segunda-feira, 17 de maio de 2010

Furada Cultural - Por H. Rodrigues

Furada Cultural - Por H. Rodrigues


A Virada Cultural foi criada no primeiro ano da gestão do prefeito José Serra (em 2005) e, desde então, tornou-se um dos maiores eventos de rua da cidade de São Paulo. Apesar da assinatura tucana, o evento é quase uma unanimidade até mesmo entre os que nunca participaram dela.

Como morador do centro de S. Paulo, acho o evento muito legal. Gosto do clima que se forma nas ruas (apesar do alto consumo de drogas e da sujeira), de ver as pessoas caminhando pela cidade de madrugada, ocupando os espaços e assistindo aos shows. Até aí, tudo bem. No entanto, considero a Virada Cultural um dos grandes equívocos da política cultural dessa cidade. Se gasta muita grana para um retorno muito pequeno. Quer dizer, o retorno existe, mas certamente não é cultural. Por outro lado, a cidade, sobretudo o centro, fica completamente abandonada ao longo do ano. Não existem eventos de rua como apresentação de teatro, circo, dança, musicais e outras expressões artísticas. O carnaval de rua é um fiasco. As praças estão abandonadas. O valor gasto com esse evento é quase a metade do que foi utilizado na reforma da Biblioteca Mário de Andrade, iniciada em 2007 e ainda não concluída. A placa de reforma da praça Roosevelt, cujo inicio seria em 2006, já apodreceu e caiu. O Teatro Municipal está fechado. Os cinemas de rua praticamente não existem mais. A demolição do Minhocão e a criação de uma área de lazer no lugar é uma mentira. (Estou pra ver um prefeito que tenha coragem de pagar o preço político de fazer qualquer reforma urbanística que não privilegie o automóvel nessa cidade.) Além de não ter eventos de rua, nem os shows do Ibirapuera, que eram patrocinados pela iniciativa privada, existem mais!

A Virada Cultura desse ano foi inflacionada com um número assustador de atrações de gostos duvidosíssimos. Estranhamente, muitas coisas ficaram de fora esse ano, assim como em outras edições. Por que não tem espaço para o rap? Por que nunca houve um espaço para música sertaneja ou música de raiz? Que samba é esse que colocaram na praça da República? Quais foram as grandes atrações do rock? Quais foram os grandes cantores populares? O que tivemos foi um amontoado de ex-bandas em atividade. Que diversidade é essa? Na minha opinião, esse evento é uma farsa para enganar a classe média mal informada que só passa pelo centro de carro quando não tem caminho alternativo, assustada e com os vidros fechados – nem sequer para no sinal vermelho. Na boa, o que há de cultural nessa virada? Trata-se de um belo verniz cultural, uma peça de propaganda política bem ao estilo de Goebbels, que dizia uma mentira mil vezes até transformá-la em verdade.

S. Paulo precisa de uma política urbanística e cultural séria para o centro que privilegie, sobretudo, a moradia, a segurança, a limpeza, a conservação e o meio ambiente na principal área da cidade. Até hoje não se resolveu o problema dos ambulantes, o número de moradores de rua só cresce, a cracolândia vive a sua própria sorte, moradores sofrem com a desvalorização dos imóveis, com a sujeira e a sensação de insegurança, até artistas são baleados no interior dos teatros.

No lugar de um mega evento anual, por que não eventos menores e mensais criando assim um hábito de frequentar o centro e mantendo a economia aquecida ao longo do ano? No lugar de escolhas artísticas duvidosas, por que não uma consulta pública sobre os interesses culturais da população? No lugar de gastar milhões de reais num único dia, por que não um investimento sério a longo prazo que leve em consideração uma melhor cidade para se viver?

Fonte: http://wineblackboard.blogspot.com/

2 comentários:

Anônimo disse...

Ótimo post!

Laerçon blues man disse...

Eu também acho que a "virada cultural" deve ser repensada. Eu penso que deve continuar, mas primeiro tem que se dar uma "limpada" geral no centro em todos os sentidos principalmente nas reformas dos teatros, pontos turísticos, "dar um jeito" nos mendigos e drogados que cagam até nas escadarias das igrejas e tudo mais, aí sim vamos pensar na "virada cultural"