terça-feira, 16 de março de 2010
“O anarcoprimitivismo é a antiglobalização” John Zerzan - ANA
Entrevista com John Zerzan, filósofo estadunidense
“O anarcoprimitivismo é a antiglobalização”
[Tivemos a oportunidade de falar relaxadamente com Jonh Zerzan na manhã de 15 de janeiro, na Livraria La Malatesta, no coração de Lavapiés. Nesta tarde ele era o protagonista do segundo dia dos atos de abertura dos “100 anos de anarcosindicalismo” que organizou a CGT no Ateneu de Madri.]
Rojo y Negro > Como você considera a relação entre ciência e anarquismo, levando em conta que o anarquismo historicamente tem considerado a ciência como aliada de seus princípios racionalistas?
Jonh Zerzan < Depende da definição de ciência que estamos considerando. Se pensarmos a ciência em sua concepção cartesiana, que objetiviza a realidade, teríamos um ponto de vista. Se considerarmos a ciência do um ponto de vista indígena, que aprende de sua relação direta e cotidiana com a natureza, a resposta seria outra... A tecnologia não é neutra, e muito menos a ciência, mas sempre devemos partir de que tipo de ciência estamos falando. Em todo caso, não há dúvida de que utilizamos as descobertas da ciência todos os dias e em todos os tipos de questões, por exemplo, as relacionadas com o aquecimento global, a perda da biodiversidade, etc... Desmascarar a suposta neutralidade da ciência, não implica em desprezá-la ou omiti-la.
R y N > Pode-se considerar Zerzan e seu anarcoprimitivismo como um antecedente da corrente européia do decrescimento?
Zerzan < De certa forma pode ser assim, mas apesar de não conhecer em profundidade o movimento do decrescimento, tenho a sensação de que talvez falte a ele uma perspectiva radical, ou seja, que considere de maneira global todo o ambiente que nos rodeia, a vida no planeta e nossas interações como espécie, e neste sentido seria uma corrente política que tem seus limites, por não estar enquadrada numa perspectiva geral do problema, a partir da qual se estabelece uma luta realmente alternativa. Para a sobrevivência humana e do planeta não se trata apenas de decrescer, mas sim, basicamente, se trata de diminuir e eliminar as complexidades da vida que a civilização e o capitalismo têm gerado.
R y N > Você é daqueles que pensa que o decrescimento é favorável ao capitalismo ou que é uma arma de luta anticapitalista?
Zerzan < Minha experiência é que na França, talvez pela impaciência do movimento decrescentista de colocar em marcha iniciativas que sejam viáveis agora mesmo, eles estão escolhendo um caminho que para mim é errôneo, assim como o é o dos partidos políticos e o da participação parlamentária, repetindo o mesmo erro que cometeu um importante setor ecologista ao se orientar pelos partidos verdes, como na Alemanha e outros países. Esta maneira de entrar no jogo do sistema é que impossibilita que o movimento decrescentista se construa a partir de uma perspectiva radical, assim como bloqueia as possibilidades de participação de outros movimentos, que teriam que ser aqueles que realmente pudessem imprimir um caráter transformador e global da realidade existente até agora.
R y N > O que John Zerzan tem a ver com o movimento antiglobalização surgido em Seattle?
Zerzan < Nos Estados Unidos, os meios de comunicação sempre buscam algum interlocutor concreto para responsabilizar por tudo que se move, sem entender que é todo um movimento, sem cabeças que o dirija, que está atuando nas ruas, numa pluralidade de coletivos e pessoas que são as que participam na formação deste movimento. Mas para os meios de comunicação fica mais fácil identificar um nome, uma pessoa concreta, para que possa ser responsável ou pela inspiração intelectual ou como líder material de algo que tem outras origens e causas. Lembro-me que logo depois das manifestações, a primeira página do NewsWeek já responsabilizava a três mentes privilegiadas do movimento antiglobalização: Naomi Klein, Chomsky e Zerzan.
R y N > De Seattle até agora, o que fica do movimento antiglobalização?
Zerzan < Teria que se perguntar primeiro o que é o movimento antiglobalização e o que é a antiglobalização, porque acontece muitas vezes de um jornalista perguntar para um manifestante sobre o porquê de ele estar contra a globalização, e da explicação do manifestante finalmente pode se deduzir que ele não está contra a globalização, pois não está contra o modelo produtivo industrial e outras séries de coisas que formam parte do sistema. Frente a isto está a perspectiva radical da antiglobalização, que sem dúvida existe, sobretudo em setores importantes da juventude que se colocam em correntes como o anarcoprimitivismo, e que realmente fazem uma crítica radical ao modelo industrial. Porém nem tudo que é considerado pelos meios de comunicação como antiglobalização ou que se autodenomina desta maneira é radicalmente crítico ao sistema em que vivemos.
R y N > O que é o primitivismo: uma hipótese de trabalho, uma operação de marketing radical, uma utopia, uma ética?
Zerzan < De todas essas opções fico com a primeira, é uma hipótese de trabalho, porque no mundo de hoje há muitas perguntas sobre o progresso, a tecnologia e a ciência que simplesmente não lidamos porque as damos como feitas, porque se assumem e se interiorizam como dados da realidade, supostamente inevitáveis e inquestionáveis, e deste modo damos por certo que devemos assumir todas as conseqüências e efeitos que o progresso e o desenvolvimento tecnológico traz, sem indagar suas causas e muito menos o porquê de seu domínio. Isto supõe uma domesticação absoluta da população. Por exemplo, a nanotecnologia, ou a engenharia genética está colocando publicamente uma série de perguntas de caráter ético e social, sobre o que isto significa e implica, que no entanto deveria ter sido colocada antes, muito antes, já devia ter sido feita nas outras tecnologias que a antecedeu, e desde o início da ciência tal como a conhecemos atualmente. Mas o que existe é uma normalização, uma interiorização total de certas conseqüências, absolutamente negativas, do desenvolvimento tecnológico e industrial, que implicam, por exemplo, numa destruição dos valores comunitários, da comunidade como um âmbito de relação direta e cotidiana. Um caso paradigmático são os tiroteios indiscriminados que de vez em quando acontecem nos Estados Unidos. Alguém entra com uma arma num colégio ou em um supermercado e começa a disparar nas pessoas que estão ali nesse momento. Tal comportamento é precisamente fruto de um desaparecimento dos valores comunitários nas pessoas, e sua substituição por valores pós-modernos individualistas. Em suma, o primitivismo para mim é o que realmente é a antiglobalização, o que deveria significar este movimento em termos de crítica radical ao sistema imperante.
R y N > Para finalizar, qual é a situação do anarquismo nos Estados Unidos?
Zerzan < Nos últimos dez anos as idéias anarquistas têm crescido significativamente nos Estados Unidos, e especialmente em lugares onde antes não havia nenhuma tradição anarquista. Em linhas gerais há uma divisão entre a costa leste, onde predomina um anarquismo mais tradicional, e a costa oeste, onde o anarquismo se vincula fortemente com os movimentos ecologistas, o chamado anarquismo verde (Green Anarchy, é o nome de uma revista na qual John Zerzan colabora). Nestes últimos tempos está se produzindo uma coisa muito interessante, que é uma certa confluência entre estas duas correntes do anarquismo através precisamente do anarcosindicalismo, dos sindicalistas, que são os que estão sabendo combinar de alguma forma ambas perspectivas. O anarcocomunismo, implantado em certos sindicatos, não somente na IWW, é o que está dando pé a este encontro, partindo da reflexão em torno do mundo do trabalho. Chama-me a atenção que na Espanha, pelo tempo que passei com vocês, o âmbito sindical também manifesta uma mente aberta a novas idéias, reflexões e possibilidades, a partir do mundo do trabalho, algo que também encontrei, por exemplo, em Beltrán da CNT (Beltrán Roca Martínez, coordenador de “Anarquismo e Antropologia”, LaMalatesta 2008).
Fonte: Rojo y Negro, fevereiro de 20010.
Tradução > Marcelo Yokoi
agência de notícias anarquistas-ana
corda de versos,
janela da prisão:
foge o poeta!
Carlos Seabra
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