Jovem operário é torturado pela polícia na periferia de Franca (São Paulo)
Os policiais o fizeram entrar no camburão, o levaram para um ponto deserto do bairro, onde o espancaram por mais de duas horas. Agressões que não deixaram marcas físicas aparentes. Após saciarem suas frustrações, o liberaram. Por Suvarine
(Na seção Movimentos Em Luta temos reproduzido os comunicados da Rede Contra a Violência e das Mães de Maio denunciando a brutalidade policial, os espancamentos, as torturas e os assassinatos. Agora publicamos, enviado por um leitor, o relato de mais um desses casos. É urgente alertar para o que se passa e nos unirmos para colocar fim à impunidade policial. Passa Palavra)
Na última sexta-feira, dia 29 de maio de 2010, recebi um telefonema, por volta das 22h30. Do outro lado da linha estava uma mãe aos prantos e precisando desabafar. Seu filho havia saído de casa às 20h para buscar a namorada e acabara de chegar, após mais de duas horas de agonia da namorada e da mãe, preocupadas com o sumiço dele; não dera notícias e não atendia o celular [telemóvel]: teria sofrido um acidente? Haviam ligado para os amigos, pedido informações à vizinhança, andado pelas ruas adjacentes, mas não encontraram nenhum sinal dele.
O rapaz é um jovem operário com cerca de 21 anos, trabalhador de um dos curtumes do município paulista conhecido internacionalmente pela fabricação de calçados masculinos de couro. Os curtumes são fábricas de couros caracterizadas pelo trabalho predominante braçal, pesado e sob condições insalubre. O jovem em questão exerce a profissão de curtumeiro desde os 17 anos de idade. Cumpre uma jornada de trabalho que se estende de segunda a quinta-feira das sete horas da manhã até às oito e meia da noite. Os serões, como são conhecidos, são uma estratégia recorrente dessas fábricas para aumentar a produção.
Às sextas-feiras sai no horário normal, 17h00, isso porque costuma trabalhar durante todo o dia de sábado. Nessa sexta, chegara em casa cansado da dura lida, tomou um banho, abriu uma latinha de cerveja e bebeu para relaxar. A namorada lhe telefonou e ele foi buscá-la. No meio do caminho passou por uma blitz [operação stop] policial que o parou. Para a polícia era um típico suspeito: jovem morador da periferia, vestindo roupas típicas do movimento Hip-Hop e pilotando uma moto. Apresentou os documentos e foi revistado, tendo a polícia encontrado um baseado [cigarro de maconha, marijuana, muito comum] sob sua posse.
Os policiais o fizeram entrar no camburão [viatura para transportar presos]. Iriam autuá-lo? Mas apenas por uma baseado? Não. Possuíam outros planos. O levaram para um ponto deserto do bairro, onde o espancaram por mais de duas horas com o objetivo de obterem informações sobre o traficante que lhe vendera o baseado: tapas na cara, safanões, socos na boca do estômago e xingamentos [insultos]. Agressões que não deixaram marcas físicas aparentes. Após saciarem suas frustrações e seu sadismo, o liberaram. Não fora a primeira vez que levara uma geral, mas foi a primeira vez que foi vítima de espancamento. Chegou em casa pálido, aos prantos, com fortes dores e vômitos.
Ao ouvir seu relato pelo telefone, minha reação imediata foi dizer que deveria registrar uma queixa. Mas a resposta que recebi foi mais do que esperada: recusou-se. E sua justificativa foi objetiva: “Não vai acontecer nada com os policiais; eu vou ficar marcado e da próxima vez que me pegarem eles me matam.” O que dizer frente a uma realidade tão cruel?
Soube que na manhã seguinte o jovem operário se levantou, após a noite mal dormida e ainda com dores pelo corpo, além do grande trauma. Era sábado, mas vestiu seu uniforme, colocou a mochila nas costas e foi cumprir mais uma jornada extraordinária de trabalho. Afinal a produção não pode parar, o patrão precisa de seus funcionários para que possa continuar a aumentar sua bela coleção de carros, cuidadosamente estacionados em um galpão [armazém] de sua fábrica.
Infelizmente, casos como esse não são novidade para mais ninguém, ocorrem diariamente nas periferias de nossas cidades; mas até quando vamos permitir que continuem a ocorrer? O que podemos fazer frente à certeza da impunidade e à ameaça da represália? Nos conformar? Espero que não. Me veio à mente um trecho de uma música ouvida por esse jovem:
“Tá na hora de parar de mofar no presídio, de estar no necrotério
Com uma par de tiros, de ser o analfabeto comendo resto viciado que
O denarc manda pro inferno.”(Discurso ou Revólver. Facção Central)
Fonte: http://passapalavra.info
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