sexta-feira, 30 de abril de 2010
Estado Assassino: Um jornalista no exílio - Por Jonathan Cook
Um jornalista no exílio - Por Jonathan Cook
Repórter e sua informante estão sendo acusados de “espionagem” por revelarem documentos que mostram que oficiais do Exército do país aprovaram ações ilegais de seus comandados.
Jonathan Cook de Nazareth (Israel)
Um jornalista israelense que foi para o exílio depois de escrever uma série de reportagens revelando que ações ilegais cometidas pelo Exército de Israel foram aprovadas por oficiais militares pode enfrentar, caso seja capturado, uma longa sentença de prisão por espionagem.
Isso foi o que os serviços de segurança israelenses alertaram no dia 10: eles iriam fazer de tudo para encontrá-lo. O Shin Bet, a polícia secreta de Israel, afirmou ter impetrado um mandado de prisão contra Uri Blau, repórter do jornal progressista Haaretz que se esconde em Londres, na Inglaterra, como um “criminoso foragido”.
De acordo com o jornal direitista Maariv, duas opções estão sendo consideradas: a extradição, a ser requerida às autoridades britânicas ou, se isso falhar, uma operação secreta da Mossad, a agência de espionagem de Israel, para “contrabandeá-lo” de volta.
No dia 12, foi revelado que a informante de Blau, Anat Kamm, 23 – uma ex-recruta que copiou centenas de documentos confidenciais durante seu período de serviço militar –, confessou, logo depois de sua prisão, em dezembro, ter feito isso para denunciar “crimes de guerra”.
O Shin Bet alega que Blau está em posse desses documentos, incluindo alguns relacionados à Operação Chumbo Fundido, como se denominou o ataque de Israel à Gaza entre dezembro de 2008 e janeiro de 2009. Acredita-se amplamente que, nessa ação, o exército violou leis de guerra.
Execuções de líderes
Outros documentos, que serviram de base de uma investigação do Haaretz publicada em 2008, revelaram um encontro entre o comandante do Exército, Gabi Ashkenazi, e o Shin Bet, no qual decidiram ignorar uma determinação da Corte Suprema e continuarem a levar a cabo execuções de líderes palestinos nos territórios ocupados.
Yuval Diskin, comandante do Shin Bet, exige que Blau revele integralmente seu arquivo de documentos e passe por um detector de mentiras para identificar suas fontes. O Haaretz e seus advogados recomendaram que ele continue escondido para proteger seus informantes.
O jornal também revelou ter concordado, um pouco antes dos ataques à Gaza – e em um gesto altamente incomum – em adiar o fechamento de uma de suas edições depois que o Exército exigiu, no último minuto, que uma das matérias de Blau não fosse publicada. Seu relato já tinha passado pelo censor militar que verifica se determinadas matérias não põem em risco a segurança nacional.
Advogados e grupos de direitos humanos temem que o Exército e o Shin Bet estejam tentando silenciar os jornalistas investigativos e enviar um alerta a outros repórteres para que estes não sigam o mesmo caminho de Blau.
“Temos um perigoso precedente aqui, segundo o qual passar algum material para um jornal israelense é visto pela promotoria como equivalente a manter contato com um agente estrangeiro”, disse Eitan Lehman, o advogado de Anat Kamm. “A própria noção em si de apresentar informações para a opinião pública israelense é tomada como uma intenção de causar danos à segurança nacional”.
Prisão domiciliar
A determinação do Shin Bet de prender Uri Blau foi revelada depois que uma liminar que proibia a publicação, pela imprensa israelense, de informações sobre o caso Kamm foi suspensa pela justiça israelense, no dia 9. Ela está em prisão domiciliar desde dezembro. Kamm admitiu ter copiado centenas de documentos confidenciais enquanto servia no escritório do Brigadeiro-General Yair Naveh, que estava no comando de operações na Cisjordânia, entre 2005 e 2007.
Em 14 de abril, a Suprema Corte reforçou as restrições de sua detenção. A juíza, Ayala Procaccia, afirmou: “Os atos atribuídos à ré apontam para uma percepção interna profundamente distorcida das responsabilidades de um soldado em relação ao sistema militar a que ele ou ela é requerida a servir, e uma séria distorção da responsabilidade básica que um cidadão deve ao Estado ao qual ele ou ela pertence”. A Corte decidiu que Kamm não pode deixar seu apartamento e deve ser permanentemente “vigiada” por um parente próximo.
Em um acordo com o Shin Bet no ano passado, Uri Blau e o Haaretz entregaram 50 documentos e concordaram com a destruição do computador do jornalista. Ambos os lados acusam o outro de violar o trato: o Shin Bet diz que Blau mantém, secretamente, outros documentos copiados por Kamm que poderiam ser úteis para os inimigos de Israel; enquanto Blau afirma que o Shin Bet usou os documentos devolvidos para encontrar Kamm, depois de dar garantias de que não o faria.
O Haarettz diz que Blau teme que eles tentarão identificar seus outros informantes caso ele entregue seu arquivo. Ele teve conhecimento de sua situação em dezembro, enquanto estava fora do país, de férias. Disse que um amigo o telefonou para alertá-lo que o Shin Bet tinha invadido e saqueado sua casa. Mais tarde, ele soube que a organização estava monitorando seu telefone, email e computador havia muitos meses.
“Espionagem”
O Shin Bet afirmou, recentemente, que Blau estava escondido em Londres apesar da ameaça de que isso o tornaria um alvo fácil para agências de inteligência de outros países. Amir Mizroch, um analista do jornal direitista Jerusalem Post, notou que tal postura era o equivalente a “dizer para os agentes de inteligência sírios, libaneses, palestinos, do Hizbullah e iranianos em Londres: 'Sejam nossos convidados para capturar Uri Blau'”. Para ele, o verdadeiro objetivo poderia ser encurralá-lo até o ponto de ser vir obrigado a buscar refúgio na embaixada israelense.
Anat Kamm é acusada de espionagem com a intenção de causar danos à segurança nacional. Por isso, ela pode ficar 25 anos na prisão. No dia 12, outro de seus advogados, Avigdor Feldman, fez um apelo a Blau para que ele retornasse a Israel e devolvesse os documentos, como forma de ajudar a “atenuar o caso”.
“A questão real é se essa abordagem excepcionalmente dura está desenhada apenas para recuperar os documentos ou para ir atrás de Blau e suas fontes”, disse Jeff Halper, um analista israelense. “Pode ser que Kamm seja o pretexto que os serviços de segurança precisam para identificar o círculo de informantes de Blau”.
Uri Blau já publicou várias matérias, aparentemente baseadas nos documentos de Kamm, mostrando que o comando do Exército aprovou políticas que violou não apenas leis internacionais como também determinações das cortes israelenses.
“Missão de ataque”
Suas reportagens incluíram revelações de que oficiais aprovaram assassinatos extra-judiciais nos territórios ocupados, ordem destinada, quase que certamente, a matar transeuntes palestinos; que, em violação de um compromisso com a Suprema Corte, o Exército deu ordens para executar palestinos procurados mesmo que eles pudessem ser capturados com segurança; e que o ministro da Defesa compilou um relatório secreto mostrando que a grande maioria de assentamentos na Cisjordânia era ilegal mesmo sob a lei israelense.
Apesar do fato de que as matérias originais datarem de 2008, o Exército emitiu um comunicado recentemente afirmando que os relatos de Blau eram “ultrajantes e enganadores”. Nenhum oficial foi processado pelas atividades ilegais do Exército.
B’Tselem, um grupo israelense de direitos humanos, afirmou que realizou um estudo que mostra que “em muitos casos, soldados estão se dirigindo aos territórios ocupados como se eles estivessem em uma missão de ataque, em vez de uma operação de captura”. A entidade afirmou, ainda, que as autoridades “se apressaram a investigar o vazamento [dos documentos] e escolheram ignorar as graves suspeitas de flagrantes irregularidades evidenciadas nesses documentos”. (Palestine Chronicle)
Tradução: Igor Ojeda
Fonte: www.brasildefato.com.br
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