O que há de autonomia na luta dos professores paulistas?
A Apeoesp possui uma estrutura gigantesca e um orçamento que suplanta os 40 milhões anuais. Nesse quadro as direções sindicais não possuem interesse que o sindicato seja de base, aberto e participativo. Por Ronan
Em termos gerais, a categoria dos professores do Estado de São Paulo é caracterizada pela apatia política. Há uma aceitação do modelo administrativo imposto pelo governo, inclusive com a defesa enfática das hierarquias internas aos prédios escolares. Mesmo nos milhares de casos paradoxais de autoridades educacionais ignorantes – paradoxal porque chefes educacionais deveriam saber mais que seus subordinados - não há uma contestação do papel dos chefes no interior das escolas e no sistema em geral.
O governo não tem o que reclamar da categoria na questão do cumprimento do dever disciplinar. Ao contrário! O que existe é uma pressão de setores significativos por mais disciplina. Entretanto, está descontente com o rendimento educacional dos docentes e toda a reforma do ensino paulista vem no sentido de tornar o trabalho mais produtivo. Para isso, apostou na padronização, taylorização, do trabalho e intensificação do mesmo. Os professores, hoje, além de cumprirem as regras disciplinares, estão trabalhando mais dentro do horário formal, porque trabalham mais intensivamente, e trabalhando mais horas fora do período contratado.
Temos um contexto em que o governo está disposto a pagar mais para os professores, mas desde que haja um aumento no rendimento, uma espécie de participação nos lucros escolares. Até bonificações para os alunos estudarem mais já foram cogitadas. A gestão atual se fundamenta em avaliações, índices e outros critérios que mensuram a produtividades das escolas e dos professores em coletivo, além do nível de conhecimento individual. Um grande número de professores - vítimas da precária formação que é comum no país, ou mesmo preguiçosos ou desiludidos ou desinteressados em geral - ficaram seriamente ameaçados de não poderem trabalhar ou não terem aumento, uma vez que seus desempenhos nas avaliações ficaram aquém do esperado. O governo não pretende dar aumento para o professor efetivo que não for aprovado entre os 20% melhores, nem dar trabalho ao não concursado reprovado. A avaliação de professores temporários realizada no final de 2009 revelou 88 mil professores reprovados, isso porque se considerou apto quem acertou um mínimo de 32 questões de uma prova com 80 – 96 mil foram aprovados.
Chegou-se a um ponto dramático para professores que, num passado lembrado com nostalgia, ganhavam 10 salários-mínimos por mês, eram vestais da classe média e desfrutavam de certo status. As reações a esse contexto de aumentos salariais somente aos 20% aprovados, bônus relacionado à produtividade e desemprego para os não efetivos reprovados seguem o padrão implantado pelo sindicato, responsável por gerir a luta dos professores. Trata-se, antes de tudo, de uma reação pelo salário e pelo emprego. Essas lutas são hegemonicamente praticadas de forma coletiva e passiva. Claro que no dia-a-dia há as sabotagens individuais: faltas ao trabalho, enrolações, licenças médicas. Mas as lutas coletivas são praticamente cem por cento controladas pelo sindicato, que as manobra de acordo com seu interesse.
A Apeoesp, sindicato dos professores do ensino oficial do Estado de São Paulo, possui uma estrutura gigantesca e um orçamento que suplanta os 40 milhões anuais. Há largo espaço para dirigentes que pretendam viver corruptamente, forjando notas para embolsar recursos, assim como, há também ampla possibilidade de alavancar uma carreira política. Por isso, o sindicato é disputado de forma férrea por correntes variadas. Nesse quadro, obviamente, as direções sindicais não possuem interesse que o sindicato seja de base, aberto e participativo.
Quem olha uma foto da manifestação que correu essa semana e compara com outras de 10 ou 20 anos atrás vai ficar surpreso com a mesmice e previsibilidade do ato. Pode até ensaiar uma acusação de falta de criatividade estética dos professores: sempre as mesmas faixas, o mesmo nariz de palhaço, as mesmas plaquinhas e bandeirinhas, sempre alguém com a bandeira do Brasil e uns caras carregando caixão como se fosse o suprassumo da novidade. Essa mesmice é a expressão estética da mesmice organizacional. Os dirigentes sindicais implantaram um modelo de gestão da luta que não favorece e faz morrer as iniciativas singulares e de base.
1. O primeiro ponto é o silêncio. Há uma prática intencional de não discussão sobre qualquer assunto que seja, de forma que somente os dirigentes tenham já de antemão um raciocínio formulado sobre as coisas e peguem sempre de surpresa os professores quando das campanhas por esta ou aquela paralisação ou ato. Uma greve não é antecipada com discussões e debates. Ao contrário, se convoca os professores a seguirem os dirigentes que possuem por si as linhas de crítica e enquadramento dos fatos. Nesse caso pode ser incluído o fato de o sindicato não transmitir on line as reuniões, atos e assembleias, o que daria maior visibilidade aos fatos e formas de atuação.
2. Evitar contato entre professores, alunos e comunidade. É o modelo de greve usado, com paralisação das aulas e professores em casa. Nesse caso, não há contato cotidiano entre os professores nos períodos de luta coletiva, não há politização do ambiente escolar e politização dos alunos, não se coloca em causa a disciplina interna, o que ocorreria em discussões ou participações de alunos e pais. Ficam todos em casa, sem pensar, sem discutir, esperando as ordens do sindicato.
3. Redução da discussão sobre educação ao salário. O sindicato resume toda a discussão sobre educação ao fator salarial. Não há discussão sobre modelo educacional, outras metodologias, outros projetos. Cria-se no meio do professorado uma passividade intelectual, sem que a categoria seja potencializada para desenvolver um projeto seu que pudesse colocar frente a frente com os projetos do governo. As posições são sempre de segunda mão, limitando-se a criticar o que o governo oferece.
4. Não são estimuladas discussões nas escolas ou em assembleias por regiões. Os debates e encontros, quando os há, embora haja professores no Estado todo, são sempre centralizados na capital, o que dá maior poder aos grupos que controlam o orçamento sindical e podem se deslocar. Ainda, cria-se impecilhos a uma participação mais intensiva.
5. A relação com a imprensa é centralizada, procurando que somente os dirigentes tomem a palavra. Não há incentivos para criação de sites e blogs regionais e/ou locais, assim como, não há espaço no site central para o debate e publicação livre de ideias. Até mesmo os panfletos entregues nas ruas e/ou para os pais e alunos são escritos pela sede central e emitidos às sedes regionais, as sub-sedes.
6. Há uma aposta no emburrecimento do professor. Não se organiza cursos, debates, discussões para que os professores desenvolvam uma linha de pensamento. O site do sindicato é extremamente pobre, carente de textos, de matérias, de vídeos, de análises. Bom exemplo é saber que quando se trata de enfrentar intelectualmente o governo, o sindicato recorre aos professores doutores das universidades, como se esses fossem os únicos compatíveis para tal. O professorado, despojado pelo governo do controle sobre a sua aula, é despojado pelo sindicato da sua possibilidade de crítica. Nisso o sindicato é auxiliado pela imprensa, que só publica textos do mesmo, do governo ou de professores doutores das universidades.
7. Embora as assembleias sejam sempre às 15:00, na Avenida Paulista, os dirigentes sindicais e lideranças das variadas correntes políticas internas se encontram antecipadamente, no turno matutino, para reuniões em que fazem uma prévia do que discutirão em público, quais apontamentos terão para a massa de professores etc. Muitas vezes, no início de uma assembleia se adianta o que irá acontecer sem que sequer tenha havido alguma votação por parte do professorado.
8. Utiliza-se um enorme carro de som de grande potência que inibe e silencia qualquer ação fora do programado. Diante do volume ensurdecedor do carro controlado pelo sindicato, nenhum grupo de professores em particular possui possibilidade de intervir junto aos demais colegas. É silenciar pelo falar mais alto. O acesso ao caminhão é controlado, sendo que muitos são proibidos de falar, ou é dado tempo exíguo, ou mesmo se corta o som enquanto o sujeito estiver falando, de forma que ninguém o ouça.
9. Centraliza-se todos os atos na capital. Embora os professores tenham problemas com as chefias locais, tanto das diretorias regionais como das escolas, e embora muitas autoridades educacionais e o próprio governador vivam sempre circulando pelo interior, a direção sindical não estimula atos que saiam de seu controle. Para isso, só reconhecem os atos feitos na capital. Manifestações fora desse quadro, mesmo com situações graves de professores espancados por autoridades ou coisas do gênero, não são sequer divulgadas no site do sindicato.
10. Os grupos de professores independentes são tratados com ferocidade, sujeitos a processos dos dirigentes sindicais, sujeitos a agressões, impedidos de falar, boicotados no envio de recursos, além de uma campanha moral de difamação, ridicularização e infantilização. Nesse quesito, os fatos da greve de 2000, em que professores exonerados e processados foram abandonados pelo sindicato, que sequer promove a memória do ocorrido e de haver profissionais seriamente afetados, é exemplo nítido.
11. Embora se possa participar da votação de algumas bandeiras políticas, a gestão dos vultosos recursos econômicos não é discutida com a categoria. Há uma preocupação em se evitar uma verdadeira prestação de contas e uma verdadeira discussão coletiva sobre o destino das verbas.
Nesse contexto, de uma categoria apática esmagada por um sindicato que promove mais passividade, mais apatia e mais controle, e que contribui em termos estruturais com a manutenção das hieraquias, do poder e da exploração, parece mesmo assustador que haja alguma coisa que consiga respirar no meio. Entretanto, nesta greve de 2010, fora dos holofotes centrais, temos acompanhado o pipocar de atos em vários cantos em que minorias de professores protestam ativamente contra a passagem do governador José Serra. Foram atos em Matão, Francisco Morato, Bauru, São Paulo… Eles têm sofrido com policiais e seguranças que os impedem de se aproximar do governador e se manifestar, sofrido agressões dos seguranças, ofensas de oportunistas, ameaças de prisão do policiais presentes. Sofrido o que há em lutas em que se existe realmente. Eles são a centelha de autonomia na luta dos professores paulistas. Continuarão ativos depois dessa fase?
Fonte: http://passapalavra.info/
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