quinta-feira, 11 de março de 2010

O código de construção socialista do Chile - Por Naomi Klein

O código de construção socialista do Chile
Por Naomi Klein

Desde que a desregulamentação causou um colapso econômico mundial em setembro de 2008e todos tornaram-se keynesianos de novo, não tem sido fácil ser um fã fanático do falecido economista Milton Friedman. Tão amplamente desacreditado é o seu modelo de fundamentalismo de livre mercado que seus seguidores passaram ao desespero crescente em clamar vitórias ideológicas, apesar de pouco prováveis.

Há um caso particularmente desagradável nisso. Apenas dois dias após o Chile ser atingido por um terremoto devastador, o colunista do Wall Street Journal, Bret Stephens informou aos seus leitores que o espírito de Milton Friedman “foi com certeza protetor pairando sobre o Chile”, porque, “em grande parte graças a ele, o país passou por uma tragédia que em outro lugar poderia ter sido um apocalipse… Não foi por acaso que os chilenos estavam morando em casas de tijolo - e os haitianos em casas de palha - quando o lobo chegou para tentar derrubá-las.”.

Segundo Stephens, as políticas radicais de livre mercado prescritas para o ditador chileno Augusto Pinochet por Milton Friedman e seus infames “Chicago Boys” são as razões do Chile ser uma nação próspera com “alguns dos códigos de construção mais rígidos do mundo”.

Há um problema bem grande com essa teoria: as modernas leis de construção sísmicas do Chile, elaboradas para resistir aos terremotos, foram aprovadas em 1972. Aquele ano é enormemente importante, pois foi o ano anterior a Pinochet tomar o poder num golpe sangrento apoiado pelos Estados Unidos. Isso significa que se há uma pessoa que merece receber o crédito pela lei, não é Friedman ou Pinochet, mas Salvador Allende, o presidente socialista democraticamente eleito do Chile. (Na verdade, muitos chilenos merecem o crédito, uma vez que as leis foram uma resposta ao histórico de terremotos, e a primeira delas foi aprovada em 1930).

Parece significativo, porém, que a lei foi promulgada mesmo no meio de um debilitante embargo econômico (“fazer a economia gritar”, o famoso resmungo de Richard Nixon após Allende vencer as eleições de 1970). A lei foi atualizada depois nos anos 90, bem após Pinochet e os Chicago Boys saírem finalmente do poder e a democracia foi restaurada.

Não é estranho: como Paul Krugman aponta, Friedman foi ambivalente sobre o código de construção, vendo-os ainda como uma outra infração à liberdade capitalista. Quanto ao argumento de que as políticas friedmanistas são as responsáveis pelos chilenos viverem em “casas de tijolos” ao invés de “palha”, está claro que Stephens não sabe nada sobre o pré-golpe no Chile. O Chile de 1960 tinha o melhor sistema de saúde e educação do continente, assim como um vibrante setor industrial e uma rápida expansão da classe média. Os chilenos acreditavam no Estado, e por isso elegeram Allende para avançar o projeto ainda mais.

Após o golpe e a morte de Allende, Pinochet e seus Chicago Boys fizeram o seu melhor para desmantelar a esfera pública do Chile, leiloando as empresas estatais e reduzindo os regulamentos financeiros e sindicais. Uma enorme riqueza foi criada nesse período, porém, por um custo terrível: no início dos anos 80, as medidas de Pinochet prescritas por Friedman causaram uma rápida desindustrialização, o aumento em dez vezes do desemprego e uma explosão de favelas, nitidamente instáveis. Eles também deixaram uma crise de corrupção e da dívida tão grave que, em 1982, Pinochet foi forçado a demitir o seu conselheiro chefe, um Chicago Boy, e nacionalizar várias instituições financeiras muito desregulamentadas. (Soa familiar?)

Felizmente, os Chicagos Boys não conseguiram desfazer tudo que Allende realizou. A empresa nacional de cobre, Codelco, permaneceu nas mãos do Estado, bombeando riqueza para os cofres públicos e previnindo os Chicagos Boys de degenerarem a economia do Chile completamente. Eles também nunca conseguiram jogar fora o resistente código de construção de Allende, um descuido ideológico pelo qual todos nós devemos estar gratos.

Obrigada ao CEPR por rastrear as origens do código de construção do Chile.

Tradução & Fonte: Passa Palavra

Publicado originalmente em: http://www.huffingtonpost.com/naomi-klein/chiles-socialist-rebar_b_484143.html

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