O Brasil deve produzir a bomba atômica?
A revista alemã Der Spiegel, em sua edição mais recente, traz artigo intitulado “O Brasil está desenvolvendo a bomba atômica?”. O autor do texto, Hans Rühle, sem qualquer prova concreta ou evidência honesta, especula que o país estaria trabalhando em um projeto militar secreto para a fabricação de armas nucleares.
A leviandade da matéria não surpreende. A publicação que a abriga fez fama pelo reacionarismo editorial e o descompromisso com a verdade. Uma notória fonte de inspiração, aliás, para suas congêneres mundo afora. Além do mais, não é de se espantar que, às vésperas da viagem do presidente Lula ao Irã, seja dada a largada para uma campanha de desprestígio contra o líder brasileiro.
Mas as aleivosias do jornalista germânico também são um bom motivo para rediscutir a questão atômica. Afinal, por que o Brasil, entre outras nações, não deveria ter o direito de possuir seu próprio arsenal nuclear? Por que apenas alguns países, em flagrante desequilíbrio das relações internacionais, exercem o monopólio atômico?
Nem haveria o que discutir se estivesse em curso um processo de desarmamento generalizado. O país que rompesse esse tipo de acordo, é evidente, deveria ser tratado como um pária e exemplarmente punido. Não é essa, porém, a situação em que vivemos, profundamente injusta e desigual. A propriedade de armas atômicas continua a ser instrumento fundamental de hegemonia.
Não é à toa o esforço das grandes potências, particularmente dos Estados Unidos, para impedir que novos sócios sejam aceitos no clube da bomba. Regras de controle mais rigoroso têm sido discutidas, inclusive sobre processos de enriquecimento do urânio para fins pacíficos, através de métodos que deitariam por terra a autodeterminação nacional.
Um dos exemplos mais relevantes de submissão a essa política foi a assinatura, pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, em 1998, do Tratado de Não-Proliferação Nuclear. Até então, o tema vinha sendo abordado de forma soberana, com erros e acertos, através de cláusulas constitucionais ou acordos regionais. Após a aceitação do TNPL, no entanto, o Brasil abdicou de sua independência atômica.
Tal decisão veio na esteira de outras semelhantes, que levaram ao sucateamento das forças armadas e à renúncia a construir uma estratégia autônoma de defesa. A concepção que orientou tais atitudes, afinal, reserva ao Brasil e à América Latina o papel de coadjuvantes no bloco sob comando norte-americano. Ou alguém se esquece, por exemplo, do entusiasmo de Fernando Henrique com a Área de Livre Comércio das Américas, a falecida Alca?
A consequência militar dessa visão foi se comportar como apêndice do Departamento de Defesa dos EUA, cuja proposta era transformar os exércitos ao sul em estruturas policiais dedicadas a combater o narcotráfico e o terrorismo. Com essas tarefas, seus contingentes poderiam ser fortemente reduzidos, além de ter seu armamento reconfigurado para uso tático.
A derrota desse ponto de vista, com a emergência de uma orientação integracionista entre países latino-americanos, cobra a elaboração de uma nova doutrina de segurança. A modernização das forças armadas no subcontinente, alcunhada de “corrida armamentista” por veículos mortos de amor pela Casa Branca, é um passo nessa direção.
Não é possível o desenvolvimento de um bloco político-econômico que pretenda romper com a asfixia da dependência sem que seja capaz de se defender contra seus inimigos potenciais. A América Latina, afinal, apresenta um dos maiores inventários de riquezas energéticas e naturais do planeta. A maneira como forem exploradas e controladas terá um peso decisivo nas próximas décadas.
A existência de um forte dispositivo dissuasório é a única garantia histórica para a paz e a soberania. No caso latino-americano, isso pressupõe a renovação combinada, ainda que desigual, das distintas forças armadas, apontando para a integração militar da região. Isso significa instituições comuns, exercícios conjuntos, indústria própria de armamentos, centros integrados de estratégia e comando.
Esses passos, no entanto, seriam insuficientes sem a resolução do desequilíbrio nuclear. Obviamente que não se trata, nessa conjuntura, de romper unilateralmente os pactos internacionais e iniciar a fabricação da bomba. Mas é necessário desmascarar tanto o cinismo quanto a acomodação e estabelecer, de imediato, abordagem diferente acerca dessa agenda.
O Brasil e seus aliados, inclusive externos ao bloco regional, têm o direito de declarar um ultimato pela eliminação de todas as ogivas nucleares em prazo determinado - entre cinco e dez anos, por exemplo. Caso esse objetivo não fosse alcançado, estariam extintas as obrigações das nações signatárias com o Tratado de Não-Proliferação.
O que não se pode, de toda maneira, é admitir a supremacia atômica como normal e razoável. Muito menos aceitar mecanismos imperialistas de contenção da capacidade tecnológica ou defensiva de nações livres.
*Breno Altman é jornalista e diretor editorial do Opera Mundi
Fonte: http://operamundi.uol.com.br/
terça-feira, 11 de maio de 2010
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