diálogo que tais atividades podem ser utilizados como uma ferramenta – não para promover o assim chamado “entendimento” – mas para realmente ganhar israelenses para luta palestina pela justiça, persuadindo-os ou “tendo eles de reconhecer a nossa humanidade”.
Contudo, esta concepção também é ingênua. Infelizmente, a maior parte dos israelenses caiu vítima da propaganda com que o establishment sionista e os seus muitos instrumentos os alimentam desde tenra idade. Além disso, exigirá um esforço enorme e concertado contrariar esta propaganda através da persuasão. A maior dos israelenses, por exemplo, não será convencida de que o seu governo atingiu um nível de criminalidade que justifique um apelo ao boicote. Mesmo que eles sejam convencidos logicamente das brutalidades da opressão israelense, provavelmente não será o suficiente para levá-los a qualquer forma de ação.
Isto tem-se provado reiteradamente verdadeiro, o que é evidente no fracasso abjeto de tais grupos de diálogo para formarem qualquer movimento abrangente anti-ocupação desde os seus primórdios com o processo de Oslo. Na realidade, nada menos do que a pressão sustentada – não a persuasão – fará os israelenses perceberem que os direitos dos palestinos têm de ser retificados. Esta é a lógica do movimento BDS, o qual é inteiramente oposto à falsa lógica do diálogo.
Com base num relatório não publicado de 2002 do Israel/Palestine Center for Research and Information, o San Francisco Chronicle informou em outubro último que “entre 1993 e 2000 [apenas], governos e fundações ocidentais gastaram entre US$20 milhões e US$25 milhões nos grupos de diálogo”. Um ulterior inquérito em grande escala a palestinos que participaram nos grupos de diálogo revelou que esta grande despesa falhou em produzir “um único ativista da paz em qualquer dos lados”. Isto confirma a crença entre palestinos de que todo o empreendimento é um desperdício de tempo e de dinheiro.
O inquérito também revelou que os participantes palestinos não eram plenamente representativos da sua sociedade. Muitos participantes tendiam a ser “filhos ou amigos de altos responsáveis palestinos ou das elites econômicas. Apenas sete por cento dos participantes eram residentes em campos de refugiados, muito embora eles constituam 16 por cento da população palestina”. O inquérito também descobriu que 91 por cento dos participantes palestinos já não mantinham laços com os israelenses com quem se encontraram. Além disso, 93 por cento não foram abordados com atividade de campo a seguir e apenas cinco por cento concordaram em que toda a experiência ajudou a “promover paz, cultura e diálogo entre participantes”.
Apesar do inequívoco fracasso destes projetos de diálogo, continua a ser investido dinheiro neles. Como explicou Omar Barghouti, um dos membros fundados do movimento BDS na Palestina, em The Electronic Intifada, “houve demasiadas tentativas de diálogo desde 1993 … tornou-se uma indústria – chamamo-la a indústria da paz” (leia aqui).
Isto pode ser atribuído parcialmente a dois fatores. O fator dominante é o papel utilizável de tais projetos em relações públicas. O Seeds of Peace, por exemplo, jacta-se da sua legitimidade apresentando um impressionante conjunto de endossos por parte de políticos e autoridades tais como Hillary Clinton, Bill Clinton, George Mitchell, Shimon Peres, George Bush, Colin Powell e Tony Blair, dentre outros.
O segundo fator é a necessidade de certos “esquerdistas” e “liberais” israelenses sentirem como se estivessem a fazer alguma coisa admirável ao “questionarem-se”, quando na realidade eles não tomam nenhum posicionamento significativo contra os crimes que o seu governo comete em seu nome. Os políticos e os governos ocidentais continuam a financiar tais projetos, promovendo dessa forma as suas imagens como apoiantes da “coexistência”, e os “liberais” participantes israelenses podem isentar-se de qualquer culpa pela participação no nobre ato de “promover a paz”. Um relacionamento simbiótico, muito insatisfatório.
A falta de resultados de tais iniciativos não é surpreendente, pois os objetivos declarados do diálogo e grupos de “coexistência” não incluem convencer israelenses a ajudar palestinos a ganharem o respeito dos seus direitos inalienáveis. A exigência mínima de reconhecer a natureza inerentemente opressiva de Israel está ausente nestes grupos de diálogo. Ao invés disso, estas organizações operam sob a dúbia suposição de que o “conflito” é muito complexo e multifacetado, onde há “dois lados em toda história” e que cada narrativa tem certas afirmações válidas assim como dúbias.
Quando o apelo autorizado Campanha Palestina pelo Boicote Acadêmico e Cultural de Israel faz o seu caminho, quaisquer atividades conjuntas palestino-israelenses – quer sejam projeções de filmes ou campos de Verão – pode ser aceitável só quando o seu objetivo declarado for finalizar, protestar e/ou despertar a consciência quanto à opressão dos palestinos.
Qualquer israelense que procure interagir com palestinos, com o objetivo claro de solidariedade e de ajudá-los a acabar com a opressão, será saudado de braços abertos. Mas deve haver cautela, contudo, quando são feitos convites para participar num diálogo entre “ambos os lados” do assim chamado “conflito”. Qualquer apelo a um discursos “equilibrado” sobre esta questão – onde o lema “há dois lados em toda história” é reverenciado quase religiosamente – é intelectualmente e moralmente desonesto pois ignora o fato de que, quando se trata de casos de colonialismo, apartheid e opressão não tal coisa como “equilíbrio”. A sociedade opressora, de modo geral, não renunciará aos seus privilégios sem pressão. É por isso que a campanha BDS é um importante instrumento de mudança.
(*) Faris Giacamané estudante palestino da Cisjordânia, estudando no segundo ano de uma universidade nos Estados Unidos. O original encontra-se em http://electronicintifada.net/v2/article10722.shtml ; Este artigo também foi publicado em 20/08/2009 em http://resistir.info/ ; Conheça o Global BDS Movement: www.bdsmovement.net
Fonte: http://www.fazendomedia.com/
Por Faris Giacaman (*), 27.08.2009
Ao descobrirem que sou palestino, muitas pessoas que encontro na universidade aqui nos Estados Unidos ficam ansiosas por informar-me de várias atividades em que têm participado a fim de promover “coexistência” e “diálogo” entre ambos os lados do “conflito”, sem dúvida à espera de um aceno de aprovação da minha parte. Contudo, estes esforços são danosos e minam o apelo da sociedade civil palestina em favor do boicote, desinvestimento e sanções a Israel – o único meio de pressionar Israel a cessar as suas violações dos direitos dos palestinos.
Quando eu frequentava o secundário, em Ramalá, uma das iniciativas “pessoa-a-pessoa” mais conhecidas, a Seeds of Peace, muitas vezes visitava a minha escola, pedindo aos estudantes para aderirem ao seu programa. Quase todos os anos eles enviavam alguns dos meus colegas a um campo de Verão nos EUA com um grupo de estudantes israelenses.
Segundo o sítio web de Seeds of Peace, ensinam-lhes no campo a “desenvolver empatia, respeito e confiança bem como liderança, comunicação e aptidões de negociação – componentes críticos que facilitarão a coexistência pacífica da geração seguinte”. Eles pintam um quadro róseo e a maior parte das pessoas na universidade fica muito surpreendida ao ouvir que penso serem tais atividades equivocadas na melhor das hipóteses e imorais na pior. Por que diabos eu era contra a “coexistência”, perguntavam-me sempre.
Durante os últimos anos tem havido apelos crescentes a por um fim à opressão do povo palestino por Israel através de um movimento internacional de boicote, desinvestimento e sanções (BDS). Uma das objeções comuns ao boicote é que ele é contra-producente e que o “diálogo” e a “promoção da coexistência” são muito mais construtivos do que boicotes.
A partir do início dos acordos de Oslo, em 1993, tem havido toda uma indústria que opera no sentido de reunir israelenses e palestinos nestes grupos de “diálogo”. A finalidade declarada de tais grupos é a criação de entendimento entre “ambos os lados conflito”, a fim de “construir pontes” e “ultrapassar barreiras”. Contudo, a suposição de que tais atividades ajudarão a facilitar a paz não é não só incorrecta como realmente carente de moral.
A presunção de que o diálogo é necessário a fim de alcançar a paz ignora completamente o contexto histórico da situação na Palestina. Ela assume que ambos os lados cometeram uma quantidade mais ou menos igual de atrocidades um contra o outro e que são igualmente culpáveis pelos erros que foram cometido. É assumido que nenhum lado está completamente certo ou completamente errado, mas que ambos têm direitos legítimos que deveriam ser tratados e certos pontos mortos que devem ser ultrapassados. Portanto, ambos os lados devem ouvir o ponto de vista do “outro” a fim de promover o entendimento e a comunicação, os quais presumivelmente levariam à “coexistência” ou a “reconciliação”.
Tal abordagem é considerada “equilibrada” ou “moderada”, como se isto fosse uma coisa boa. Contudo, a realidade no terreno é imensamente diferente do que a visão “moderada” deste assim chamado “conflito”. Mesmo a palavra “conflito” é enganosa, pois ela implica uma disputa entre duas partes simétricas. A realidade não é assim; não se trata de um caso de simples falta de entendimento ou de ódio mútuo que se atravessa no caminho da paz. O contexto da situação em Israel/Palestina é de colonialismo, apartheid e racismo, uma situação na qual há um opressor e um oprimido, um colonizador e um colonizado.
Em casos de colonialismo e apartheid, a história mostra que regimes coloniais não abandonam o poder sem luta e resistência popular, ou pressão internacional direta. É uma visão particularmente ingênua assumir que a persuasão e a “conversação” convencerão um sistema opressor a renunciar ao seu poder.
O regime do apartheid na África do Sul, por exemplo, foi finalizado após anos de luta com a ajuda vital de uma campanha internacional de sanções, desinvestimentos e boicotes. Se alguém houvesse sugerido aos oprimidos sul-africanos que viviam nos bantustões a tentar e entender o ponto de vista do outro (isto é, dos partidários da supremacia branca), as pessoas teria rido de uma noção tão ridícula. Analogamente, durante a luta indiana pela emancipação do domínio colonial britânico, Mahatma Gandhi não teria sido venerado como um combatente pela justiça se houvesse renunciado à satyagraha – “ater-se firmemente à verdade”, a sua expressão para o movimento de resistência não violenta – e ao invés disso houvesse advogado em favor do diálogo com os ocupantes colonialistas britânicos a fim de entender o seu lado da história.
Entretanto, é verdade que alguns sul-africanos brancos tomaram posição de solidariedade com os negros oprimidos e participaram na luta contra o apartheid. E havia, certamente, alguns britânicos dissidentes das políticas coloniais do seu governo. Mas aqueles apoiantes posicionaram-se explicitamente ao lado dos oprimidos com o objetivo claro de acabar com a opressão, de combater as injustiças perpetradas pelos seus governos e representantes. Qualquer reunião conjunta de ambas as partes, portanto, só pode ser moralmente sã quando os cidadãos do estado opressivo posicionam-se em solidariedade aos membros do grupo oprimido, não sob a bandeira do “diálogo” com o objetivo de “entender o outro lado da história”. O diálogo só é aceitável quando efetuado a fim de entender o problema do oprimido, não no contexto de “ouvir ambos os lados”.
Entretanto, tem sido argumentado pelos proponentes palestinos destes grupos de diálogo que tais atividades podem ser utilizados como uma ferramenta – não para promover o assim chamado “entendimento” – mas para realmente ganhar israelenses para luta palestina pela justiça, persuadindo-os ou “tendo eles de reconhecer a nossa humanidade”.
Contudo, esta concepção também é ingênua. Infelizmente, a maior parte dos israelenses caiu vítima da propaganda com que o establishment sionista e os seus muitos instrumentos os alimentam desde tenra idade. Além disso, exigirá um esforço enorme e concertado contrariar esta propaganda através da persuasão. A maior dos israelenses, por exemplo, não será convencida de que o seu governo atingiu um nível de criminalidade que justifique um apelo ao boicote. Mesmo que eles sejam convencidos logicamente das brutalidades da opressão israelense, provavelmente não será o suficiente para levá-los a qualquer forma de ação.
Isto tem-se provado reiteradamente verdadeiro, o que é evidente no fracasso abjeto de tais grupos de diálogo para formarem qualquer movimento abrangente anti-ocupação desde os seus primórdios com o processo de Oslo. Na realidade, nada menos do que a pressão sustentada – não a persuasão – fará os israelenses perceberem que os direitos dos palestinos têm de ser retificados. Esta é a lógica do movimento BDS, o qual é inteiramente oposto à falsa lógica do diálogo.
Com base num relatório não publicado de 2002 do Israel/Palestine Center for Research and Information, o San Francisco Chronicle informou em outubro último que “entre 1993 e 2000 [apenas], governos e fundações ocidentais gastaram entre US$20 milhões e US$25 milhões nos grupos de diálogo”. Um ulterior inquérito em grande escala a palestinos que participaram nos grupos de diálogo revelou que esta grande despesa falhou em produzir “um único ativista da paz em qualquer dos lados”. Isto confirma a crença entre palestinos de que todo o empreendimento é um desperdício de tempo e de dinheiro.
O inquérito também revelou que os participantes palestinos não eram plenamente representativos da sua sociedade. Muitos participantes tendiam a ser “filhos ou amigos de altos responsáveis palestinos ou das elites econômicas. Apenas sete por cento dos participantes eram residentes em campos de refugiados, muito embora eles constituam 16 por cento da população palestina”. O inquérito também descobriu que 91 por cento dos participantes palestinos já não mantinham laços com os israelenses com quem se encontraram. Além disso, 93 por cento não foram abordados com atividade de campo a seguir e apenas cinco por cento concordaram em que toda a experiência ajudou a “promover paz, cultura e diálogo entre participantes”.
Apesar do inequívoco fracasso destes projetos de diálogo, continua a ser investido dinheiro neles. Como explicou Omar Barghouti, um dos membros fundados do movimento BDS na Palestina, em The Electronic Intifada, “houve demasiadas tentativas de diálogo desde 1993 … tornou-se uma indústria – chamamo-la a indústria da paz” (leia aqui).
Isto pode ser atribuído parcialmente a dois fatores. O fator dominante é o papel utilizável de tais projetos em relações públicas. O Seeds of Peace, por exemplo, jacta-se da sua legitimidade apresentando um impressionante conjunto de endossos por parte de políticos e autoridades tais como Hillary Clinton, Bill Clinton, George Mitchell, Shimon Peres, George Bush, Colin Powell e Tony Blair, dentre outros.
O segundo fator é a necessidade de certos “esquerdistas” e “liberais” israelenses sentirem como se estivessem a fazer alguma coisa admirável ao “questionarem-se”, quando na realidade eles não tomam nenhum posicionamento significativo contra os crimes que o seu governo comete em seu nome. Os políticos e os governos ocidentais continuam a financiar tais projetos, promovendo dessa forma as suas imagens como apoiantes da “coexistência”, e os “liberais” participantes israelenses podem isentar-se de qualquer culpa pela participação no nobre ato de “promover a paz”. Um relacionamento simbiótico, muito insatisfatório.
A falta de resultados de tais iniciativos não é surpreendente, pois os objetivos declarados do diálogo e grupos de “coexistência” não incluem convencer israelenses a ajudar palestinos a ganharem o respeito dos seus direitos inalienáveis. A exigência mínima de reconhecer a natureza inerentemente opressiva de Israel está ausente nestes grupos de diálogo. Ao invés disso, estas organizações operam sob a dúbia suposição de que o “conflito” é muito complexo e multifacetado, onde há “dois lados em toda história” e que cada narrativa tem certas afirmações válidas assim como dúbias.
Quando o apelo autorizado Campanha Palestina pelo Boicote Acadêmico e Cultural de Israel faz o seu caminho, quaisquer atividades conjuntas palestino-israelenses – quer sejam projeções de filmes ou campos de Verão – pode ser aceitável só quando o seu objetivo declarado for finalizar, protestar e/ou despertar a consciência quanto à opressão dos palestinos.
Qualquer israelense que procure interagir com palestinos, com o objetivo claro de solidariedade e de ajudá-los a acabar com a opressão, será saudado de braços abertos. Mas deve haver cautela, contudo, quando são feitos convites para participar num diálogo entre “ambos os lados” do assim chamado “conflito”. Qualquer apelo a um discursos “equilibrado” sobre esta questão – onde o lema “há dois lados em toda história” é reverenciado quase religiosamente – é intelectualmente e moralmente desonesto pois ignora o fato de que, quando se trata de casos de colonialismo, apartheid e opressão não tal coisa como “equilíbrio”. A sociedade opressora, de modo geral, não renunciará aos seus privilégios sem pressão. É por isso que a campanha BDS é um importante instrumento de mudança.
(*) Faris Giacamané estudante palestino da Cisjordânia, estudando no segundo ano de uma universidade nos Estados Unidos. O original encontra-se em http://electronicintifada.net/v2/article10722.shtml ; Este artigo também foi publicado em 20/08/2009 em http://resistir.info/ ; Conheça o Global BDS Movement: www.bdsmovement.net
Fonte: http://www.fazendomedia.com/
Assinar:
Postagens (Atom)