O craque e Barcelona - Por Sócrates
Na última coluna, falei de passagem do melhor jogador do planeta. O ainda garoto Lionel Messi está fazendo uma temporada de “sonho”, sendo cada vez mais idolatrado por seu público em Barcelona. Algo que já ocorreu mais de uma vez desde que esse título foi instituído. Não à toa. O catalão é um povo sofrido que até hoje busca a plena independência. Barcelona, sua capital, é motivo de orgulho. Estando na costa do Mediterrâneo, soube crescer de forma ordenada a partir de um plano piloto concebido em meados do século XIX, cujo objetivo era aproximar as aldeias ao redor a partir da derrubada das barreiras medievais que ali existiam. Imaginação, criatividade, talento e loucura são alguns dos adjetivos que poderiam muito bem definir aquele que é um símbolo da cidade, o arquiteto Antonio Gaudí, autor de iniciativas monumentais como a Igreja da Sagrada Família, passagem obrigatória na cidade e obra-prima do modernismo.
Por falar em imaginação e criatividade, aqui estão a alma e a essência do que deve ser o bom futebol. E estes são atributos que não faltam ao jovem Messi, que vem sendo nesta temporada a própria expressão do que chamamos “beleza e alegria” desse esporte. São qualidades extremamente valorizadas pelo povo catalão, que não mede esforços para demonstrar o quanto se sente feliz em ter entre sua gente talentos como o do argentino. E sempre foi assim. Muitos dos últimos agraciados como melhores do mundo vestiam a malha do Barcelona quando da escolha. Inclusive Romário, Ronaldo e Ronaldinho Gaúcho. Ronaldinho, que durante um grande período foi o que hoje representa Messi para seu torcedor. E é essa energia contagiante do catalão que permite que gênios como esses citados possam exprimir totalmente a sua arte em uma região onde também nasceu ou cresceu a genialidade de Picasso, Joan Miró e muitos mais.
Por aqui se fala que o Corinthians não tem uma torcida, e sim que a fiel torcida corintiana é que tem um time. Em Barcelona não é diferente. Talvez por ter em sua trajetória marcas enormes de derrotas contundentes na incessante busca da tão sonhada autonomia nunca verdadeiramente alcançada, mas que por outro lado serviram para estimular o orgulho nacionalista. Tanto que o dia nacional celebrado em 11 de setembro é para lembrar mais uma derrota e onde a festa e a dança (La Sardanha) são intimistas ao extremo, contrastando com a euforia e a felicidade de outros povos e culturas. Uma história de dor, perdas e frustrações que, em vez de transformar o catalão em derrotista e cabisbaixo, o tornou mais forte e altaneiro.
No estádio, per supuesto, o que mais vemos é a exaltação à arte dos mais qualificados. É o assombro coletivo empurrando o talento ladeira abaixo na velocidade necessária para que ele desabroche em toda a sua plenitude, para delírio da massa sedenta por essa beleza que o futebol nos oferece quando livre das amarras impostas por mentes menos arrojadas e reacionárias. É o êxtase da liberdade e da criatividade. É o sorriso da ingenuidade de quem só quer acompanhar o desfilar da arte em sua mais profunda interpretação. São manifestações incontroláveis que denotam a total expressividade da emoção que toma conta de todos que entrelaçam as mãos em torno do clube do coração – que, mais que um time ou equipe, representa um povo e sua saga histórica.
E aqui, ao contrário de outros povos que se isolam do convívio com os demais, não se vê um só sinal de discriminação atingindo a origem do artista que encanta. O que realmente conta é a qualidade dos autores e não seu DNA. Esses talentos são recebidos como filhos ou como guerreiros ao vestir as cores das bandeiras da Catalunha e do Barcelona. Engrandecendo a história desse povo, que sempre consegue surpreender os mais desavisados por suas atitudes. Como, por exemplo, ver estampada na virgem camisa do Barcelona – já que ela jamais serviu como agente de propaganda comercial – a sigla que representa a luta também histórica pela proteção dos direitos das crianças de todas as origens: Unicef. Uma iniciativa que deve deixar todos os concorrentes – em particular o ultra-adversário Real Madrid – envergonhados por suas desmedidas ambições. Um gigantesco exemplo de como é possível viver em um mundo essencialmente comercial, mantendo preservada a sensibilidade humana. Sensibilidade essa que transparece na fronte e nos és habilidosos de jogadores como Messi e tantos outros que por lá passaram.
Fonte: http://www.cartacapital.com.br
segunda-feira, 12 de abril de 2010
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