Uma pequena dificuldade, não um obstáculo
A recente guerra de palavras entre políticos dos EUA e de Israel não passa de um soluço no meio de uma longa refeição. Não é significativa nem é sinal de qualquer disputa grave entre os dois países. Por Mumia Abu-Jamal
Este artigo de Mumia Abu-Jamal contém uma crítica a uma ideia conspiracionista que se encontra com frequência em meios de esquerda, segundo a qual a política externa dos EUA, e mesmo muitos aspectos da sua política interna, seria influenciada ou até determinada pelo lobby israelita estadunidense, ele próprio representante directo dos interesses dos governos de Israel; isto é, os EUA seriam realmente governados por Israel! Passa Palavra
Os serviços noticiosos trombeteiam, num tom misto de tristeza e de desgraça, que as relações israelo-estadunidenses estão seriamente ameaçadas.
Isso acontece por ser inédito ouvirem-se críticas públicas de dirigentes dos EUA a actos cometidos por Israel [1]. Claro que, mesmo quando Israel desfere um ataque brutal e de largo alcance contra um dos seus vizinhos, como o fez em 2006 contra o Líbano, os representantes do governo dos Estados Unidos - como a então secretária de Estado Condoleeza Rice - chamaram aos bombardeamentos generalizados contra aquele país “as dores de parto da democracia” nascente.
Muito embora esse tipo de críticas seja raro, elas não conseguem encobrir uma realidade fundamental: Israel é o mastim do império estadunidense, não o inverso.
O escritor e activista Richard Becker analisa essa questão no seu livro Palestine: Israel and the U.S. Empire [PSL Publications, Washington, 2009] [2], e chega à conclusão de que, embora o lobby israelita seja poderoso e influente, ele não é mais do que “a cauda que abana o cão”. Becker explica: «O poder do lobby pró-Israel foi-lhe dado pela classe dominante e pelo sistema político dos EUA, que vê no Estado do Israel um instrumento importante contra os movimentos de libertação dos árabes e dos outros povos do Médio-Oriente».
Faz sentido. O livro de Becker refere factos históricos que raramente se podem encontrar nos jornais dos Estados Unidos.
Em 1951 o mais importante diário israelita, Ha’aretz, publicava um editorial onde se opinava acerca do papel de Israel: «Portanto, o reforço de Israel ajudará as potências ocidentais a manter o equilíbrio e a estabilidade no Médio-Oriente. Israel está destinada a ser um cão de guarda… Se e quando, por uma razão qualquer, as potências ocidentais preferirem fechar os olhos, elas podem confiar em Israel para punir um ou vários Estados vizinhos, cuja descortesia para com o Ocidente ultrapasse os limites do admissível». [pág. 71].
A recente batalha de declarações entre políticos dos EUA e de Israel não passa de um soluço no meio de uma longa refeição. Não é significativa nem é sinal de qualquer disputa grave entre os dois países. É mais do que provável que, dentro de poucos meses, já ninguém se lembre disto.
[1] O autor refere-se a declarações recentes de responsáveis dos EUA contra o assassinato de um dirigente do Hamas num hotel do Dubai, em Janeiro passado, por um comando da secreta israelita [Mossad] que usou passaportes falsos britânicos, franceses e alemães. Possivelmente também se refere a declarações de há poucos dias, aquando da visita do primeiro-ministro ultradireitista de Israel, Netanyahu, a Washington, em que Obama pedia a Israel para suspender a construção ilegal de colonatos em territórios palestinianos, nomeadamente em Jerusalém Oriental. NDR
[2] “Palestina: Israel e o império dos EUA”. PSL Publications é a editora do Party for Socialism and Liberation (Partido para o Socialismo e a Libertação).
Artigo original (em inglês) publicado no ZSpace, aqui.
Tradução & Fonte: Passa Palavra
sexta-feira, 9 de abril de 2010
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